Volume 1
Capítulo 4: Kitchen Aono
Nós conseguimos escapar da escola com sucesso e estávamos agora a caminho da minha casa, que ficava a cerca de dez minutos de caminhada. Depois de colocarmos uma boa distância entre nós e a escola, paramos para recuperar o fôlego.
“Haah… haah… Você está bem?” perguntei.
"Sim," ela respondeu, ainda um pouco ofegante. "Mas acompanhar um cara correndo a todo vapor é um desafio e tanto."
Ela soltou minha mão, que vinha segurando o tempo todo, e ajustou a postura.
"Honestamente, é impressionante que você tenha conseguido me acompanhar," comentei, genuinamente surpreso.
Agora que pensava nisso, lembrava de boatos dizendo que vários grupos tinham tentado recrutar ela, mas ela recusou todos. No entanto, em ocasiões raras, quando ajudava em algo, ela se destacava como se fosse a estrela do time.
"Não é tão impressionante assim," respondeu ela com modéstia.
Nossos uniformes molhados começaram a secar sob o sol. Vendo isso, instintivamente começamos a arrumar o cabelo bagunçado.
"Vamos?" sugeri, quebrando o breve silêncio.
"Mas, Senpai…" Ela me olhou com as bochechas levemente infladas, em um fingido bico de reclamação. "Você me provoca demais. Ou… é só muito ruim em explicar as coisas? Qual dos dois?"
Ela estava claramente expressando sua insatisfação.
"Provavelmente a primeira opção," menti.
"Mentiroso," ela disse, percebendo na hora.
Pelo visto, ela não ia deixar essa passar. Mesmo assim, logo chegamos ao nosso destino. Por algum motivo, parecia que éramos amigos de longa data. Talvez fosse porque tínhamos acabado de passar por algo que parecia uma situação de vida ou morte.
"Bem-vinda à Kitchen Aono." Minha casa, que também funcionava como um restaurante de culinária ocidental.
Meu falecido pai havia sido um chef. Depois de treinar em um hotel famoso e economizar dinheiro, ele abriu o próprio restaurante nesta cidade. Ele e minha mãe, que trabalhava na recepção do mesmo hotel, se apaixonaram e começaram o restaurante juntos.
Meu pai preferia fazer pratos caseiros em vez de refeições sofisticadas. O cardápio aqui oferecia favoritos familiares como "omurice", "hambúrguer de carne" e "ensopado de carne".
Antes de falecer por conta de uma doença, ele confiou suas receitas secretas ao meu irmão mais velho. Agora, depois de se formar na escola de culinária, meu irmão assumira como o segundo chefe da casa, com minha mãe cuidando das finanças e ajudando no atendimento.
"Tô em casa," anunciei ao entrar.
Ainda era antes do meio-dia, então o restaurante não estava cheio. Como ficava em um distrito comercial, o lugar enchia de gente na hora do almoço.
"Ah, bem-vindo de volta. Hoje você chegou cedo," minha mãe comentou com leve surpresa.
Ela sempre dizia que era a "garota-propaganda" do restaurante. E honestamente, parecia jovem o suficiente para passar por alguém na casa dos vinte, apesar de ter o dobro da idade. Seu cabelo curto e maquiagem leve, escolhidos pela praticidade, só aumentavam o charme dela.
"Eai, bem-vindo," a voz do meu irmão veio da cozinha.
"Eu não estava me sentindo bem, então saí mais cedo da escola," expliquei. "Aí encontrei uma kouhai que também saiu mais cedo, então a convidei para almoçar."
"Ah, é mesmo?" Minha mãe riu. "Matando aula, é? Tá ficando ousado, hein? Mas tudo bem. Já já vai ficar cheio, então por que vocês dois não usam a sala de descanso nos fundos? É raro você trazer uma amiga pra casa. Eu ofereço o almoço pra vocês."
Minha mãe sempre sabia ler a situação. Considerando o quanto eu estava pra baixo nos últimos dias, ela provavelmente estava apenas feliz por me ver um pouco mais animado.
"Tá tudo certo, Ichijou. Pode entrar," chamei a kouhai que estava esperando do lado de fora.
Ela entrou no restaurante, um pouco nervosa.
"Prazer em conhecê-los," disse ela com uma reverência educada. "Sou Ichijou Ai, kouhai do Aono-senpai. Ele sempre tem sido muito prestativo comigo. Obrigada por me receberem assim de última hora."
Seu modo refinado de falar causou bastante impressão.
Curioso, meu irmão espiou da cozinha, afastando a cortina. A visão da Ichijou o deixou sem palavras.
"Mas olha só, mas olha só…" murmurou ele, pasmo.
[Almeranto: Não vou mentir que ri nessa parte.]
Provavelmente estavam surpresos por eu ter trazido uma garota tão bonita pra casa. Claro, a Miyuki também é bem bonita… mas a Ichijou-san está em outro nível.
Para constar, tenho quase certeza de que minha mãe e meu irmão já sabem que terminei com a Miyuki. Afinal, eu estava trancado no meu quarto desde o meu aniversário.
"U-Uhm…"
Preocupada com o silêncio dos dois, Ichijou-san se mexeu desconfortável, visivelmente nervosa.
"Desculpa! É que eu não esperava que o Eiji trouxesse uma garota tão encantadora para casa. Ah, e me desculpa pela bagunça. Fique à vontade, peça o que quiser pra comer!"
