Volume 2
Capítulo 30: Reencontro
Calebe! O que você fez?
Ei, menino! Menino! Reage!
Não! Não faz isso!
Você chamou os caras da Mandala? Filho da puta, você me enganou!
Você tirou tudo de mim!
Calebe!
..
Tiririm... Tiririm... Tiririm...
PAF!
O despertador cai da mesinha de cabeceira e o infernal TIRIRIM cessa. Me enrosco debaixo das cobertas, levando certo tempo para ativar meu cérebro e perceber que estou atrasado. E muito atrasado!
— Merda!
Ainda com a máscara de baba no rosto marcado, salto da cama, executando um total de três tarefas quase ao mesmo tempo: escovar os dentes, pentear o cabeço e arrumar a roupa. Isso tudo enquanto termino de requentar um salgado do dia anterior.
— Não sabia que já tinha participado de circo — zomba a voz relaxada da Sashi, sentada à mesa da cozinha.
— Haha! Acordou engraçadinha hoje.
— Talvez, hihi.
Mesmo depois de duas semanas ainda não estou acostumado à nova rotina. Sempre tive a mamãe pra fazer o café ou comprava na faculdade, mas agora eu tinha que me virar para fazer a comida. As buzinas ensurdecedoras da avenida já pipocam lá fora, assim como o calor.
Termino de engolir o café da manhã e saio apressado. Sashi se despede de mim com um aceno e um sorriso e eu saio para o trabalho. Já estou atrasado e o ônibus sai daqui a pouco.
Duas quadras depois, chego na parada com ônibus já se movendo do lugar. Sem quase poder falar, pulo acenando como um doido para o motorista, mas ele se faz de doido e vai embora, me fazendo comer poeira no processo. Motorista filho de uma...
— Ferrou! Vou me atrasar!
O trabalho fica a oito quarteirões dali e, mesmo que eu criasse mais quatro pernas, seria praticamente impossível chegar a tempo. Já imaginava o que o Sr. Silva diria quando me visse passando por aquela porta, todo esbaforido e o pior... atrasado.
Além disso, como se já não fosse ruim o bastante, um carro passa em velocidade máxima na rua e me molha todo. Parecia que eu tinha vomitado na minha calça limpinha!
— Porra! Caralho, merda, maldição...! — Tento amenizar a sujeira ao máximo esfregando, mas só pioro a situação.
Tic-tac, tic-tac... as horas passam. A cada minuto, um puxão de orelha.
— Ah, que se dane!
Depois de tanto correr, chego na loja onde trabalho. O barrigudo do Sr. Silva me aguarda atrás do balcão, atendendo um cliente. Mesmo que ele continuasse a trocar uma ideia com o cliente, seu olhar estreito para mim deixa claro que vamos ter uma conversinha nos fundos depois do expediente.
Me demoro no suspiro e ajeito o avental e o chapéu para assumir meu posto. Hoje ia ser um dia daqueles. Tem sido assim durante duas semanas, desde que cheguei a São Paulo. Minha tia arrumou um emprego para mim na loja de conveniência do Sr. Silva, amigo de longa data dela.
Enquanto trabalhava, dia após dia, pensava no que deixei para trás. Minha mãe, a faculdade... a incerteza e o medo só aumentavam. Pensava também na promessa que fiz para Enrico, antes de ele ser levado pela tal de Excella.
EU VOU ATRÁS DE VOCÊ E VOU TE SALVAR!! ATÉ ESSE DIA CHEGAR, EU VOU FICAR MAIS FORTE! MUITO MAIS FORTE PARA ARREBENTAR A CARA DESSA TIA, OUVIU?
Aaaaah!! Mas até agora eu não dei sequer um passo para ficar mais forte! Nem separei um tempo para treinar com a Sashi! Sou um caso perdido! Grito mentalmente, traduzindo essa frustração em suspiros e caras desanimadas.
