Volume 1

Capítulo 2: O Fatídico Dia no Telhado

4 de Setembro

Como de costume, meu armário de sapatos estava cheio de lixo. Caixas vazias de almoço da loja de conveniência e garrafas pela metade espalhadas, com insultos rabiscados em marcador vermelho. Meus sapatos de uso interno estavam, previsivelmente, jogados no lixo.

Eu os peguei, suportando os olhares estranhos dos outros enquanto seguia para a sala de aula. Talvez eu estivesse começando a me acostumar. Ou talvez meu coração simplesmente tivesse perdido a resistência. De qualquer forma, já não importava mais. Tudo o que eu podia fazer era esperar passar. Enquanto eu resistisse, isso deveria ser suficiente.

“Ei, não é aquele cara que bateu na Amada-san? O Aono?”

“Eca, que nojento.”

“Coitada da Amada-san. Ela tinha hematomas no braço, né? Homens que batem em meninas são os piores.”

“Ela é só muito gentil. Por isso o stalker entendeu errado.”

“Eu achava que ele era meu amigo, mas agora nem consigo falar com ele.”

“Aliás, o Kondo-senpai não é incrível? Ele enfrentou corajosamente aquele stalker abusivo e o derrubou. Ele é incrível.”

Toda vez que alguém via meu rosto, até alunos que eu nem conhecia cochichavam sobre mim. Uma dor surda latejava no meu peito.

Aparentemente, Kondo-senpai e seus colegas do time de futebol estavam ativamente espalhando boatos sobre mim.

Tentei implorar pela minha inocência no X (antigo Twitter) inúmeras vezes, mas ninguém ouviu.

“Criminosos sempre dizem isso.”

“Não fale mais comigo. Acabou.”

“Que nojo!”

Essas foram as respostas que recebi ontem no X.

Quando entrei na sala de aula, nem consegui cumprimentar. A maioria dos meus colegas já me bloqueou nas redes sociais. Achei que tivesse me preparado para entrar, mas a cena que me esperava superou tudo o que eu podia imaginar.

Minha carteira estava coberta de pichações: “Idiota”, “Morre”, “Criminoso”, “Não venha para a escola.”

Risadas ecoavam ao longe, mas o que mais doía não era a carteira.

Era o folheto do restaurante da minha família, Kitchen Aono, ampliado e preso ao quadro-negro. Escrito sobre ele, havia frases como: “Aqui mora o agressor,” “Vamos compartilhar isso com todos online,” e “Não esqueça de deixar um comentário!” Acima do folheto, uma ameaça escrita à mão: “Se não quiser que isso viralize, abandone a escola ou morra.”

Senti algo dentro de mim se quebrar. Se isso continuasse, não seria só eu — minha família também seria arrastada para isso. O restaurante amado do meu pai... seria destruído por minha causa.

Por quê? Por quê? POR QUÊ!?

Incapaz de suportar mais, fugi para o corredor. Mas até ali, o diabo me esperava.

Era o Kondo.

[Almeranto: Eu ponho ênfase no “o diabo”, esse Kondo é a encarnação dele.]

Ele estava ali, sorrindo de forma arrogante enquanto via a dor estampada no meu rosto. Ele devia ter vindo ver o resultado do seu plano, usando seus colegas do time de futebol para espalhar boatos e me isolar na escola.

“Como é que se sente, criminoso? Não é tão bom, né?”

O playboy arrogante zombou de mim.

“Por que... por que você espalharia mentiras assim?”

“Porque é divertido,” ele disse casualmente. “Ver você perder tudo depois que eu roubei sua garota — é o show perfeito. Garotos como você, que acham que merecem alguém como a Miyuki, merecem isso. Então, para de vez. Afinal, sou um psicopata. Eu adoro destruir a vida dos outros.”

[Almeranto: Sabe aquela vontade de você entrar na história e lombrar o cara na porrada? É isso que eu tô sentindo no momento. Esse Kondo é um maldito.]

Havia um leve cheiro de cigarro nele, mal disfarçado pelo chiclete que mastigava barulhentamente.

O som irritava meus nervos.

Caí de joelhos sem pensar. Gritos silenciosos sacudiam meu corpo enquanto eu me desmanchava no chão frio do corredor. A sensação dos azulejos gelados foi a última coisa que senti antes da minha consciência lentamente escurecer.