Apressada, minha mãe terminou de arrumar a sala de descanso e nos conduziu para dentro.
A sala não era muito grande, mas era aconchegante. Tinha piso de tatame, uma mesa grande e uma TV. Como estamos em tempos modernos, o cômodo também tinha Wi-Fi gratuito para os clientes assistirem vídeos nos celulares.
A mãe, fã de tecnologia, havia equipado o restaurante com pagamentos eletrônicos, uma Alexa para tocar música ambiente, além de Netflix e YouTube na TV da sala de descanso. Bem funcional, para dizer o mínimo.
[Almeranto: Tô achando estranho que em outras obras costumam mudar sutilmente o nome de marcas ou empresas… aqui, pelo visto, é diferente. | Del: Percebi também, McSato-Naldo e Your Nose são pérolas kkkkkk.]
"Por que um quarto de tatame? Não deveria ser ocidental, já que o restaurante é de estilo ocidental?" eu perguntei antes uma vez. Aparentemente, o piso de tatame era melhor para cochilos rápidos durante os intervalos, o que o tornava mais prático.
Enquanto eu achava que o clima vívido do cômodo tirava um pouco do romantismo, era o único espaço privado do restaurante, o que tornava mais fácil conversar com a Ichijou-san. Honestamente, talvez fosse necessário discutir coisas que eu não queria que minha família ouvisse.
"Sinta-se em casa, Ai-chan."
Fiquei um pouco surpreso ao ouvir minha mãe chamá-la tão casualmente pelo primeiro nome, mas me senti aliviado quando ela voltou rapidamente ao trabalho, nos deixando sozinhos.
Ela havia deixado um cardápio e copos de água gelada na mesa.
"Só de olhar hambúrgueres e omurice, eu já fico feliz. Senpai, tem alguma recomendação?"
"Oh, então você deveria experimentar o prato do dia. Nosso omurice é o prato principal, servido com um mini hambúrguer e uma porção pequena de espaguete ao molho napolitano."
Esse era um combo que meu pai criou. Era tipo uma coletânea dos nossos três itens mais populares. O omurice e o hambúrguer vinham com um molho demi-glace especial preparado durante a noite, e o macarrão napolitano era aquele estilo clássico cheio de ketchup e salsicha. Também vinha com salada e sopa, sendo um pedido típico no horário do almoço.
"Uau…!" Seus olhos brilharam de empolgação, e eu senti um pequeno alívio. Até agora, ela não tinha agido muito como uma garota comum do ensino médio.
Fiz o pedido com minha mãe e voltei pra sala de descanso. O contraste entre o cenário familiar e a presença de uma garota tão linda me deixou meio tonto, me fazendo murmurar uma desculpa.
"Desculpa. Este lugar pode parecer meio ultrapassado pra receber uma colegial."
"De jeito nenhum. É diferente e agradável. Nem a casa antiga da minha família, nem o apartamento onde moro agora, têm um quarto de tatame. Sentar em um é até que divertido."
Ela realmente é uma jovem refinada.
"Bom, fico feliz em ouvir isso. Essa sala é o lugar onde minha mãe e meu irmão descansam. Eles usam pra dormir um pouco entre os turnos de almoço e jantar."
"Isso explica por que o ambiente parece tão acolhedor e vívido. Pra mim é uma novidade agradável. Nunca tive a chance de visitar a casa de alguém assim."
"Pra mim, é um pouco embaraçoso. Dá pra ver demais da personalidade da minha família, como a TV da minha mãe pra assistir dramas, os livros de culinária do meu irmão, e até minhas coisas."
"Eu acho maravilhoso. Quando uma casa reflete o caráter da família, ela transborda vida. Honestamente, eu invejo isso. Só de ouvir a conversa da sua família, dá pra sentir que vocês são próximos."
Havia um leve tom de melancolia em sua voz, me fazendo imaginar sobre a situação familiar dela. O fato de ela ter chamado a casa da família de "antiga" era incomum para alguém da nossa idade. Provavelmente mora sozinha, embora eu não quisesse perguntar. Ela também evitou fazer perguntas demais sobre mim no caminho até aqui. Parecia um acordo silencioso entre nós, respeitando os limites um do outro.
"A minha casa costumava ser calorosa e animada assim também…"
A expressão nostálgica dela e as palavras ditas em tom calmo me tocaram, mas eu segurei a vontade de perguntar. Não havia necessidade de forçar isso agora.
Depois de cerca de dez minutos de conversa leve, nossa comida chegou. Como era um dos itens mais pedidos do cardápio, já havia sido preparado para servir rapidamente.
"Aqui está seu prato do dia, Ai-chan. E, como cortesia, você pode escolher entre café ou chá depois da refeição. Aproveite!"
A sopa de hoje era tonjiru, um caldo encorpado à base de missô com carne de porco. A sopa varia diariamente, com opções como creme de milho, consomê ou sopa de ovo. O tonjiru, em particular, é bastante popular, então demos sorte hoje.
"Chá, por favor."
A maioria dos clientes normalmente escolhe café. No entanto...
"Oh, Ai-chan, você prefere chá? Isso me deixa tão feliz. Eu também sou assim!"
Minha mãe é uma entusiasta do chá, de corpo e alma. Sempre que um cliente pede chá, o humor dela melhora na hora — é quase engraçado de tão evidente.