Mas na verdade, queria estar arrancando os cabelos agora, correndo louco pela cidade atrás do Enrico. Sabe-se lá onde aquela bruxa gostosona, de mais de dois metros e meio, com peitos do tamanho da minha cabeça, pode ter levado ele.
E mesmo se eu o encontrasse, como o derrotaria? Como derrotaria Excella e o salvaria?
Mais suspiros.
— Bom dia. Vai levar só isso? Quer levar um Cutie Kat para me ajudar hoje? — Se tornou tão penoso manter aquele sorriso ultimamente. Parece até que eu ainda estava na faculdade.
— Ah, claro. Vou querer um.
— Muito obrigado!
Passo as compras em movimentos tão mecânicos e automáticas que, depois de um dia inteiro fazendo isso, o cérebro já desligou completamente. No fim do dia eu nem consigo me lembrar quantas vezes eu fiz isso. Sequer lembro dos rostos das pessoas com quem falei.
Duas semanas, a mesma coisa. 14 dias sem notícias de Nádia ou qualquer outro agente da Mandala. Nem um e-mail, mensagem de texto, zap... O que esses caras estão fazendo para demorarem tanto?!
Mentalizo Sashi atrás daquele balcão e ela aparece quase que instantaneamente, com ares confusos. Mesmo que eu não tivesse progredido em nada no meu objetivo inicial, aquelas duas semanas também não foram completamente perca de tempo.
Aprendi um truque ou outro, tipo o de materializar a Sashi de onde quer que eu estivesse, se eu me concentrar o suficienteb. Algo bem útil quando se vive em um mundo onde pesadelos podem aparecer de repente para te matar.
— Que foi, Calebe? Eu tava quase terminando de dar uma lição em um pesadelo abusado que...
— Eu tô precisando de você pra me fazer companhia — digo, baixo e discreto. — Senão, meu mental vai de ralo. Pode me ouvir?
Sashi arqueia as belas sobrancelhas e se senta no balcão, cruzando as pernas fortes e graciosas. Alguns pesadelos menores se esgueiravam pelos cantos das prateleiras como ratos, com medo da presença ardente de Sashi.
— Certo — diz, sorrindo e balançando as pernas. — Estou toda ouvidos.
Uma megalópole como São Paulo tinha três, quatro vezes mais pesadelos que a pequena e pacata Morro Branco, então eu não esperaria nenhum dia “normal” mesmo. Pelo contrário, esse é o meu normal agora. Até estranho quando ando em algum lugar sem esbarrar em algum pesadelo.
No fim do dia, os ombros pesam. Sashi sai logo depois de mim, balançando sua katana, cuspindo línguas de fogo para espantar vários pesadelos em forma de moscas e pássaros que se amontoam nos arredores.
— Aqui é um inferno de pesadelos! — reclama Sashi, dividindo um pesadelo que lembrava um urubu, com duas cabeças e dois pares de olhos, ao meio. — Cidade barulhenta e caótica. Eu preferia a outra cidade.
O sentimento é recíproco.
Já estou cansado de comer miojo e cachorro-quente todas as noites, alternadamente. Sinto falta da comida da mamãe, do Bernardo enchendo o saco, das brincadeiras e conversas da Mica na sala de aula.
O coração aperta e eu ponho a mão no peito, respirando fundo. Não adianta. Minha vida jamais voltaria a ser como era. Não há mais volta. Eu tenho que fazer essa viagem para São Paulo ter valido a pena.
De repente, um estrondo metálico me chama a atenção em algum lugar longe dali, na direção contrária da avenida. Um grunhido acidentado vem logo depois e o olhar de Sashi para mim me dizia o suficiente.
— Tá, vamos lá.
Ela sorriu e nós seguimos o barulho ensurdecedor. Vinha de um canteiro de obras. Ninguém além de mim parecia ouvir o mundo desmoronando, o que me faz ter mais certeza ainda de que tem algo errado. E nesse momento, eu odeio estar certo.