 

 

Oprimido pelo desespero, fiquei exausto no corredor e acabei faltando à assembleia da escola. Aparentemente, era uma cerimônia de premiação para homenagear o Satoshi e os outros pelo excelente desempenho no torneio do clube.

Ninguém pareceu se importar que eu não estava lá.

Com a desculpa de me sentir mal, fui para a enfermaria, onde a enfermeira da escola me permitiu descansar em uma das camas.

Claro que não consegui dormir. Humilhação, medo e desespero corriam pelo meu corpo. Tremia na cama branca e fria enquanto tentava desesperadamente me recompor.

“Avisarei seu professor responsável, só por precaução,” disse a enfermeira com gentileza.

“Obrigado,” respondi brevemente. O professor Takayanagi-sensei provavelmente estava ocupado com a assembleia, cuidando dos alunos homenageados. Tinha certeza de que ele não viria me ver.

Por que ninguém me ajuda?

Deve ser por causa da reputação e do excelente desempenho acadêmico da Miyuki. Como ex-vice-presidente da turma e aluna nota máxima, seu testemunho tinha peso demais.

Os professores certamente acreditariam nela em vez de mim. Não havia ninguém em que eu pudesse confiar — nem minha mãe, nem meu irmão.

Os dois estavam trabalhando sem descanso, até cobrindo pelo nosso falecido pai, para me manter na escola. E mesmo assim, essa situação poderia acabar manchando o restaurante da nossa família.

Talvez... talvez minha vida já não tenha mais valor.

No momento em que Miyuki, minha melhor amiga — e que já foi minha namorada — me traiu, tudo acabou. Como vou aguentar esse inferno por mais um ano e meio?

O telefone no meu bolso vibrou.

Era de uma conta que eu não reconhecia, apenas uma sequência aleatória de caracteres. Sem dúvida, uma conta descartável.

“Haja logo e abandone a escola, criminoso.”

“Faltar à assembleia para fazer papel de vítima? A Amada-san é quem mais sofre, seu covarde.”

“Se está tão dolorido, por que não morre logo? Vai se sentir melhor.”

Não havia um pingo de bondade naquelas palavras — só maldade. Maldade pura e sem filtro.

Eu não tinha mais nada.

O telefone vibrou de novo. Desta vez, era da Tachibana-senpai, presidente do Clube de Literatura.

Ela sempre usava um sorriso gentil, irradiando calor e compaixão.

Talvez... talvez ela... Eu alimentei a mais tênue esperança. Mas então me lembrei da realidade que presenciei ontem na sala do clube. Esperança só levaria a mais desespero.

“Sinto muito. Sei que deveria ter te falado pessoalmente, mas... por causa do que aconteceu com a Amada-san, os outros membros estão com medo. Me desculpe, mas gostaríamos que você parasse de frequentar o clube.”

Depois que marquei a mensagem como lida, não houve resposta.

Não, eu não fiz aquilo.

Tentei digitar uma resposta, mas ao enviar apareceu uma notificação:

“Você está bloqueado desta conta.”

A mensagem sem coração se repetia uma e outra vez enquanto eu tentava.

Lágrimas começaram a cair silenciosamente. Envolto no cobertor branco da enfermaria, eu tremia em soluços mudos, tomando cuidado para que a enfermeira não ouvisse. Até mesmo a senpai que sempre foi tão gentil não conseguiu acreditar em mim.

O que eu devo fazer?

Diante de uma pergunta sem resposta, só pude afundar ainda mais no desespero.

 

 

Eu não podia ficar muito tempo na enfermaria — isso poderia levantar suspeitas.

Se meus pais descobrissem, as coisas poderiam piorar. Então, disse à enfermeira que estava me sentindo um pouco melhor e que voltaria para a sala de aula antes do horário.

Ficar vagando pelo corredor só me faria ser pego por algum professor. Mesmo no meu estado atual, eu ainda conseguia pensar até esse ponto. Segui em direção às escadas. As aulas já haviam começado, e os corredores estavam vazios. Isso me trouxe um leve alívio enquanto subia os degraus.

Parei no patamar que levava à cobertura. Ali, eu não precisava me preocupar em ser visto.

Sentei-me no chão. Não havia nada a fazer além de esperar o fim do período de aula.