Em contraste, quando ela trouxe meu almoço B, fez isso sem dizer uma palavra e com uma atitude bem mais casual. A diferença no tratamento era gritante, pra dizer o mínimo. Para referência, o almoço B inclui um curry especial de carne com um croquete. Naturalmente, o curry leva nosso molho demi-glace como ingrediente secreto.
"Então, aproveitem a refeição. Vou trazer o chá quando terminarem de comer."
Depois que minha mãe voltou ao trabalho, minha kouhai me lançou um olhar breve. Seu olhar deixava claro — ela queria começar a comer o quanto antes.
Assenti em silêncio, dando a ela o sinal verde. Ela sorriu feliz, juntou as mãos e disse:
"Itadakimasu,” antes de começar a comer.
Assim que deu a primeira garfada no omurice, ela não conseguiu conter um audível:
"Delicioso."
[Almeranto: Umai!]
A expressão de alegria em seu rosto era um contraste gritante com a garota que, não muito tempo atrás, parecia prestes a desistir da vida.
Naquele momento, ela parecia quase uma deusa. Senti uma pequena gratidão pelo destino que nos uniu.
Continuamos aproveitando nosso almoço em um clima agradável e tranquilo.
O tonjiru é realmente incrível. A combinação de culinária ocidental com uma sopa de missô — uma fusão de duas culturas — é surpreendentemente popular. Entre nossas sopas, é uma competição acirrada entre a sopa de cebola gratinada e o tonjiru pelo primeiro lugar.
Meu pai adicionou o tonjiru à rotação diária das sopas, esperando que servisse como uma pequena recompensa para alegrar as segundas-feiras cinzentas. É uma sopa encorpada, cheia de carne de porco, raízes e batatas — reconfortante e nutritiva.
"Omurice, hambúrguer com molho e espaguete napolitano — tudo está uma delícia. Mas esse tonjiru... é tão reconfortante. Isso que chamam de ‘sabor de lar’, né?"
Ela parecia completamente satisfeita, o que me deixou um pouco orgulhoso.
"Essa receita era o orgulho do meu falecido pai. Ele cozinhava bem devagar os legumes e a cebola, depois preparava tudo numa panela enorme, cheia de ingredientes. Mesmo usando missô com baixo teor de sódio, o sabor continuava rico e satisfatório."
Não consegui evitar falar com certo orgulho.
Diferente de mim, meu pai era alguém admirado por todos. Participava com frequência de eventos voluntários locais, servindo refeições como esse tonjiru para pessoas em situação de rua, idosos que moravam sozinhos e crianças que não tinham o que comer. Ele também ajudava em áreas afetadas por desastres, como terremotos e enchentes. Era um homem gentil.
Na comunidade, as pessoas o chamavam carinhosamente de "O Herói Anônimo".
[Almeranto: É o famoso “Amigo da Vizinhança.”]
Ele realmente foi um pai para se orgulhar.
Mas quando eu estava no segundo ano do ensino fundamental, ele faleceu subitamente, aos quarenta e poucos anos, de ataque cardíaco. Caiu no chão assim, do nada, enquanto cozinhava tonjiru para um evento beneficente. Foi algo muito característico dele — de um jeito triste, mas bonito.
O funeral teve uma grande presença. Vereadores e até o prefeito, que compartilhava da visão do meu pai, vieram prestar homenagens. Clientes frequentes, voluntários e até pessoas que comeram seu tonjiru em eventos de caridade compareceram. Foi doloroso, mas, de certa forma, nossa família se sentiu orgulhosa. Sabíamos que ele viveu de acordo com seus ideais e foi amado até o fim.
Até hoje, minha mãe e meu irmão continuam com o trabalho voluntário dele uma vez por mês. Eles estão até cogitando participar de um programa de refeitório comunitário infantil local.
"Entendo... Me desculpa. Fui insensível?" — perguntou Ichijou-san, com um tom de arrependimento.
"Não, de forma alguma. Na verdade, fico feliz. Sinto como se você estivesse elogiando meu pai."
Ao ouvir isso, a voz dela pareceu ficar mais leve.
"Que alívio. Ele devia ser uma pessoa muito bondosa. Dá pra sentir só por esse tonjiru — dá pra notar o carinho e o tempo que foram colocados na receita. E, Senpai... você também é assim."
Tive a sensação de que Ichijou-san era boa na cozinha. Foi um pensamento instintivo. Sem o hábito de cozinhar com frequência, seria difícil perceber as sutilezas de uma sopa como aquela. Os ingredientes podem ser simples, mas a preparação cuidadosa realça todo o sabor.
"Fico feliz que tenha gostado."
"Sim! Estou muito grata por ter provado uma sopa tão quente e gentil. É assim que me sinto."
Pela primeira vez, senti um alívio ao olhar para ela. Parecia que o desespero dentro dela havia se suavizado, mesmo que só um pouco, graças à receita do meu pai.
"A propósito, a sopa é à vontade."
Assim que eu disse isso, lágrimas começaram a escorrer silenciosamente dos olhos dela. Eu apenas a observei em silêncio.
"Senpai... você acha que... está tudo bem eu continuar vivendo? Tenho lutado com essa pergunta há tanto tempo. Mesmo hoje, quando fui até o terraço... pensei nisso várias vezes, me preparei, tomei minha decisão. Mas então eu conheci você. Você se arriscou para me salvar, e agora estou aqui, comendo uma comida tão gostosa. E agora... minha determinação está começando a vacilar."
