Volume 2

Capítulo 36: A mudança

                       

O sol está claro, as nuvens são poucas. O calor está de matar enquanto espero na entrada de um duplex de sacada bem construída e pintada em claros tons de amarelo e branco, a mochila pesando nas costas. Sashi está do meu lado, cobrindo os olhos com a mão espalmada, olhando para a varanda.

— Tem certeza de que é aqui? — Sashi pergunta.

— Só se me deram o endereço errado — respondo com certo mal humor. — O que não me deram.

— Será que a gente vai ter que chamar ela? Quer que eu chame?

— São meio-dia. É impossível ela estar dorm...

— Chegaram cedo, hein? — Nádia aparece na forma de seu persona no portão. Eu tomo um susto e um pulinho para trás arranca risadas gostosas da Sashi. — Eu disse 13:30 e vocês já estão aqui.

— Puta merda! O que cê tá fazendo aqui já? E sério que você tá dormindo em pleno meio-dia? Não trabalha não, criatura?

— Eu trabalho em call center e meu período é noturno, então costumo dormir durante o dia — explicou-se. — Podem entrar, entrem! Acomodem-se na sala enquanto acordo, tomo um banho e troco de roupa um instantinho, tá? Sem problemas! É rápido.

Ela parece bem nervosa da forma que falava. Talvez a ideia de conhecer a verdadeira “Nádia” por trás da máscara que é seu persona a abale de alguma maneira. Imagino que seja algo parecido como dois web amigos que vão se encontrar pessoalmente pela primeira vez.

Eu não posso culpa-la por mais que não consiga imaginar uma autoridade como ela, algo como uma Executiva, agir de forma tão tímida diante de um recém-recrutado.

A porta se abre e um caminho de pedras sobre um chão de grama verde nos guia até a sala de visitas da casa de Nádia. O espaço é bem aberto e arejado, com quatro poltronas daquelas que rodam e deixam você enjoado, com uma mesinha e revistas no centro. O teto é de gesso e o chão é um mármore branco e poeirento, um sinal claro de que ela não tinha tanto tempo assim para despender com limpeza.

Alguns quadros na parede enfeitam o cômodo e uma porta de madeira com venezianas separa a área de visitas da sala de estar de fato. Em uma olhada rápida é possível identificar uma casa simples e pequena, mas bem organizada e de ambiente acolhedor. Uma casa padrão de uma família de classe média alta.

Cozinha americana com o batente de granito separa uma cozinha revirada da sala de estar; escadas na parede da televisão levam ao primeiro andar onde possivelmente os quartos, inclusive o de Nádia, estão.

— Que casa bonita! — comenta Sashi, admirando o lugar.

— É... muito bonita.

Eu mal consigo conversar com a Sashi de tão afogado em pensamentos que estou. Minha mente ainda está em 3 dias atrás, depois que Excella fez seu showzinho para nos assustar.

“Eu sugiro que os recrutas sejam diretamente treinados pelos Executivos”, sugeriu Nádia na ocasião. Quando Liebe volta a ter controle do campo lúdico imenso que era a mansão, uma rápida votação foi feita.

A decisão foi praticamente unânime, mesmo a contragosto de alguns. Ela se ofereceu para ser a primeira a treinar os novos recrutas — ou seja, nós —, já que tinha um ótimo conhecimento e controle de uma tal de Gnosis, citada por ela, e que isso facilitaria o trabalho dos demais Executivos se tivéssemos uma boa base dos fundamentos.

Claro, ninguém se opôs também.

E mesmo com o abalo da Excella sobre nós com aquela declaração de guerra, eu acreditava que podia encarar qualquer coisa. Que estava preparado para qualquer coisa, mesmo que ainda tivesse receios. Se Sashi estivesse comigo, mesmo que fosse difícil, encararíamos qualquer um, venceríamos qualquer um.

Mas então... ele apareceu. E tudo se desfez como água na areia.

Enrico...

— Ainda está pensando nele, Calebe? — Sashi comenta sem olhar para mim.

— Sashi?

— Foi naquele dia, não é? Quando nos encontramos com a Nádia no shopping e você o encontrou lá?

Não respondo e volto a olhar para os quadros de natureza morta pintada em cores sobrepostas e vibrantes. Porém, mesmo o silêncio era resposta suficiente para ela.

Alguns dias antes, quando fomos nos encontrar com Nádia no shopping para marcar o dia em que eu deveria ir à sua casa, ele estava lá. Enrico. Nossos olhares se cruzaram e eu quis persegui-lo ali mesmo. Quis ir até ele e abraça-lo e soca-lo e falar com ele, mas ele sumiu entre a multidão.