Eu precisava me acostumar com isso — a malícia dos outros. Se eu aguentasse o bastante, eventualmente, meu coração se tornaria insensível a tudo.

Sem motivo especial, estendi a mão para a maçaneta da porta da cobertura. Normalmente, ela estaria trancada por questões de segurança, mas girou facilmente.

Um pensamento sussurrou em minha mente: essa poderia ser a minha chance.

Se eu pulasse da cobertura, poderia acabar com tudo. Seria fácil. O próprio grafite no quadro-negro mais cedo já havia sugerido isso. Se eu o fizesse, não traria mais problemas para minha família ou para o restaurante.

[Almeranto: Caro leitor(a), falar sobre esse tema — suicídio, no caso — é um tema bem sensível, dependendo da pessoa, mas cometer tal ato como solução de problemas pessoais é a pior hipótese possível para se pensar. Caso você esteja passando por momentos difíceis ou conheça alguém que passa por isso, não deixe de pedir ajuda a profissionais, como terapeutas, à  família ou até a outros adultos, como professores mesmo. Suicídio é coisa séria e não se deve ser cometido para dar fim aos seus problemas.]

Abri a porta e encontrei um céu nublado se estendendo acima. O ar ainda carregava vestígios do verão.

Percebi que eu não estava sozinho.

O leve balançar de cabelos belos chamou minha atenção. Ela se virou surpresa com o som da porta se abrindo, sua expressão desconfiada ao cruzar o olhar comigo.

“Quem é você?”

Uma garota de traços marcantes me olhou com cautela.

Fazia sentido. Um estudante do sexo masculino surgindo de repente na cobertura, especialmente durante o horário da turma logo após a cerimônia escolar, era motivo de suspeita.

Seus cabelos balançavam como seda, sua pele permanecia fria e impecável, mesmo com o calor do verão. Havia nela um ar ligeiramente misterioso. A fita vermelha em seu uniforme indicava que era uma aluna do primeiro ano, mas ela exalava uma serenidade muito além de sua idade.

Embora eu nunca tivesse falado diretamente com ela, sabia quem era.

Seu nome era Ichijou Ai.

Ela foi a aluna com a maior nota no exame de admissão do ano passado. Com sua beleza digna de modelo e seu comportamento gentil, havia se tornado a ídola da escola em apenas um mês desde sua matrícula.

Ela era o completo oposto de alguém como eu. Na verdade, era a última pessoa que eu queria encontrar aqui.

“Sou Aono. Do segundo ano. Estava andando por aí e acabei aqui,” disse, dando uma desculpa fraca. Por que eu estava dizendo algo tão estranho, especialmente depois de ter considerado pular do telhado?

“Aono-senpai?”

Sua voz doce me pegou de surpresa. Ela era do tipo estudiosa e elegante, mas sua voz tinha uma doçura inesperada. Lembrei-me de como os garotos da sua turma eram encantados por ela, chegando a segui-la como fãs. Eu não prestava muita atenção nela na época, ocupado demais com a empolgação de namorar Miyuki.

Por um momento, sua expressão se fechou. Com certeza já tinha ouvido os boatos sobre mim. Bem, isso era inevitável.

Soltei uma risada resignada.

“Por que logo agora?” Ela murmurou suavemente, sua voz carregada de algo diferente de hostilidade.

Diferente dos meus colegas de classe, não havia malícia em seu tom.

Isso me deu um pequeno alívio.

“Desculpa. Você deve ter ouvido os boatos, né? Me deixa ficar aqui. Só quero me esconder até a hora do almoço, comer minha refeição sozinho e em paz.”

Minha mãe tinha preparado onigiris para mim. Eu tinha pegado minha bolsa quando fugi da sala mais cedo, então podia aguentar aqui até o almoço. Sozinho, poderia decidir se queria viver ou morrer.

Se ela sabia ou não o que se passava na minha cabeça, sua reação foi inesperada.

“Não. Esse é o meu lugar. Não vou ceder. Se alguém tem que ir embora, esse alguém é você.”

Sua franqueza me pegou desprevenido, e por um instante me vi levemente impressionado com sua sinceridade.

“Tem certeza? Você sabe o que andam dizendo sobre mim, não sabe?”

Ouvir aquelas palavras saindo da minha própria boca fez meu coração doer. Eu mesmo ainda não havia aceitado aquilo – o rótulo de agressor de namorada. Claro que ela não iria querer ficar sozinha com alguém como eu. E mesmo assim, tentei usar isso como uma ameaça.

