Volume 1
Capítulo 24: Dama da noite II
— Ve… Velho!
— Calebe! Saia daí, rápido! — urra Charles enquanto tenta domar a grande sombra descontrolada dentro do quarto.
Ativando algum instinto de sobrevivência dentro de mim, uma carga de adrenalina é ejetada em cada fibra muscular minha e eu consigo me levantar com um salto da cama, tropicando na rampa que é o chão do meu dormitório. Nessa eu escapo por pouco das garras da mulher costurada, que passam de raspão na lateral do meu rosto, me fazendo sentir só o ventinho da morte.
— Porra!! Merda! — Rolo no chão enquanto a monstra começa a voar descontrolada pelo quarto, batendo nas paredes e nos móveis enquanto se debate.
Charles faz o possível para manter os dois pés colados no chão, mas é impossível. Aquela coisa tem muita força. O pobre do velho é jogado de um lado para o outro como um peão de rodeio, lutando para subjuga-la.
— Maldição! Que... força! AARGH!
— Aguenta firme, velho! Ai, ai! Porra!
A disputa de força continua até que a mulher costurada decide que é hora de trocar de cercadinho. Ela arrebenta a janela do dormitório e arrasta Charles e eu — que tento inutilmente segurá-lo com meus braços de vareta — para fora com ela, como se fôssemos a cauda de uma pipa.
— GUUAAAAAAAHHH!!
— SEGURA FIRME, CALEBE!
Estamos voando, meu Deus! Uma altura de cinco metros nos separa do chão pedregoso da rua do campus. Mas sequer tive tempo para molhar quando sinto uma sensação estranha engolir meu corpo. A mesma sensação que tive no primeiro dia em que pisei no campus.
O mundo ficando devagar até parar, tudo em escalas de branco e cinza e preto. Só nós estamos nos movendo livremente nesse espaço enquanto tudo me lembra um recorte de uma fotografia antiga.
— FUUUUU!!
Charles dá um puxão e rasga o ombro da mulher com sua faca, arrancando dela um jato de sangue negro com piche. Em uma manobra atlética, como um saltador olímpico, eu capoto várias vezes no chão, ficando todo arranhado e estropiado. Porra!
Charles rola duas vezes e mantém a pose do detetive badass que seu persona sempre faz questão de passar.
— Calebe? Você está bem, meu jovem?
— Morri, mas passo bem.
Ele sorri, mas seu rosto já demonstra certo cansaço.
— Charles... o que tá fazendo aqui? Você ainda tá no hospital!
— Sim, Calebe — confirma. — Mas eu precisava falar com você urgentemente.
A mancha negra que paira pelos céus se condensa na nossa frente, transformando-se na coisa horrenda das minhas visões; 3 metros se levantam sobre nós; uma dama da morte, vestida com uma mortalha picotada e negra que projeta uma sombra opressora sobre nós só de esvoaçar. Um negro tão denso e profundo que engole tudo e nem mesmo a luz pode escapar.
Dos seus pulsos finos e esqueléticos pendem grilhões com correntes, essas que tilintam e arrastam no chão com um som aterrorizante. Seu cabelo negro e liso, que se emenda com as sombras do vestido, cobre um rosto morto, costurado, sem expressão e sentimentos.
—...! — Engulo em seco várias vezes.
Apenas uma fria sede de matar. De consumir. Posso não estar no copo da Sashi agora, mas consigo sentir aquela aura congelante de morte, de agonia, de desesperança. Meu pior pesadelo por meses inteiros, encarnado na minha frente e pronto para me rasgar com aquelas unhas do tamanho de réguas escolares.
— Ei! Calebe! — Charles segura firme meu pulso. — Sem fraquejar agora. Vou ter que contar com você.
— E-E-eu não posso, eu... não sei se...
— Pode sim. Não deixa a energia dela abater você. Fique firme ou...!
ZAAAAAASH!
—...!!
Muito rápido! Um espinho gerado da negritude do chão perfura o braço de Charles e o empurra para trás.
— NÃAO! CHARLES!!
— GRRAAAH! CALEBEEE!! SAIA DAQUIII!! SE ESCONDA EM ALGUM LUGAR!! FUJAAA!!
Eu só consigo pensar em fugir. Pra algum lugar, pra qualquer lugar. Nem mesmo sinto o ar sair e entrar pelas minhas narinas quando começo a correr, nem vejo direito o caminho que estou tomando. Não sei sequer se estou no mundo real ou em um campo lúdico bizarro. Só ouço o alarme incessante dos meus instintos, me mandando correr pela minha vida.
Contudo, sinto abruptamente um peso se projetar sobre mim, me puxando com ele para o lado. Rolamos e capotamos, parando ao lado de uma superfície irregular e dura... um tronco de arvore. Ao mesmo tempo, consigo ouvir sons de explosões ao meu redor, como se o mundo se despedaçasse ao meu redor.