Ele se foi... seus olhos estavam tão frios, tão sombrios. Como será que vai ser... quando nos enfrentarmos de novo?

— Calebe... — Sashi começa a falar, reagindo aos meus pensamentos. — Como sua persona, não posso garantir que irei me conter ou que não irei mata-lo caso ele o ameace quando nos encontrarmos novamente — diz ela, olhando para a katana embainhada com pesar. — Só posso dizer que o protegerei e farei de tudo para mantê-lo seguro, não importa contra quem seja!

Aquelas palavras me alcançam no abismo da minha mente e viro meu rosto, encontrando seus olhos brilhantes e decididos. E mesmo naquele momento um tanto melancólico, eu não consiga deixar de sorrir com aquele conforto. Com seus olhos, seu sorriso...

E esse sentimento?

BLIIIIIING, BLIIIIIIING!!

Uma campainha? Chegou mais alguém?

E então lembro que além de mim, os outros que foram selecionados no teste de admissão da Mandala também vão se reunir aqui. Pensando por esse ângulo, agora também estou um pouco ansioso. Como será que são? São muito diferentes de seus personas?

Charles era um detetive estiloso que vestia um sobretudo londrino de um filme de ação dos anos 80, muito diferente do que era sua versão mais frágil e adoentada da vida real. Não tenha expectativas, Calebe.

Além de Emma, que eu já conheço da vida real, os outros três devem ter aparências bem distintas de suas contrapartes oníricas. A empregada e o boxeador, suponho eu, que os designs de seus personas lembrem, pelo menos um pouco, suas aparências reais.

Sem expectativas.

— Oi? Quem é? — pergunto ao ir lá na porta.

— Menino do dormitório?

Uma voz bem familiar soa do outro lado da porta. Eu abro e encontro uma garota loira com olhos cansados, de regata sobre uma jaqueta pequena aberta e calça skinny jeans, delineando bem o contorno de suas pernas. Ela carrega uma mochila grande nas costas.

— Emma!

— É, sou eu — diz ela, um tanto mal-humorada. — Só você chegou até agora?

— Isso, e nem faz tanto tempo — coço a cabeça e digo. — E meu nome é Calebe, por sinal.

— Ah, foi mal. Tenho o costume de esquecer as coisas, principalmente nomes.

Entramos e sentamos. A sensação agora é duas vezes mais desconfortável. Me sinto na obrigação de dar atenção à Emma, por mais que eu quisesse apenas grudar olhos em algum quadro e viajar na maionese.

Diferente da Sashi, que posso ignorar mais facilmente por ela entender o pandemônio que se passa na minha cabeça, já Emma não é tão simples. E os outros também...

— Calebe... — ela me chama, cortando meus pensamentos.

— Ah, sim! Sim! Pois não?

— Que é isso, guri? Te acalma — diz ela, percebendo meu nervosismo. — Só estou cansada.

— Ainda aqueles problemas para dormir?

— Ainda — ela confirma com um suspiro. Suas pernas se dobram e ficam perigosamente mais delineadas sob a calça jeans justa. — Mas, diferente de antes, não estou mais me entupindo de remédios.

— Não?

— Eu descobri que... tenho uma espécie de poder que só posso usar quando durmo. — Ela me olha com um misto de desconfiança e ansiedade. — E se você está aqui, também deve ter.

Eu sei que não adiantaria de nada me fazer de idiota ou ficar contornando a conversa. Isso só me renderia um coice verbal da Emma, ao estilo que só ela sabe fazer. O jeito é ser direto.

— Sim. Você tá certa — confirmo.

— É... não esperava que fosse ser tão sincero. Imaginava que você escolheria a saída mais fácil e apenas negaria tudo — debocha ela com uma risadinha enquanto dá de ombros.

Sashi a acompanha nas risadas ao meu lado. Algo se quebra dentro de mim.

— Eu pareço alguém tão falso assim?!

— Não foi isso que eu disse, seu tonto. — Ela volta à seriedade de antes, mas sem retirar o sorriso. — É que você sempre me pareceu um doido varrido que eu queria estar longe e que todos aconselhavam para ficar longe, mas nunca me passou pela cabeça que poderia ter um motivo tão...

— Válido?

— Insano — corrigiu Emma. Mais risadas da Sashi. — E mesmo que eu ainda ache você um completo esquisito, agora acho que posso tentar te entender ao menos um pouquinho.