“Você sabe dos boatos?”

“Sei.”

“Então apenas—”

“Não, eu não vou.”

Ela era bem teimosa, essa idol da escola.

“Huh?”

Sem querer, levantei a voz, surpreso com sua postura firme.

“Eu sei dos boatos. Mas são só isso – boatos. Parece alguma fofoca estranha que se espalhou por causa de um relacionamento bagunçado. Eu mesma não vi nada. Sinceramente, o amor às vezes é como uma doença. Por que alguém confiaria em alegações de uma só parte ou em boatos vagos assim? Isso é perigoso demais. Todo mundo está exagerando. Atacar alguém sem saber a verdade é a pior coisa que se pode fazer.”

Sua resposta afiada foi muito mais forte do que eu esperava. Suas palavras perfuraram meu coração. Eram exatamente as palavras que eu queria ter ouvido dos meus colegas de classe ou dos membros do clube. Mas, em vez disso, vieram de uma garota do primeiro ano com quem eu nunca tinha falado antes.

A surpresa e o alívio remendaram meu coração despedaçado, ainda que só um pouco.

“Então... você acredita em mim?”

“Não se trata de acreditar ou não acreditar,” ela respondeu. “É óbvio pela situação que esses boatos vieram da sua namorada. Por que alguém deveria machucar você com base em informações tendenciosas e de uma só parte? Fofoca nascida de um romance bagunçado é o tipo menos confiável de informação.”

Seu raciocínio era lógico – talvez até demais – mas era exatamente o que eu precisava ouvir.

“Obrigado,” disse.

Ela franziu levemente a testa, me lançando um olhar confuso.

“Por que está me agradecendo?”

“Se você não entende, tudo bem.”

Lutei para conter as lágrimas enquanto olhava para essa caloura lógica e, ao mesmo tempo, compassiva.

Uma gota de chuva caiu, logo seguida por uma súbita tempestade.

“Isso é ruim. Vamos voltar para dentro antes de pegarmos um resfriado.”

“Me deixa em paz.”

Sua recusa me pegou de surpresa.

“O quê? Mas—”

“Você não entende? Sabe por que estou aqui sozinha?”

Sua voz, agora tingida de raiva, não se parecia em nada com o tom calmo de antes.

“Por quê?”

“Não se preocupe com eu pegar um resfriado. Amanhã eu não vou ter que lidar com isso.”

Suas emoções explodiram como uma tempestade, carregando-a rapidamente em direção à borda do telhado.

“Calma!”

“Me deixa em paz! Eu quero morrer!”

Ela se virou para a cerca, seus passos lentos, mas decididos. Em pânico, agarrei seu braço e gritei:

“Para!”

Momentos atrás, eu mesmo pensava em acabar com a minha vida. Agora, eu estava impedindo outra pessoa de fazer o mesmo. A ironia era esmagadora.

“Isso não tem nada a ver com você! Me solta!”

Ela se debateu contra meu aperto, empurrando com mais força do que eu esperava. Segurei firme, desesperado.

“Já chega!”

A chuva caía forte, nos encharcando por completo, mas nenhum de nós ligava. Ela usou a outra mão para tentar soltar meu braço e, na confusão, nós dois perdemos o equilíbrio e caímos.

Bati as costas com força contra a cerca, segurando-a nos braços para protegê-la. Doeu pra caramba, mas pelo menos paramos.

“Ugh.”

Um gemido abafado escapou de mim, mas ela parecia ilesa.

“Por que... por que você tentou me salvar? E se a cerca estivesse fraca? Você poderia ter morrido também.”

Em meio à confusão na minha cabeça, as palavras simplesmente escaparam:

“Cala a boca! Você não precisa de um motivo pra salvar alguém!”

“O quê?”

Sua linda voz carregava uma nota de surpresa enquanto ela me encarava.

“Se você vai morrer, pelo menos passe o resto do dia comigo! Vamos matar aula juntos!”

“O quê?! Matar aula? Você tem noção do que tá acontecendo agora?”

Em meio a esse momento de vida ou morte, a única coisa que consegui oferecer foi a sugestão ridícula de cabular a escola. Nem eu conseguia acreditar em mim mesmo. Nossos uniformes estavam encharcados, e nós dois uma completa bagunça.