— Droga!
— Quase! Você tá bem, Calebe?
— Cof! Cof! Nem sei... Cof! Acho que eu tenho que voltar pra pegar a alma que ficou.
— Se mexa! Ela tá vindo!
Ao recuperar a noção do espaço, percebo que uma lança feita de pura treva está bem perto de nós. Uma lança que certamente teria me empalado se Charles não tivesse me salvado.
E da lança feita de pura sombra, como se essa fosse uma espécie de líquido, começa a tomar outra forma enquanto se espalha, se expande e contrai. Um longo braço com garras crispadas se ergue do lamaçal de sombra e dá um rasgão pra frente. Sorte que tropeço e o golpe passa em branco.
— Porra! O que essas pedras tem contra mim?!
Charles esquiva de mais golpes da garra balançando e prepara sua faca com corrente, lançando o membro magro e longo demais. O resto da mulher costurada surge do buraco negro no centro da rua, feita da própria escuridão, emergindo com um salto de golfinho. Um gêiser de sombras, ejetando no ar uma névoa sombria.
Me afasto e dou tempo para que Charles consiga segurá-la. Tenho que achar algum canto seguro e deixar de ser um peso morto pra ele, mas tá difícil. Essa coisa parece ter um radar pra me achar.
Ela se transforma em sombra e suas garras, por mais absurdo que pareça, rasgam o próprio espaço. A realidade. E então, ela desaparece através de uma fenda no espaço.
Charles esbugalha os olhos enquanto sua corrente cai. Nem ele parece saber o que ela fez, então não vou perguntar.
— Você tá bem? — Sem saber onde ela está, resolvo me aproximar dele de novo. Só por segurança.
— Como...?
— Como o que? O que foi?
Ele pousa a mão na testa, sua respiração ofegante. Está claro como o dia que ele está se esforçando ao extremo em estar ali com seu persona.
— Fique atento... Calebe.
— A gente não devia tá procurando o fio onírico pra desfazer esse Campo Lúdico? Vamo, eu te ajudo a...
— Não estamos em um Campo Lúdico — revela Charles entre soluços e tosses secas.
— Não? E onde estamos então?
— No Mundo dos Sonhos.
— Sério?! — Minha voz despiroca e eu paro, tentando parecer mais calmo. — Ahem! Sério?
Ele confirma balançando a cabeça.
— Eu pensava que o Mundo dos Sonhos fosse... sei lá. Algo mais fantástico, mais colorido, não esse preto e branco depressivo aqui.
— Estamos na camada mais rasa do Mundo dos Sonhos, também chamado de Mundo Espelhado. Todos os sonhos mais “mundanos”, são projetados nessa esfera e por isso temos sensações de familiaridade, já que esse mundo é um espelho do nosso.
Coço a cabeça, ainda apreensivo pelo sumiço da mulher costurada.
— Tá, mas ainda não entendi o que é tão impressionante.
— Além do fato de você estar aqui comigo? Aquela coisa — Ele faz uma pausa, apontando com a faca pra onde o rasgão no céu ainda está se fechando. — Seja o que for, consegue transitar entre os dois mundos. E pelo jeito, não precisa de um Campo Lúdico pra isso.
— O que?! Tá me dizendo que...
— Ela pode matar uma pessoa... no mundo real! — Um calafrio me sobe a espinha.
— Há! Haha! Hahaha! Muito engraçado, Charles. Você é um comediante! Hahaha! — Dou uma tapinha no ombro dele.
Mas sua expressão séria e cansada não some. Ele está falando sério. Ela... foi ela que...
— Fala sério. Então foi essa coisa que...
— Sim. Lamento sua perda, Calebe — Charles diz com pesar.
Só me veio na mente a cena. O terror que a Mica, que a Kássia e que tantas outras pessoas devem ter sentido ao serem mortas por ela.
— E o que podemos fazer pra parar ela? — pergunto com algo queimando dentro de mim. Determinação? Raiva? Ódio? Talvez tudo de uma vez só?
— Enquanto ela está materializada no Mundo Desperto, nada. — Um frio súbito congela meu esôfago.
— Nada?! Ela é invencível?!
— Lá, talvez. Mas podemos lutar com ela e derrota-la aqui. E eu já testei. — Ele termina de limpar sua faca que estava manchada de sangue negro. — Campos Lúdicos também funcionam para deixa-la vulnerável.
— Tendi. Mas como...?
— Cuidado! — Ele me dá um empurrão forte que me faz rolar alguns metros pra trás.