As palavras dela eram pesadas. Eu não sabia nada sobre ela, e não tinha certeza se tinha o direito de responder. Ainda assim, como alguém que também já considerou o mesmo caminho, havia apenas uma resposta que eu poderia dar. Porque o fato de ela estar ali hoje também me salvou.
"Eu não sei o que aconteceu com você, Ichijou-san, e talvez minha resposta seja irresponsável."
"Você tem razão. Perguntar algo assim do nada deve ser complicado..."
"Mas... eu quero que você viva. Porque... o fato de você estar aqui... me salvou."
Ela não disse nada. Apenas chorou, sem conseguir conter as lágrimas. Parecia que ela estava segurando aquilo há tanto tempo que, uma vez que começou, não conseguiu mais parar.
"Mamãe... Mamãe..."
Chamando pela mãe, ela continuou a chorar. Ao vê-la assim, senti que finalmente estava vendo o verdadeiro lado de Ichijou Ai — a garota por trás da fachada.
※
Minha mãe nos trouxe o chá depois da refeição. Era um chá aromatizado chamado Rose and Strawberry.
Com infusão de rosé e pedaços de morango seco, o chá tinha um aroma frutado que combinava a elegância do vinho com a doçura dos morangos. Era um dos favoritos da mamãe e reservado para convidados especiais.
Ichijou-san, agora calma e serena como se um peso tivesse sido retirado, havia recuperado seu sorriso radiante.
"Obrigada pela refeição. O almoço estava delicioso."
"Fico muito feliz em ouvir isso. Esse chá é uma das minhas recomendações favoritas. Ele tem sabor de vinho, mas o álcool foi totalmente removido, então até uma menor de idade como você, Ai-chan, pode aproveitar. Ele é ótimo puro, mas um toque de açúcar o deixa ainda melhor."
Só para constar, minha mãe tem bastante afinidade com a cultura britânica. Também gosta de uísque escocês e gim. Nos dias frios, até prepara coquetéis quentes com uma colherzinha de conhaque ou vinho no chá.
Claro, ela nunca me deixaria experimentar, mas o chá com conhaque que ela faz não tem aquele cheiro ruim de álcool — na verdade, só realça o aroma do chá. Só de sentir o cheiro já me sinto bem.
Quando demonstrei inveja dos chás especiais dela, ela procurou um semelhante especialmente pra mim. Foi assim que o chá Rose and Strawberry entrou para a coleção dela.
"Está delicioso! O aroma é tão marcante, e você tem razão — adicionar um pouco de açúcar deixa ainda melhor."
"Não é? A propósito, Ai-chan, que tipo de chá você gosta? Eu, se for chá puro, diria que o Darjeeling é meu favorito."
"Eu também adoro Darjeeling. Ultimamente, tenho gostado bastante de chás pretos japoneses. E, se for aromatizado, curto misturas de damasco ou frutas tropicais."
"Oh, meu Deus! Você tem um gosto excelente. Eu preciso te levar à minha casa de chá favorita. Tem um café ao lado onde dá pra provar os chás enquanto come scones ou biscoitinhos."
"Sério que existe um lugar assim? Eu adoraria ir com você!"
Ichijou-san já estava completamente à vontade com minha mãe.
"Estou tão feliz! Sempre quis ter uma filha. Ai-chan, não seja só amiga do Eiji — seja minha amiga também, tá bom?"
"Sim, com certeza!"
Vendo as duas tão animadas com os interesses em comum, só consegui dar um sorriso meio sem jeito.
※
"Bom, então, eu vou indo."
Depois de passar cerca de trinta minutos curtindo o chá, Ichijou-san se levantou para sair, já que sua hora de descanso estava acabando.
"Vou te acompanhar até a estação."
"Não precisa. Se eu me divertir demais, só vai me deixar mais triste depois."
Ela deu um sorriso brincalhão. Mas, mesmo querendo disfarçar, suas palavras tinham um tom de sinceridade.
"Entendo. Então... se cuida."
Não consegui evitar ficar um pouco apreensivo por deixá-la ir sozinha, especialmente considerando como ela estava mais cedo.
"Está tudo bem. Agora que conheço você, Senpai, já tenho um motivo pra continuar aqui."
As palavras dela me tranquilizaram, e ambos optamos por não dizer mais nada. Era um entendimento silencioso entre nós.
O pior… parecia ter passado. Ou pelo menos era essa a sensação.
"Ei, Senpai?"
"Sim?"
"Já somos... ‘amigos’, né?"
"Claro. De certo modo, viramos melhores amigos em um único dia."
"Fufu, isso me deixa tão feliz. Vou contar com você a partir de agora, Senpai!"
Ela sorriu brilhantemente antes de se despedir com educação da mãe e do meu irmão.
E então, saiu para o mundo lá fora.
Perspectiva da Ichijou Ai
Eu saí da Kitchen Aono
Aquelas duas horas talvez tenham sido as mais divertidas da minha vida. Enquanto eu caminhava em direção ao carro que esperava para me buscar, pensei no rosto do meu primeiro amigo de verdade.
“Por enquanto, tudo bem sermos apenas amigos, certo?”