“Ah, me dá um tempo. Eu vim aqui pra morrer, não pra impedir outra pessoa de fazer isso!”

Minha voz vacilava, cheia de autocomiseração e exasperação.

“...Justo.”

A idol número um da escola soltou um suspiro antes de desabar no chão. Pelo menos o pior cenário havia sido evitado. Ela murmurou: “Que coisa mais idiota,” antes de cair na risada por algum motivo. Não pude evitar e acabei rindo também.

“Vamos voltar pra dentro,” eu disse.

“É, vamos.”

Apesar do nosso estado deplorável, não conseguíamos parar de rir.

“Aqui, usa isso.”

Entreguei a ela uma toalha da minha bolsa.

“Hã? Mas...”

Seus olhos pareciam dizer: Você não deveria usar primeiro? No entanto, eu sabia que se usasse a toalha antes, ela absorveria muita água, não sobrando nada para Ichijou-san.

“Tá tudo bem. Vou ser cavalheiro dessa vez — damas primeiro.”

Sinceramente, a situação com a Miyuki tinha me feito desconfiar das mulheres, mas com essa kouhai que agora parecia uma companheira de armada, eu podia baixar a guarda.

“Obrigada. Mas... por favor, não olha demais, tá?”

Ela não precisava explicar para que eu entendesse. O uniforme de verão, agora encharcado, tinha ficado bem revelador. A camisola rosa-clara por baixo da blusa estava completamente visível através do tecido molhado. Eu vinha tentando não olhar, mas o instinto fazia meus olhos desviarem apesar de todo o esforço.

“Viu? Bem que eu disse... Isso é assédio.”

“Foi mal, desculpa.”

Embora parecesse um pouco irritada, ela aceitou a toalha e começou a se secar.

Seus movimentos graciosos faziam-na parecer um anjo que havia descido à Terra. Pra dizer de forma simples, ela era deslumbrante.

“Então, qual é o plano agora? Você me convidou pra matar aula, deve ter algo em mente, né?”

Pra ser honesto, eu não tinha plano nenhum. Dei um sorriso sem jeito e admiti:

“Claro que não. Eu tava desesperado lá atrás. Isso tá longe de ser aquela rebeldia estilosa que a gente vê nos filmes.”

Soltei uma risada constrangida, e ela me acompanhou. Suas expressões tinham suavizado bastante, revelando um lado mais relaxado dela. Me dei conta — era assim que ela realmente ria. O sorriso habitual dela sempre parecia carregado de alguma sombra. Pensando bem, eu tinha ouvido dizer que vários colegas já haviam se confessado pra ela...

 

 

“Por que você acha que eu poderia namorar alguém que eu nem conheço?”

“Você sabe como é receber uma confissão de um estranho? Claro que não sabe. Deixa eu te contar — é sinceramente assustador.”

“No fim, você só está interessado na minha aparência ou no meu status, né? Eu li a sua carta, e era só disso que ela falava. Ler algo assim... dói.”

Eu me lembrava vagamente do depoimento que ela tinha dado.

É. Totalmente arrasador.

Então, o fato de ela aceitar tão facilmente meu convite agora era honestamente surpreendente. Eu esperava ser repreendido ou rejeitado de cara, no mínimo.

“Isso talvez não seja o bastante, mas... aqui vai um pequeno agradecimento.”

Ela me ofereceu um lindo lenço, claramente se sentindo mal pela toalha ter ficado inutilizável. Eu aceitei com gratidão.

À medida que as coisas se acalmavam, percebi que estava com fome. Mas comer sozinho parecia errado.

Tirei o oniguiri que eu tinha trazido, quebrei ao meio e entreguei uma parte para ela. Era de atum com maionese. Apesar de não sentir gosto de nada nos últimos dias, dessa vez eu consegui aproveitar o sabor.

“Está delicioso. É de atum, né? Misturado com maionese?”

O comentário dela parecia algo que uma garota rica diria.

“Isso. Você nunca comeu? Atum com maionese é básico nas lojas de conveniência.”

“Entendi. Então é isso que todo mundo anda comendo esse tempo todo.”

Ela realmente parecia vir de uma família bem de vida.

“Tem muita comida gostosa por aí também. Morrer antes de experimentar tudo seria um desperdício.”

“Você é bom nisso. Do jeito que você fala, eu até fico curiosa.”