Isso deveria me confortar de alguma forma?!

— Caham! — pigarreio, tentando manter a postura e o controle diante de tanta avacalhação. — Sabe Emma, eu imagino que você deve ter aprendido uma grande lição com tudo isso.

— É — concorda ela, se curvando sobre as pernas para pegar uma revista da mesa. — Quando descobri que eu era uma refém na minha própria mente e que isso era a causa dos distúrbios de sono que impactam na minha vida, decidi, pelo menos uma vez, ignorar o que minha mente, minha racionalidade... — Ela aponta para a própria cabeça. — ... diziam ser loucura e abraçar esse lado. Procurar ajuda.

— E cá estamos — concluo.

— E como você descobriu que tinha poderes, Calebe? — Ela pergunta. — Quer dizer, eu ainda estou me esforçando para acreditar em tudo isso a cada dia que passa. Que coisa de maluco! Quem me disse que eu tinha isso e se ofereceu para me ajudar a lidar com meu problema foi uma mulher de preto muito suspeita.

Meu coração dispara por um momento com a menção.

— Mulher de preto?

Sashi fica apreensiva de repente, reagindo às minhas emoções. Só a menção à Excella me traz pavor e tudo o que sua presença e seu nome trazem consigo, além da lembrança mais recente...

 


Meu filho nascido da tragédia.


 

— É. Ela era bem alta e muito bonita, mas tinha algo... estranho, nela. É como se ela estivesse sempre mostrando que tem sempre uma segunda intenção por trás de tudo que diz e faz.

— É... eu entendo.

Droga! A Excella foi atrás da Emma também?! Se ela deu um jeito de falar com ela, ela pode fazer o mesmo com o Bernardo, com a mamãe..., tremores me atingem com a minha mente fértil concebendo os piores cenários possíveis. Merda! O negócio está mais grave do que imaginei.

— Ei, Calebe! — Emma me chama de novo, já meio puta.

— Ah?

— E aí? Como descobriu que tinha poderes também? Essa mulher foi falar com você também?

Eu só rio como bobo e olho para a Sashi, de olhos em um degradê azul e violeta brilhantes, curiosa para ouvir minha resposta.

— É uma longa história que eu ainda estou tentando descobrir.

Os outros chegaram pouco tempo depois e então, Nádia vem nos encontrar. A aparência de Nádia, diferente de sua versão onírica, não tinha corpo de violão, não tinha roupas chinesas e uma pele escura imaculadamente cuidada. Ela ainda mantinha o aspecto de uma mulher jovem — com seus vinte e poucos anos —, mas seus cabelos são crespos e longos, ela usa óculos de fundo de garrafa e é bem gordinha, além de ser um tanto tímida.

Ela está vestindo uma blusa com estampa de anime, uma calça jeans rasgada nas coxas e algumas presilhas na lateral tentam conter a Tsunami marrom dourada que são suas mechas crespas volumosas.

— Oi pessoal. Tudo bem?

— Caramba! Você é mesmo a Nádia?! A Nádia?! — Jamal, o boxeador que usa magnetismo, um rapaz de 21 anos com pouco cabelo e roupas largadas e rasgadas de um skatista, aponta para ela. — Prazer, minha abençoada!

— Vai ter um troço, meu bom? — Roberto, o Rei de Latão, é um homem de corpo largo e enorme em músculos flácidos. — Vai deixar a garota com vergonha.

— Parece que nunca viu uma mulher na vida! Te controla, cara. — diz Ingrid, a outra menina além da Emma, que incorpora a empregada assassina de tapa-olho chamada de Zeppelin.

— A qual é, sangue bom? Estou muito emocionado em encontrar alguém tão importante pessoalmente, só isso! — justificou-se ele.

Emma fez uma careta com os lábios torcidos.

— Hahaha! Não se preocupem! Sim, sou eu mesma. E meu persona tem o mesmo nome, então podem me chamar de Nádia mesmo, tá? — Ela ria, extremamente desconcertada.

— Prazer em conhece-la. — Estendo a mão para ela. A Executiva da Mandala responde ao cumprimento. — Não quero ser o chato do grupo, mas imagino que você tenha pedido para a gente vir aqui por um motivo, não é?

Nádia sorri com confidencialidade para mim e dobra os braços.