Sussurrei essa pergunta suavemente, sabendo que o Senpai não poderia me ouvir.
“Vim buscá-la, minha senhorita,” disse Kuroi, o motorista, com uma expressão levemente preocupada ao me encarar.
“Obrigada.”
Era hora de voltar para a minha gaiola mais uma vez.
※※※※
Depois que Ichijou-san foi embora, voltei para o meu quarto.
O que eu devo fazer amanhã? É óbvio que eu deveria ir para a escola. Mas estou apavorado.
O medo que eu tinha conseguido esquecer mais cedo — graças a ela — agora me dominava de novo, enquanto eu estava sentado sozinho no meu quarto, tomado pela solidão e pela ansiedade.
“Droga... não consigo parar de tremer.”
Até mesmo andar pelos corredores já me rende insultos de alunos que eu nem conheço. Meu armário de sapatos vive cheio de lixo.
E mesmo que eu aguente os xingamentos e consiga chegar até a sala de aula, sou recebido com olhares frios e sussurros como “Por que ele ainda vem pra escola?” ou “Bem que ele podia entender a dica e desistir logo.” O silêncio e a rejeição me esmagam até parecer que estou sendo sufocado.
Às vezes, até deixam uma flor sobre a minha mesa, como forma de zombaria. Outras vezes, sou forçado a me sentar em uma carteira pichada durante a aula.
[Almeranto: Na cultura japonesa (e em muitas outras), deixar flores costuma ser um gesto simbólico — mas pode mudar de sentido conforme o contexto. Neste caso, trata-se de bullying psicológico, e a flor provavelmente representa: Sarcasmo cruel, como se dissessem: “Você vai morrer?” ou “Descanse em paz”, já que flores são deixadas em altares ou túmulos no Japão. | Del: Basicamente estão dizendo: “Você deveria estar morto.”]
A enxurrada de pensamentos negativos me faz suspirar sem parar. Uma prova de proficiência está chegando, mas eu simplesmente não consigo estudar. Tenho vontade de chorar. Só de saber que ao menos uma kouhai se tornou minha aliada já aquece meu coração imensamente.
Mas, não importa o que eu faça, o medo não vai embora.
Eu estou... tão cansado.
Ouvi uma vez que, quando o estado mental de alguém está prestes a quebrar, a pessoa se torna apática, incapaz de reunir energia, e por mais que durma, nunca é o suficiente. Talvez seja isso que esteja acontecendo comigo.
Eu não tinha percebido o quanto a presença da Ichijou-san tinha me salvado. Naqueles breves momentos em que conversamos, consegui esquecer a dor.
Então, meu celular vibrou de novo. Provavelmente era mais uma conta falsa me mandando mensagens de ódio. Estou cansado demais até para bloquear. Acho que deveria simplesmente deletar minha conta de vez. Com esse pensamento, abri o celular com hesitação.
Mas, em vez de desespero, encontrei um fio de esperança.
“Ei, Eiji. Você está bem? Meu celular quebrou durante a viagem, desculpa mesmo.”
A mensagem estava escrita de forma direta e simples, só palavras e símbolos comuns. Era de alguém que eu conhecia há tanto tempo quanto a Miyuki — meu amigo de infância e melhor amigo homem.
Imai Satoshi.
Satoshi e eu éramos próximos desde o fundamental, embora agora estivéssemos em classes separadas porque ele está na área de ciências. Apesar disso, nosso vínculo sempre permaneceu forte.
“De algum jeito,” respondi com esforço.
“Que bom. Podemos nos encontrar depois do clube? Mesmo restaurante de sempre?”
As mensagens dele eram sempre concisas, diretas ao ponto.
Mas suas palavras soavam familiares, inalteradas desde antes de tudo aquilo acontecer. Carregavam o mesmo tom de antes de eu me envolver naquele incidente.
“Beleza.”
Eu estava com tanto medo. Depois de ser traído pela Miyuki, fiquei apavorado que o Satoshi também pudesse me trair. Se isso acontecesse, eu não teria mais nada. Colegas antigos que antes eram próximos, até mesmo membros do clube, todos viraram as costas para mim sem hesitar.
Satoshi podia fazer o mesmo. Podia me trair também.
Mas ele não fez. Ele me tratou do mesmo jeito de sempre. E só essa gentileza simples, inalterada, já foi o suficiente para me fazer chorar.
※※※※
“Ei, Eiji! Aqui!”
Cheguei ao nosso restaurante familiar barato de sempre. Era para ser hora do clube, mas o Satoshi provavelmente faltou para me encontrar. Apesar de seu porte robusto, ele tinha uma aparência intelectual que combinava com seus óculos.
Satoshi era o ás do clube de arco e flecha e também o capitão do clube de shogi, onde o Takayanagi-sensei era o orientador. Ele estava consistentemente entre os dez melhores do nosso ano, se destacando tanto nos estudos quanto nos esportes. Era um daqueles caras “perfeitos”, aparentemente sem nenhum defeito.
Normalmente, ele já teria pedido batatas fritas, morrendo de fome como sempre, mas hoje ele só tinha pedido uma bebida.
“Você chegou rápido.”
“Claro. Um amigo com problemas vem antes de qualquer atividade de clube.”
Pelo tom dele, parecia que Satoshi já tinha alguma noção do que estava acontecendo.
Mesmo assim, eu não conseguia afastar o medo de que aquelas palavras pudessem se transformar em rejeição. Uma parte de mim estava apavorada.