Seus olhos brilharam com um novo interesse. Parecia que essa garota era bem curiosa por natureza.

Mas eu só tinha trazido um oniguiri. Como eu não tinha muito apetite ultimamente, só preparei o mínimo. Mesmo para uma garota, metade de um oniguiri provavelmente não seria o bastante para matar a fome. Se a gente fosse matar aula, só havia uma opção.

“Ei, Ichijou-san. Quer ir lá em casa?”

“Hã!?”

 

 

Pegamos nossos sapatos de sair e nos movemos com cuidado, usando os telhados e o estacionamento de bicicletas para evitar sermos vistos pelas janelas das salas de aula enquanto nos aproximávamos do portão da frente. Felizmente, ninguém pareceu nos notar.

Era cerca de 100 metros do estacionamento de bicicletas até o portão principal. Como já tínhamos chegado tão longe sem sermos vistos, me senti confiante. Mesmo que alguém na sala dos professores nos visse agora, estaríamos longe demais para que pudessem nos alcançar.

Por sorte, a forte chuva de antes tinha parado. Na verdade, o sol brilhava intensamente agora. Perfeito.

“Certo, vamos.”

“Mas, Senpai... o portão da frente não está trancado? Como vamos abrir?”

Ela se mexeu um pouco, a voz tingida de preocupação.

“Vamos pular por cima—”

“Eu estou de saia!!”

Ela exclamou alarmada, o tom mais agudo do que o normal.

“Tô brincando! Eu sei muito bem que não dá para fazer isso. Está vendo aquela porta lateral de ferro ao lado do portão principal? É a entrada de serviço. Dá para destrancar por dentro, mas quando fecha, trava automaticamente. Ou seja, não dá para entrar por fora, mas sair é fácil.”

Esse era o caminho de fuga clássico de gerações de alunos. Usado principalmente para sair escondido e comprar comida, era um truque bem conhecido. Até os professores sabiam disso. Embora usar abertamente rendesse uma bronca, mais ou menos toleravam se você não chamasse muita atenção.

“Como é que você sabe disso...?”

Ela suspirou, olhando-me com exasperação. Claro, uma aluna modelo como ela não devia conhecer esse tipo de truque de vida escolar.

“Ah, qual é... até os alunos certinhos precisam viver um pouco. Vamos logo!”

Por hábito — provavelmente do tempo em que eu namorava a Miyuki — peguei na mão dela sem pensar.

“Ah,” percebi, mas ela apertou minha mão de volta. Sua reação inesperada me surpreendeu.

“Por que está corando? Vamos logo,” ela disse, o rosto levemente corado também.

“Você está mesmo bem em segurar a mão de um cara que acabou de conhecer?”

“Eu estaria mentindo se dissesse que não tô um pouco desconfortável... mas em situações assim, não é normal meninos e meninas darem as mãos? Tipo em peças, filmes ou dramas estrangeiros?”

Aparentemente, ela tinha um lado romântico. Será que era certo misturar ficção com realidade desse jeito?

“Beleza, então vamos.”

“Ah, e... essa é a primeira vez que eu seguro direito a mão de um garoto. Então... cuida bem dela, tá?”

As bochechas dela ficaram ainda mais vermelhas, e ver aquilo me fez corar também. Esquece. Pensar demais nisso só ia piorar tudo.

“Vamos logo!”

Com isso, saímos correndo.

“O que vocês dois estão fazendo!?”

Era a voz do professor de educação física vindo da sala dos professores. Nem nos demos o trabalho de olhar para trás e continuamos correndo para frente.

Parecia que estávamos deixando o passado para trás, encarando o futuro de frente.

Ao meu lado, ela sorria de orelha a orelha, abraçando completamente a emoção da nossa fuga da escola.

 

 

Perspectiva de Ichijou Ai

Por que estou fugindo da escola com alguém que acabei de conhecer hoje?

Nunca sequer considerei matar aula antes. E ainda assim, aqui estou eu, segurando a mão de um garoto pela primeira vez. Sua mão é forte, mas envolve a minha com tanta delicadeza.

Por que esse Senpai, que nem me conhece direito, foi tão longe para me proteger?

Quando escorreguei, já tinha me preparado para morrer. No mínimo, achei que bateria com força na grade. A cerca do terraço, nesse canto abandonado da escola... provavelmente está velha e deteriorada. Havia uma possibilidade real de eu ter caído direto até o chão.