Do outro lado do portão gradeado, alguns trabalhadores estão gritando, pendurados em um andaime que está prestes a cair. Do lado da construção, um pesadelo em escala Lordzilla, ruge e golpeia com sua cauda espinhosa a lateral do prédio, fazendo a estrutura tremer.
— Caramba! — exclama Sashi. — Acho que nunca pegamos um pesadelo tão grande quanto esse um público! Quem será o agente?
— Alguém que anda vendo filme japonês demais — respondo, enfadado.
O monstro é uma lagartixa gigante, para resumir. Escamoso, feio, de patas dianteiras pequenas como um Tiranossauro e uma mandíbula dentada que facilmente mastigaria um carro.
— Consegue derrubar ele, Sashi?
— Quanto maior, mais fácil de cortar — ela responde, balançando a espada. Seu cabelo se ilumina completamente com aquela aura ardente e violeta, línguas de fogo sendo cuspidas da lâmina da katana.
— Derruba esse lagarto superdesenvolvido logo para irmos para casa logo.
— Certo!
Ela curva o corpo para pegar impulso para saltar. Com as duas mãos na empunhadura, sua lâmina concentra uma grande quantidade de suas chamas, brilhando em um clarão violeta. Ela ergue a espada até o topo da cabeça e grita:
—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Equinócio: Divisor Horizonte Primaveril!』
O corte vem de cima para baixo, atingindo em cheio o rosto de lagartão e o derruba na base do prédio. As vigas tremem e algumas desabam, uma delas quase caindo em cima de um dos trabalhadores. Por sorte, ele não se fere. Os outros que estavam presos no andaime conseguem fugir também.
Uma nuvem de poeira levanta assim que o bichão cai por terra.
— Caramba!!
— Que merda tá acontecendo aqui?! — grita um dos pedreiros, correndo dali com as mãos na cabeça.
— Quem foi que levantou essas lajes?! — gritou outro, parecendo uma barata tonta no meio da cortina de areia.
— Conseguiu, Sashi?! — Aproveito a gritaria e a confusão para falar com ela.
— Ele não foi dissipado ainda.
— Sério?!
— Esse parece bem mais forte — constata ela. — E tá bem furioso agora.
A gigante cabeça quadrada do lagarto ruge na direção de Sashi, plantada na sacada de outro prédio ao lado. O vento se agita no lugar e aquela energia ruim que emana dele se espalha de um modo que passou por mim como uma onda malcheirosa e pesada.
Chego até a pensar que tinha uma carniça escondida ali de vários dias, mas era só a presença daquele pesadelo. A energia dele é tão ruim que conseguia até distorcer algumas partes do ambiente, como plantas e pequenos objetos.
Isso é possível mesmo?
— Cuidado Sashi! O grandão aí não tá pra brincadeira!
Ela apenas sorri com confiança. Claro, já enfrentamos tanta coisa juntos que é só mais um dia comum para ela, não importa a escala do problema. Admiro essa confiança radiante que ela tem, o que em muitos dias me faltava.
— Vai cair no próximo golpe! — Sashi deixa sua espada em riste, preparando o momento certo para atacar. —『Retalha...
Um retinir metálico corta as palavras de Sashi de repente e a besta para no meio do ar, como se tivesse congelado. Nem preciso dizer que, como sempre, meus olhos perderam alguma coisa que se desenrolou na cena em questão de milissegundos.
Que foi que aconteceu? Antes de imaginar mil possibilidades, a cabeça quadrada e animalesca do lagartão se separa do pescoço e cai nos monturos de areia abaixo. Tanto o corpo quanto a cabeça se dissipam em fumaça escura.
— Quê?!
E então, no meio do canteiro, parado, uma figura se revela de joelhos com a espada enorme desembainhada. Seu físico e envergadura são admiráveis enquanto o observava guardar sua espada com um malabarismo tão impressionante quanto desnecessário. Talvez ele soubesse que tinha plateia, por isso estava se exibindo.
— Ei! Quem é voc...
— Nos encontramos de novo, Musashi. Confesso que é destino que está sempre entrelaçando nossos caminhos.