Assim que me sentei, Satoshi fez uma reverência profunda.
“Me desculpa mesmo, Eiji!! Eu nem percebi que você estava em apuros. Que tipo de amigo sou eu? Por favor, me perdoa!”
Era raro ver o Satoshi, normalmente calmo e equilibrado, tão emocionado.
“O quê—”
“Eu não uso muito redes sociais, então não percebi que estavam circulando todos esses rumores horríveis sobre você. Como estamos em classes diferentes desde o segundo ano, e com as viagens do clube coincidindo, eu não fazia ideia do que você estava passando. Só descobri hoje depois da aula. Você sempre esteve lá para mim, mas eu não estive quando você mais precisou. Sinto muito, de verdade!”
Nunca tinha visto o Satoshi daquele jeito.
Por quê? Por que ele está—
“Satoshi… você acredita em mim?”
“Claro. Depois do treino de hoje, um kouhai me mostrou uma das postagens sobre você. Na hora, eu soube que era falsa. Não tem como você fazer algo assim. E com a Miyuki, logo ela? Impossível. Isso só pode ser algum engano.”
“…”
Enquanto ele falava, eu sentia minhas emoções se embaralhando cada vez mais.
“Perguntei para um colega de clube da sua classe, e ele disse que você saiu cedo hoje, antes da assembleia escolar. Depois fui direto falar com o Takayanagi-sensei. Eu estava pronto para socar ele se ele estivesse planejando te abandonar ou encobrir tudo.”
A ideia de o Satoshi ser suspenso ou até expulso por minha causa me deu um arrepio.
Quando esses tipos de problema surgem, as escolas muitas vezes preferem varrer tudo para debaixo do tapete. Eu já tinha ouvido isso incontáveis vezes. Eu quase tinha desistido, achando que adultos não eram confiáveis. Afinal, isso era o padrão.
“O que o professor disse?”
A expressão do Satoshi mudou da raiva para um olhar mais sombrio. Ele hesitou por um momento antes de continuar.
“O Takayanagi-sensei estava, surpreendentemente, preocupado com você. Parece que ele só soube da situação hoje de manhã. Depois da aula, ele começou a entrevistar os alunos para reunir informações, mas pelo visto ainda não conseguiu avançar muito.”
“…”
Assenti levemente.
“Quando o encontrei, ele estava mais sério do que jamais o vi. Disse: ‘Por favor, se souber de qualquer coisa sobre o que está acontecendo com o Aono, me diga. Eu preciso ajudá-lo.’ Ele sabia que somos amigos desde o ensino fundamental, então contei para ele sobre as postagens que meu kouhai me mostrou. Desculpa por não ter te consultado antes.”
O Satoshi provavelmente estava tentando preservar o meu orgulho.
Balancei a cabeça lentamente, sinalizando que estava tudo bem.
“E então ele disse o seguinte: ‘Se puder, por favor diga isso ao Aono. Eu sei que é assustador, mas confie em nós, adultos. Eu assumirei total responsabilidade e farei com que isso seja resolvido. Por favor, mesmo que seja só um pouco—confie em mim.’”
Ao ouvir essas palavras, senti o gelo que envolvia meu coração começar a derreter. Diante do meu melhor amigo, minhas emoções transbordaram. Eu não consegui impedir as lágrimas de caírem.
Perspectiva da Miyuki
Eu fui até a Kitchen Aono para me desculpar adequadamente com o Eiji. Tinha até saído mais cedo da escola para isso. Mas agora, parada em frente à entrada, eu estava com medo. Antes, eu entrava aqui sem pensar duas vezes, mas agora parecia haver uma parede invisível me bloqueando.
Enquanto eu hesitava, sem saber o que fazer, vi alguém saindo de dentro. Entrando em pânico, me escondi rapidamente.
Era uma garota usando o mesmo uniforme escolar que eu. Aquela ladra!
Ou pelo menos foi o que pensei, até olhar mais de perto e perceber quem era.
“Ichijou… Ai?”
Por que a idol da escola está aqui?
Ela vinha de uma família prestigiada, era o exemplo de perfeição. Entrou na escola com uma pontuação quase perfeita — a maior da história. E era conhecida por rejeitar todas as declarações que já recebeu, famosa por sua aversão a garotos.
Eu não queria acreditar, mas eu sabia. Sabia porque já tinha sido consumida pelos mesmos sentimentos antes.
Ela tinha o rosto de uma garota apaixonada.
E eu não precisava adivinhar em quem ela estava pensando. Só podia ser o Eiji — a pessoa que eu, tola, acreditei que só eu poderia entender.
Por quê? Por que, logo ela, Ichijou Ai?
Eu nunca poderia vencer. Ela estava em um nível completamente diferente do meu. Se eu não agisse logo, o Eiji seria tirado de mim. Movida por esse pensamento, tentei me aproximar.
Mas então a porta se abriu novamente. Dessa vez, quem saiu foi a mãe do Eiji.
“Ora, ora, Miyuki-chan. O que está fazendo escondida aí?”
Ela sorriu para mim, com o mesmo tom alegre de sempre. Mas seus olhos… não estavam sorrindo.
Naquele momento, entendi exatamente o que ela sentia por mim: pura raiva e decepção.
Mas por quê? O Eiji contou tudo para ela?