— Bem direto, né? Sim, eu os chamei aqui pois vou dizer para vocês como irá funcionar todo o regime de treinamento especial a que serão submetidos e o equipamento que irão usar. Vou logo dizendo de antemão que em mais de meio século de existência da Mandala, nunca foi feito algo assim antes. — Ela faz uma pausa e vai até um dos armários entre a cozinha e a sala, tirando de dentro uma caixa grande e colocando sobre o batente de granito da cozinha. — Mas diante das circunstâncias extremas, contramedidas extremas precisam ser tomadas, não concordam?

— Que é isso aí?

Nádia retira caixas menores da caixa de papelão grande e nos entrega. Lá dentro há o que parece ser fones de ouvido bluetooth pretos, armazenados cuidadosamente em caixas especiais na forma de losango. O equipamento emite uma fraca luz vermelha e azul cadenciadas.

— Fone de ouvido? Vamos ganhar fones de ouvido?! — O tagarela Jamal se empolga com a ideia. — Que maneiro! Estava precisando de uns mesmo e...

— Isso não são fones comuns — adverte Nádia, mostrando um deles para nós. — É um equipamento padrão usado pelos membros da Mandala para ajudar na Fictomancia. Se chama Sinfonia de Morfeu ou SDM. Deve somente usar quando forem dormir ou querer usar Fictomancia. Não o confundam com qualquer outro tipo de remédio ou droga para o sono.

Todos olham para as próprias caixas, inspecionando os fones e outros já experimentando.

— Tá, mas... como isso funciona? — Essa é a única pergunta que importa.

— Quando estiverem deitados para ir dormir, coloquem no ouvido e relaxem. A caixa deles tem um mecanismo que irá fazer um mapeamento das ondas cerebrais de vocês e, baseado nisso, vai começar a tocar uma sinfonia especial que irá forçar seus sentidos a ativarem a Fictomancia.

— A gente vai ouvir música para dormir então? — Ingrid pergunta com certa ironia.

— Basicamente isso — Nádia ri ao responder. — Mas é diferente de outras músicas para relaxamento. — Ela faz uma pausa, colocando os SDM no balcão. — Essa música foi feita por um Fictor há muito tempo atrás, e ela possui uma propriedade especial que, além de facilitar o acesso à Fictomancia, proporciona uma certa segurança ao agente.

— Como assim? — pergunto.

— O fictor é mais resistente a despertares abruptos vindos do ambiente e seus elementos. Claro que não muda muita coisa nesse sentido em relação ao persona de vocês, mas com esse fone serão capazes de manter o sono independente das interferências externas. Em outras palavras, não importa se alguém colocar uma buzina de um carro ou um paredão de som no seu ouvido, ou mesmo te bater enquanto dorme, você não irá acordar.

— Aí vi vantagem, minha delegada! — Jamal já vai logo colocando os fones. — E aí? Quanto tempo demora para a música fazer efeito?

Nádia ri da curiosidade quase infantil de Jamal e das perguntas. Ingrid olha com certo asco para ele e Roberto pousa a mão na testa, sentindo a vergonha alheia o atacando. Força, companheiro!

— Só fará efeito quando o mecanismo que mencionei detectar baixa atividade cerebral. Em outras palavras, quando estiver com sono e cansado ou relaxado o suficiente para a música poder agir em sua mente.

— Já estou ouvindo a música — Emma diz de repente, lá detrás. — E eu tô... buaahh... começando a...

Puta merda... lá se vem o maníaco de novo! Imagino e tenho a impressão de que Nádia percebeu minha reação, pois ela vai até a Emma e retira os fones.

Sashi faz uma careta de cansaço, já deixando a katana a postos.

— Só coloquem os fones quando eu disser ou quando outro Executivo disser, que tal assim? Assim evitamos contratempos.

Todos concordam, até mesmo a sonolenta Emma.

— Certo. Venham comigo. Vou mostrar os quartos de vocês.

Nós seguimos a Nádia para o andar de cima, onde um corredor com várias portas se mostra à frente. Ela abre a primeira porta à direita e diz:

— Banheiro. Pode usar, mas deixem sempre a tampa do vaso abaixada, por gentileza. Não deem descarga mais de duas vezes, não deixem o banheiro molhado e coloquem todos os papéis usados em um saco fechado. E homens... — Ela se vira para nós, com uma expressão sorridente e assustadora. — Não urinem fora do vaso ou eu mato vocês, tá?

— Xá com a gente, chefia! — exclama Jamal com um joinha.

— Certo! — Roberto concorda.

— Tá bom — digo.

— Dito isso, vamos para os quartos. — Ela anda mais um pouco e abre a primeira porta do lado esquerdo do corredor. — Aqui é o quarto das meninas. Tem duas camas e um armário para guardarem suas coisas e é aqui que vão passar o próximo mês, então se deem bem, por favor. Não é lá muito confortável, mas espero que gostem.