Aquela voz... aquele jeito de chamar a Sashi e a forma da espada dele são familiares. Ao se erguer, seu rosto está coberto por uma máscara rubra e deformada de um demônio furioso, desejando decepar cabeças a rodo.
Eu já conhecia muito bem aquela máscara. Mas o que ele está fazendo aqui?!
— Yatsufusa?! — Sashi diz ao cair do prédio, bem no centro canteiro de obras. — O que tá fazendo aqui? Você nos seguiu até São Paulo?
— Quem disse isso? — Ele nem mesmo sabe disfarçar! — Acontece que eu e você, Musashi, temos assuntos inacabados para resolver, então saque sua espada agora mesmo!
Yatsufusa aponta para ela, exigindo que Sashi lutasse com ele. De novo! Na moral, esse cara não se cansa, não? Está parecendo aqueles rivais grudentos dos desenhos animados. Não importa aonde a gente fosse, ele viria atrás da gente para desafiar meu persona. Sashi suspira e então ri.
Mas isso também significa que, de alguma forma, Emma veio para São Paulo também?
— Olha, isso não depende de mim, não.
— Creio que você não terá escolha se eu a obriga-la. — Sua voz se torna mais séria e sombria de repente.
O sorriso de Sashi some.
— Seja lá o que esteja pensando, não é uma boa ideia.
Yatsufusa brande a nodachi na direção de uma Sashi sem qualquer postura ou energia combativa. Com certeza eu devo ir lá para dizer que tive um dia longo de trabalho e só quero voltar para casa e me afundar a cara nos seriados até dormir de bunda para cima, peidando a noite inteira.
— Ei, ei! Pode ir parando aí, ô mascarado! — Entro no canteiro de obras já vazio, balançando as mãos. — Parou, parou! Break!
— Hum?! Você é aquele jovem que está sempre com a Musashi.
— Isso e agora você está sendo um verdadeiro pé no saco! — Sashi faz uma careta, segurando a vontade de rir. — Eu tô muito cansado, pô! Tive um dia muito merda na loja de conveniência. Uma velhinha vomitou na loja, levei o nome de vagabundo por outro senhor e dois pivetes quiseram me roubar. Então, se você não deixar a gente ir, eu vou ficar tão puto que vou deixar a Sashi fazer picadinho de você, tá me entendendo?!
Yatsufusa pisca por alguns segundos e então ri com a mão na barriga. Eu rilhei os dentes.
— Estou aqui só para desafiar a Musashi. Você não me interessa, então some daqui fedelho! — Ele usa sua espada para me empurrar para longe, me fazendo cambalear pelo chão arenoso.
— Droga! Eu já disse... para deixar a gente em paz, porra!!
Sem pensar, eu fecho o punho tão forte que sinto as articulações estalarem e automaticamente minha mão vai parar na cara mascarada daquele sujeito inconveniente. O soco é forte o suficiente para fazê-lo rodar até parar ajoelhado no chão, segurando a máscara no rosto.
Os olhos de Sashi se arregalam tanto que pensei que iriam voar da cara dela.
— Calebe?!
— Que foi? Vai me dizer que...!
— Não é isso — interrompe ela. — Você... você acabou de socar um persona?
Foi aí que a ficha caí e me dou conta do que tinha acabado de fazer. Eu soquei a fuça do espadachim mascarado e ele sentiu, como se eu tivesse socado uma pessoa qualquer do Mundo Desperto.
O que... eu acabei de fazer? Penso, assombrado, olhando para meu próprio punho fechado.
— Então, entendi. Perdão em chama-lo de fedelho, rapaz. — Yatsufusa se levanta, apontando a nodachi para mim. — Compreendo. Esse tempo todo estive apenas atrás da minha revanche com Musashi, mas você mesmo estava esperando seu momento para propor seu desafio para mim.
— Como é que é?
— Podia ter dito desde o começo. Eu, Yatsufusa... — Ele balança seu espadão, o vento gerado por ele sendo tão forte que me machuca só de estar perto. — Irei aceitar seu desafio, guerreiro de roupas engraçadas!