“Olá, tia.”
Me forcei a cumprimentá-la como sempre, embora minha voz estivesse trêmula. Meu sorriso parecia rígido e artificial. Rezei para que tudo fosse apenas coisa da minha cabeça.
“Olá. Então, o que te traz aqui?”
A habitual gentileza em sua voz havia desaparecido, substituída por um olhar frio e penetrante. Isso me fez estremecer.
Normalmente, ela me receberia com um sorriso e diria: “Ah, o Eiji? Vou chamá-lo para você.”
“Hum… O Eiji está?”
“Ele está lá dentro. O que você quer com ele?”
A resposta veio imediatamente, com um tom gelado.
“Bem, eu…”
A frieza em sua resposta me fez hesitar.
“Me desculpe. Eu sei que, como mãe, não deveria me intrometer no relacionamento de vocês.”
Suas palavras foram formais, distantes, e me atingiram com uma sensação de rejeição tão forte que quase me fizeram chorar.
“O que quer dizer com isso?” consegui perguntar, quase sem voz.
“Por que não pergunta a si mesma? Na verdade, eu percebi que você estava traindo o Eiji antes mesmo dele descobrir.”
Suas palavras afiadas fizeram um calafrio percorrer todo o meu corpo. Traindo? Antes mesmo de o Eiji saber?
Como? Por quê?
“…”
Senti o sangue sumir do meu rosto.
“Eu vi você, durante uma pausa para o chá num evento no distrito comercial. Você estava de mãos dadas com um garoto que não era o Eiji.”
“…”
Um grito silencioso ecoou na minha cabeça. Não, não, não. A tia sempre tinha sido tão gentil comigo, sempre se importou comigo até mais do que o próprio Eiji. E, mesmo assim…
“Claro, a menos que estejam casados, relacionamentos não são regidos por lei. Vocês são estudantes do ensino médio. É natural se machucar às vezes, se afastar. Eu achei que o Eiji só não tinha coragem de dizer nada e que vocês dois haviam concordado em terminar.”
Suando, eu me esforçava para encontrar palavras, mas nada saía. Qualquer desculpa que eu tentava formar travava na garganta.
“Percebi que estava errada no aniversário do Eiji. No dia anterior, ele me disse que ia sair com você. Mas ele voltou para casa com uma expressão devastada e se trancou no quarto. Foi aí que eu soube — você o traiu.”
Eu sabia que era inútil. Nenhuma desculpa funcionaria contra a tia, alguém com muito mais experiência de vida do que eu. Minha mente gritava silenciosamente enquanto eu abria a boca, mas só palavras sem som saíam.
“Não, não foi bem…”
“Talvez você até tenha o seu lado da história,” ela me interrompeu, com um tom afiado e firme. “Mas eu não tenho obrigação nem razão para ouvi-la. Eu não quero te odiar mais do que já odeio, então me poupe das desculpas, pode ser?”
Era como se alguém estivesse apertando lentamente um laço em volta do meu pescoço. Eu conseguia sentir que estava sendo encurralada.
“Me desculpa…”
Foi tudo o que consegui dizer enquanto abaixava o olhar, tentando conter as lágrimas.
“Não quero ouvir desculpas assim. Nos conhecemos há mais de dez anos, então vou te dar um último conselho. O amor é livre, sim. Mas ninguém tem o direito de brincar ou pisar nos sentimentos genuínos de alguém. Pode não ser um crime, mas eu acho que é um pecado ainda maior. De agora em diante, certifique-se de fazer a coisa certa.”
“...Posso ver o Eiji?” perguntei, com a voz trêmula, mas um pouco desafiadora.
“Não,” ela respondeu friamente. “Que tipo de mãe perdoaria uma garota que traiu os sentimentos do filho? Eu não sou esse tipo de tola. No fim, cabe ao Eiji decidir, mas da minha parte, nunca mais quero ver você. Você não é digna do meu filho.”
A rejeição dela me destruiu por completo. Em muitos aspectos, a tia tinha sido como uma mãe de verdade para mim. O falecido marido dela também, como um pai. Até o irmão do Eiji… Todos me tratavam como família.
E agora, alguém que eu considerava como família tinha me dito para nunca mais voltar. As palavras dela acionaram algo dentro de mim, algo que se quebrou de forma irreparável.
Como uma boneca quebrada, eu desmoronei no chão.
“Não… não…” soluçava descontroladamente, como uma criança indefesa.
A tia deu o golpe final sem hesitação.
“Desculpe, mas você está chorando bem na frente do restaurante. Isso é ruim para os negócios. Por favor, saia.”
[Almeranto: Mo-mo-mo-monster Kill! | Del: Essa mãe é selvagem.]
Ela puxou a cortina que sinalizava o fim do horário de almoço, lançou um último olhar para mim e disse:
“Adeus, Miyuki-chan.”
Não foi um “Até logo”, como ela sempre dizia.
Eu não consegui me mover por um tempo. As lágrimas não paravam. Meus joelhos, arranhados pelo asfalto, estavam vermelhos vivos. Provavelmente estavam ardendo, mas eu não sentia dor.
Porque meu coração já estava morto.
※
De algum modo, me arrastei para longe da Kitchen Aono e fui para casa, me sentindo como se estivesse fugindo.
Essa noite, minha mãe estaria no plantão noturno. Eu não queria vê-la, mas sabia que ela estaria em casa.