Próximo mês?!

— Valeu. Eu gostei — diz Emma, soltando mais um bocejo. — É lindo.

— Gostei também, Nádia. Obrigado. — Ingrid entra de uma vez e joga sua mala sobre a cama do lado direito do quarto, impecavelmente arrumada. — Eu fico com a da janela.

— Ah, tanto faz — resmunga Emma ao entrar em seguida.

— Enquanto elas arrumam suas coisas, vamos conhecer o quarto de vocês, rapazes. Ela vai para a segunda porta do lado direito do corredor, a terceira na fileira de quatro portas, e abre. — Aqui é o de vocês.

Lá dentro só tem um beliche triplo de ferro com manchas de ferrugem em alguns lugares. E só. A janela está aberta com um vaso de planta repousado no parapeito.

— Tá de sacanagem com a gente? — reclamo. — Um beliche?!

— Ué, o que que tem? — Nádia dá de ombros. — Ainda está em perfeitas condições.

— Um homem tem necessidades também, sabia? Necessidades que não podem ser supridas por uma fucking beliche!

— Eu fico com a de cima, foda-se! — diz Jamal, jogando sua mochila na cama de cima e subindo as escadas bem rápido. — Valeu, minha patroa!

— Como sou mais alto, é um saco para mim ter de ficar na debaixo, então fico com a última. — Roberto foi e se sentou na cama debaixo, me sobrando apenas a do meio.

Sashi entra no quarto quase vazio e começa a dizer palavras em voz alta para ouvir o eco do cômodo. É uma pena que Jamal não consiga vê-la. Eles dois iriam se dar muito bem.

— É, fazer o quê — digo, com um suspiro. — Mas vamos ficar dois meses aqui? Como assim?

— Não recebeu o e-mail que enviei? — Nádia pergunta.

Então ela estava falando sério quando disse que da próxima vez ia mandar um e-mail, quem diria..., me lembro da cena do nosso primeiro encontro quando ela nos salvou de ser espancados pelo brucutu nordestino.

Eu faço que não com a cabeça e ela continua: — Vocês irão passar um mês inteiro com cada um dos Executivos, em suas respectivas cidades. Enquanto treinam sua Fictomancia, irão nos ajudar a conter a onda de pesadelos que está causando problemas nas capitais, com a aparição de Excella. Isso vai ser uma ótima oportunidade para vocês adquirem experiência lutando contra vários tipos de pesadelos e, é claro, os Orus.

— Orus?

— Sim. Esperamos que não tenham que lutar com um, mas se acabarem esbarrando com algum pesadelo estranho, bem mais forte que o normal, recorram a nós, está bem? — Nádia sorri.

Eu concordo com outro suspiro.

— Muito bem, pessoas! Hoje vai ser só para vocês conhecerem as dependências e arrumarem suas coisas, mas amanhã o sofrimento de vocês começa de verdade! — Ela abre os braços em um gesto exagerado.

Sofrimento? Era nítido o olhar de curiosidade de Sashi.

— E o que vamos aprender? — Jamal pergunta. — Não me leve a mal, chefia, mas todos nós já sabemos como usar nossos poderes e tudo... eu mesmo já deitei muito monstro na porrada!

Nádia sorri, cruzando os braços em uma postura que é característico de sua persona. Aquela pose de superiora que rouba a atenção e o respeito de todos, a confiança inabalável de uma rainha ou uma deusa.

— Vocês pensam que sabem usar Fictomancia, mas eu digo que estão errados. Alguns sequer sabem como esse poder se manifesta e sabem menos ainda das possibilidades que ela proporciona para nós. — Ela se escora no batente da porta. — Observei as lutas de vocês e muitos sequer usam suas habilidades fictomânticas. Manifestar um persona ou uma representação onírica de um desejo é a coisa mais comum que existe e até uma criança é capaz disso. Ou seja, vocês não são melhores que uma criança usando seus personas.

Uma veia se projeta na testa de Jamal, que salta da cama.

— Agora pegou pesado, minha senhora. Está dizendo que somos fracos, é isso?

— Exatamente — Nádia disse com uma franqueza que chegava a doer. Onde está aquela Nadia meio tímida de alguns minutos atrás?

— E o que vamos aprender então, baseado nessa sua tal análise? — Roberto questiona.

Nádia sorri com confiança e responde:

— Vocês vão aprender a verdadeira fictomancia!



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