— Ah, tá me tirando, né? Não foi isso que eu quis dizer, mané!
— Calebe, para trás! — Sashi se põe na minha frente, desembainhando sua espada. — Ele não vai encostar em nenhum fio de cabelo seu.
— Sashi!
— Então, vamos lutar, Musashi?
— Se for machucar o Calebe, terei que lhe ensinar o seu lugar, mascarado!
Droga! Eu fui até lá para impedir aqueles dois lutarem e só fiz colocar gasolina na fogueira! E agora?
Eu não estou preocupado com a Sashi. Diferente da última vez, ela está bem mais forte, tanto que seu cabelo agora é completamente envolto por suas chamas como se fosse uma aura, então não preciso temer que ela perca para o persona da Emma.
O problema aqui é que eu não posso prever os efeitos que a luta daqueles dois personas vai causar no ambiente. Ou a mim. E droga, minha série favorita deve estar passando agora! Eu já devia estar em casa, porcaria!
— Sashi, é melhor nós...
De repente, o chão arenoso vibra debaixo dos nossos pés, chamando a atenção tanto minha quanto da Sashi e do Yatsufusa. A areia começa a se mexer rapidamente, formando um redemoinho no centro do canteiro de obras.
— Que é isso agora?!
BAAAAAM!!
Respondendo à minha pergunta, um total de quatro pesadelos, na forma de lacraias, se ejetam da areia e ficam de pé com aquelas patinhas nojentas se mexendo ao mesmo tempo. As antenas tem globos brilhantes no topo de cada uma e um rosto terrivelmente horrendo e sádico decorava a parte de cima das lacraias.
— Mais pesadelos?!
— Tsk! Pelo jeito não vai se agora que iremos lutar, Musashi.
Sashi estreitou os olhos e focou nos pesadelos que os cercavam.
— Ainda havia esses? Como não senti? — perguntou-se ela. — A energia ainda está muito forte, mas...
E mais daquelas coisas aparecem, dessa vez saindo das ferragens e andares do prédio em construção à frente, rastejando pelas vigas e entre os ferros. Cada um devia ter mais do que cinco ou sete metros de comprimento. Aqui deve ser um ninho de pesadelos lacraias!
— Sashi... eu não... não tô gostando nada disso.
— Deve ter sido o Yatsufusa — analisa ela.
— Eu?
— Depois de derrotado o outro pesadelo gigante, sem o mais forte para espantá-los, os outros que estavam escondidos puderam enfim aparecer.
— Tá me dizendo que a lagartixa gigante estava espantando todas as lacrais pesadelos?!
Aqueles insetos insanamente gigantes se colocaram de pé, preparando todos para avançar ao mesmo tempo. Abaixo dos rostos distorcidos que ficavam no topo das cabeças deles, um par de mandíbulas que lembravam pinças recurvadas gigantes abriam e fechavam.
— Droga! Lá vem eles!!
Os dois espadachins erguem suas espadas, se preparando para o combate com os insetos enquanto fico de joelhos no chão, me cagando de medo. Como fui me envolver em uma situação dessas?! Eu só quero ir para casa, caramba!
Só que o ataque que esperavam não chega. Nunca chegaria. De repente, a parte de cima das lacraias explode, como se um vento inimaginavelmente poderoso tivesse soprado do nada e arrancado a cabeça de todas elas ao mesmo tempo. Uma chuva de gosma de lacraia cai sobre a gente.
— Quê?!
— Que merda acabou de aconteceu aqui?!
Ouço passos singelos vindos na nossa direção. Um bocejo largado e despreocupado vem logo em seguida quando duas pessoas passam pelos portões gradeados semiabertos, adentrando o amplo espaço. Um deles faz sombra na gente de tão alto que era.
Ao se aproximar de nós, ele para, coçando a careca e erguendo sutilmente a sobrancelha, com olhos indiferentes e serenos.
— Qual foi o do cabaré aqui, hein?