“Voltei.”
Dei um cumprimento curto, e minha mãe, assistindo a um programa de entrevistas, se virou para mim com seu sorriso caloroso de sempre.
“Ah, bem-vinda de volta! Chegou cedo hoje.”
As palavras dela pareciam raspar contra meu coração já despedaçado.
“É… O Eiji não estava se sentindo bem, então fui visitá-lo.”
A culpa de mentir para ela só fez eu me odiar ainda mais.
“Puxa, ainda tão grudadinhos! Que bom. Você sempre dizia, desde pequena, que se casaria com o Eiji um dia. Fico feliz que esteja aproveitando sua juventude.”
A observação casual dela me cortou como uma faca. Trouxe de volta memórias de um tempo ao qual eu nunca poderia retornar, intensificando ainda mais a minha dor.
“É… Não me lembra dessas coisas constrangedoras.”
Normalmente, as provocações da minha mãe me deixariam envergonhada, mas feliz. Agora, suas palavras despreocupadas só aprofundaram a ferida.
Eu sabia desde criança. Sempre soube, e mesmo assim—
No ano passado, quando o Eiji se declarou para mim, senti que estava no topo do mundo. Achei que estaríamos sempre juntos. Que estudaríamos muito para o vestibular, entraríamos na mesma universidade e passaríamos o tempo juntos. Já na faculdade, relaxaríamos um pouco, viajaríamos, comemoraríamos aniversários e Natais com pequenos luxos significativos.
Mesmo depois de nos tornarmos adultos trabalhando, talvez brigássemos de vez em quando, mas nos acostumaríamos com nossos empregos, nos casaríamos, construiríamos um lar feliz e envelheceríamos juntos. Era um sonho infantil, mas precioso, que eu sempre guardei.
“Desculpa. Preciso estudar para a prova de proficiência, então vou para o meu quarto.”
“Ah, tudo bem. Eu vou sair daqui a pouco mesmo. Tem curry na geladeira — é só esquentar pro jantar.”
“Tá, obrigada! Boa sorte no trabalho.”
Mal consegui dizer isso antes de me refugiar no quarto.
Não era só o Eiji e a tia que eu havia traído. Eu tinha traído a minha mãe também. Pela primeira vez, o peso de tudo o que eu fiz caiu sobre mim de uma vez. O futuro feliz que eu sonhava… nunca iria acontecer.
Tranquei a porta e desabei sobre a cama.
A dor e o desprezo por mim mesma me dominaram enquanto eu cerrava os punhos com força. Minhas unhas cravaram-se nas palmas das mãos, e gotas de sangue mancharam meu cobertor rosa.
Uma voz dentro de mim — outra versão de mim mesma, cheia de desprezo — começou a falar:
“Você é a pior. Como pôde continuar traindo as pessoas que mais se importam com você!?”
Era uma acusação justa. Eu odiava aquele minúsculo fragmento de bondade e razão dentro de mim que repetia aquelas palavras.
Era verdade. Não dava mais para negar. Eu não tinha mais desculpas.
Mas eu também estava sofrendo. Isso não conta para nada? Isso não torna tudo inevitável?
A dor ardente dos meus joelhos ralados finalmente se fez presente. Minha mente, mergulhada em desespero, afundava cada vez mais na escuridão. Eu sentia que estava prestes a seguir um caminho terrível — e não conseguia impedir.
Eu não podia me deixar afundar assim. A frágil razão dentro de mim lutava desesperadamente para me puxar de volta. Mas a represa que mantinha meu coração inteiro já tinha se rompido — quebrada no momento em que o Kondo-senpai me encurralou.
Agora, não havia como parar a escuridão. Eu não conseguia mais impedir minha própria queda.
“Qual o sentido de me importar com o Eiji agora? Já é tarde demais.”
“De que adianta fingir inocência se eu já o traí?”
“Você acha que é a vítima? É o Eiji quem está mais machucado.”
“E não vamos esquecer — você traiu ele e ainda ajudou a isolá-lo, participando de uma conspiração. Como alguém poderia perdoar isso?”
A voz dentro de mim lançava palavras cruéis, rasgando o pouco que restava do meu coração frágil. Eu estava no limite. Já não conseguia lutar contra isso. Eu cedi. Me deixei levar pelo caminho mais fácil.
Nesse momento, tudo o que eu queria eram palavras gentis. Só um pouco de conforto. Então, com as mãos trêmulas, eu busquei ajuda—
—do Kondo-senpai.
“Senpai, quero te ver.”
Me agarrei à fuga mais fácil, pronunciando as palavras em voz alta como se tentasse me convencer disso.
“O que mais eu poderia fazer? Isso é tudo o que me resta! Alguém tão horrível quanto eu não tem outra escolha!”
Não me restava opção a não ser me agarrar à gentileza dele.
Eu iria me deixar tornar a pior versão de mim mesma. Esse era o único caminho que restava. No meio do meu desespero e autodestruição, eu já não tinha forças para resistir aos meus próprios desejos.
Peguei a foto do Eiji e de mim da cerimônia de entrada, tirando-a da gaveta da escrivaninha.
Apertei-a contra o peito com força e chorei em silêncio.
Eu devia simplesmente rasgá-la em pedaços. Foi isso que pensei.
Mas por mais que eu quisesse, minhas mãos não se mexiam.
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