Mas ele arriscou a própria vida por mim — uma estranha.

“Eu vou te proteger.”

Já ouvi essa doce frase inúmeras vezes durante confissões. Mas essas palavras só me enchiam de pavor. Sempre tocavam num trauma que eu não queria que ninguém despertasse.

Mas Aono Eiji-senpai era diferente. Ele não disse isso em palavras, mas suas ações falaram muito mais alto.

Com convicção e sem hesitar, ele me protegeu. Ele não se parece em nada com os outros garotos que conheci.

Apesar de estar numa situação tão difícil, ele mesmo, ainda assim, agiu por minha causa. Ele é tão altruísta que chega a me preocupar.

E ainda assim, estar ao lado dele me faz sentir que talvez eu consiga escapar do meu próprio inferno. Há algo nele — algo que me dá esperança.

Aceleramos o passo, correndo mais rápido juntos. O que estávamos fazendo era errado, mas... não pude evitar de me sentir empolgada.

Pela primeira vez em anos, ri do fundo do meu coração.

E tudo por causa desse Senpai que conheci hoje.

 

 

Perspectiva de Seiji Kondo

Eu sou Kondo Seiji, o homem no centro deste mundo.

Meu pai é vereador da cidade. Estudo em uma das três melhores escolas de elite da província e sou o craque do time de futebol. Graças a mim, um time antes fraco de uma escola focada apenas em desempenho acadêmico subiu para competir entre os primeiros colocados do torneio provincial e até chegou à competição nacional no ano passado.

Além disso, já fui sondado — em segredo, é claro — por uma prestigiosa equipe de futebol universitária particular. Assim que eu conseguir uma bolsa esportiva, um futuro promissor me espera.

Eu poderia até me tornar profissional. Com as minhas habilidades, não demoraria para dominar a liga nacional e atrair propostas do exterior. Começaria em clubes da Bélgica ou da Escócia, garantiria uma posição fixa e então miraria nas ligas dos “Big Five”. A partir daí, ganharia milhões, me cercaria de mulheres lindas e talvez até me tornasse o primeiro jogador japonês a ganhar o prêmio de Melhor Jogador do Mundo.

“Ah, a vida é fácil demais.”

Sempre fui diferente dos outros desde criança. Um pouco de esforço nos estudos sempre me colocava no topo da classe. Minha altura continuou crescendo — hoje tenho quase 1,90. E no futebol, meu talento natural e minha técnica refinada faziam de mim o centro de qualquer equipe.

Mesmo quando clubes profissionais locais me convidaram para integrar seus programas de desenvolvimento de base, eu ignorei. Gastar todo o meu tempo treinando acabaria com minha diversão. Ainda assim, fui selecionado para a seleção nacional juvenil, e ninguém pôde reclamar. Sinceramente, com o meu nível, treinamentos básicos ou exercícios de força só iriam me limitar e transformar num jogador comum. Prefiro ser o rei de um time fraco da escola, jogando do meu jeito. Isso é algo que treinadores normais jamais entenderiam.

Com tanto talento, não é surpresa que as mulheres não consigam me deixar em paz. Sempre fui incrivelmente popular desde o ensino fundamental. Minha primeira namorada foi na terceira série. Desde então, nunca fiquei um momento sequer sem uma. No oitavo ano, quando finalmente passei dos limites com minha então namorada, meu apetite por mulheres só aumentou.

Isso me lembra algo da época do ensino fundamental.

Havia um otaku na minha classe que namorava a idol da turma. Era um relacionamento ridiculamente inocente — mal chegavam a segurar as mãos. Exatamente como a Miyuki, eram amigos de infância, ingênuos o bastante para acreditar que se casariam algum dia.

Previsivelmente, quando a conquistei com palavras doces e um tratamento gentil, ela caiu fácil para mim. Traiu o namorado, aquele que ela achava ser seu destino, e passou a falar mal dele por incentivo meu. Ela se deliciava com o sabor do proibido, se iludindo no papel de trágica heroína.

“Aquele otaku é tão nojento.”

“Ter ele como namorado foi a coisa mais humilhante da minha vida.”

Ela me idolatrava tanto que dizia coisas assim quando estávamos a sós. Que tola.

Eu gravei aquelas conversas e fiz questão de que o namorado as ouvisse. Ele desabou em lágrimas.

A expressão em seu rosto me deu um prazer indescritível.

“Por quê!? Você prometeu que a gente ia se casar!” Ele gritou em desespero, com a voz quase como o último suspiro de um homem morrendo.

Enquanto isso, ela se agarrava ao meu braço sem a menor preocupação com ele, como se ele não existisse mais.

“É assim que é. Vamos terminar. Agora vou ser feliz com ele,” disse ela friamente. Comparado ao passado, sua maquiagem estava exagerada, e não pude deixar de rir. Era a satisfação máxima.

Foi então que percebi o quanto gostava de tirar as mulheres dos outros. O desespero no rosto deles ao descobrir era a coisa mais divertida do mundo.

Quando entrei no ensino médio, terminei com aquela garota. Relacionamentos são divertidos só antes de começar. Quando você está junto, é tudo possessividade e drama.

“Mas eu desisti de tudo por você!” Ela chorava, agarrada a mim numa crise.

“Eu não gosto de garotas fáceis. Vamos terminar,” respondi casualmente, mexendo no meu celular.

Ela também desmoronou, como todas as outras. As garotas que se apaixonam por mim inevitavelmente perdem o foco, suas notas despencam. Não conseguem se recuperar.

Além disso, sempre acabam alienando todo o círculo social por escolherem a mim, especialmente os casais de infância. Essas garotas perdem tudo — os velhos amigos, as conexões, tudo. É hilário.

A antiga idol da turma? Ela acabou largando a escola, caindo direto para um final ruim. Ver sua queda foi puro entretenimento.

E agora é a vez da Miyuki. Ela é divertida. Deveria ter escolhido o namorado dela em vez de mim.

No dia em que tive uma ideia — uma realmente divertida — decidi acabar com os dois. Homem e mulher, ambos destruídos. Isso sim parecia divertido.

Então, deixei uma marca no braço da Miyuki. O namorado fraco dela não conseguia deixar nenhum sinal, mas eu consegui. Cuidei para isso. Depois, tirei uma foto e espalhei online usando alguns calouros do meu time de futebol.

E aqui estamos.

Aquele cara, Eiji.

E Miyuki — até onde ela vai cair?

Mal posso esperar para descobrir.

[Almeranto: Olha só que maldito cara… esse Kondo não presta. Que ódio desse cara. Faz tudo isso por puro entretenimento.]

 

 

Perspectiva da Miyuki

Eiji não voltou para a sala de aula desde antes do começo da manhã.

Os responsáveis por pichar sua carteira agora tentavam freneticamente limpar, tomando cuidado para não serem pegos pelo professor. Mas, como usaram uma caneta permanente, não conseguiram apagar completamente. As marcas sujas e apagadas na carteira de Eiji pareciam um reflexo do meu próprio coração.

Ele poderia abandonar a escola por minha causa.

Esse pensamento era insuportável — um peso para a vida toda que nunca desapareceria. Eu havia priorizado meus próprios sentimentos e acabei destruindo a vida da pessoa que mais importava para mim.

O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?

Nunca imaginei que o Kondo-senpai espalharia rumores tão horríveis. Isso não é minha culpa.

Não é minha culpa. Se eu pedir desculpas, ele vai me perdoar... não vai?

Quando a última aula da manhã estava terminando, meu olhar vagou pelo pátio da escola.

Foi quando eu o vi. Só de ver Eiji, senti uma alegria avassaladora que não conseguia controlar — só para ser jogada no mais profundo desespero imediatamente depois.

Atrás dele havia uma garota que eu não reconhecia.

Eles estavam de mãos dadas, correndo juntos em direção ao portão da escola, como se fossem os protagonistas de um filme.

Por quê?

Por quê?

Por quê?

O ciúme ardente me consumia, queimando minha mente. A mão que antes era só minha agora alcançava outra pessoa.

O que está acontecendo?

Fui eu quem terminou. Eu não tinha direito de me sentir assim. E ainda assim, as chamas do ciúme rugiam descontroladas, reduzindo a lógica a cinzas.

Grandes lágrimas começaram a cair. Sem conseguir contê-las, escondi o rosto, apoiando a cabeça na carteira.

“Quem é essa raposa ladra?!” Sussurrei, tremendo de raiva e tristeza.

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