No mesmo instante que outra fissura dimensional surge e a mulher costurada sai de dentro cortando e fatiando tudo que estivesse em seu caminho com aquelas unhas. Charles é pego por ela e os dois saem voando em uma massa escura. Charles usa sua faca para impedir de ser fatiado, segurando uma das mãos daquele monstro com certa dificuldade e esquivando da outra o máximo que consegue. Sem meios e ideias para ajuda-lo, eu faço a coisa mais inútil em qualquer universo, seja real ou ficcional.
Cato a pedra cinza mais próxima e jogo na cabeça dela.
— Ei! Aqui, bicha feia!!
— FUUUUUUUUUUUUHH!! — Ela solta aquele zunido ecoante e agudo que sempre é de doer os tímpanos, virando o rosto.
Mas o que importa é que dá certo. A pedrada pode ser inútil pra dar dano, mas sempre funciona para chamar a atenção do monstro. Com isso, Charles ganha tempo e gira em torno do próprio corpo, desviando das unhas afiadas dela. Em um, dois, três cortes, Charles salta, mirando sua faca no pescoço da gigantona remendada.
— Isso! Acaba com ela, velho!
Contudo, estava bom demais para ser verdade. Do corpo dela, vários pregos feitos de sombra perfuram o corpo de Charles de repente, em vários lugares, obrigando-o a se afastar. O detetive cai cambaleando e a mulher remendada aproveita a deixa para fazer seu ataque.
— Sai daí! Desvia, porra!!
Charles, com visível dificuldade, salta para cima e ela passa reto como um trem desgovernado, fazendo outra fenda no espaço com o balançar das garras e desaparecendo de novo.
— Arf, arf, arf! Maldição... arf!
— Charles!
— Fique ai, Calebe! Cof! Arf! — comanda com a mão espalmada para mim. — Nem um passo!
Congelo no lugar. O espaço, já paralisado, aparenta mais imóvel ainda agora. Após segundos com cara de eternidade, bizarras sensações me atingem ao mesmo tempo; tenho a sensação de estar ouvindo meu sangue circular pelas veias, cada som pegajoso do meu globo ocular se revirando enquanto eu o mexia lentamente, observando o espaço.
Ao longe, Charles também está parado, mas seu olhar apavorado não está em mim, mas sim no que está ao lado. Sem ter coragem para mover a cabeça, movo lentamente os olhos.
O rosto fantasmagórico dela está bem colado com o meu, tremendo e girando devagar, seu corpo saindo de outra fissura entre as dimensões. Sinto veias saltando nos olhos, a garganta completamente seca, uma cachoeira de suor gelado descendo pelas costas e pernas. Nesse momento, uma coceira no símbolo químico do cobre resolve aparecer. Droga, droga, droga, droga, droga, droga!
Não me mexer... Charles me disse para não me mexer — e mesmo que eu quisesse, não conseguiria — que tudo ficaria bem. A mulher costurada me olha e analisa e gira o rosto, olhando para os lados, para cima, para baixo, para a diagonal, sendo que estou quase beijando ela. Isso só me leva a concluir uma coisa básica, a única coisa que posso deduzir no estado de pânico em que me encontro agora.
Ela é cega!
Claro que é. Faz sentido, já que uma faixa enorme cobre seus olhos. Charles move seus braços lentamente; o braço direito me mandando ficar parado e em silêncio — nem precisa mandar — e outro indo na faca com corrente.
Ele arremessa sua faca em outro lugar no chão e a dama da morte percebe o movimento e ataca com uma rajada de sombras que destroem aquela área. Ele tá testando-a? Um pedaço de pedra também é arremessado pelo detetive, mas ela não reage a isso. Como assim?
Charles sorri e puxa sua faca de volta. A cabeça da mulher costurada treme e ela parece descobrir onde ele está, se atirando até ele na forma daquela nuvem negra com garras esmerilhadoras.
— Você acabou de deixar tudo mais fácil, querida — Charles sorri e joga a faca no chão.
— Ativar: Campo Lúdico!
O chão treme e me faz cair. O cenário começa a mudar quando arranha-céus titânicos, postes, lojas vazias e brilhantes nascem do chão como plantas. De um momento a outro, uma cidade completa, tão escura quanto o cenário em que estávamos antes, surge ao nosso redor.
— Cidade do mistério e dos segredos.
A aberração suturada para e acerta somente o ar e a névoa na frente dela, mas a figura do Charles some. Pela primeira vez, ela está perdida e confusa sobre onde estamos. Até mesmo eu, que me levanto e procuro um lugar para me esconder, passo despercebido. Será um efeito do Campo Lúdico do velho?
— Você pode ser cega e muda, mas tenho certeza que não é surda. — A voz ecoante de Charles assombra o ambiente, vindo de todos os lugares e, ao mesmo tempo, de lugar algum. — Estive apenas seguindo a cortina de fumaça de vocês por muito tempo, mas parece que esse cenário agora mudou.
Do que esse velho tá falando? Enquanto tento colocar os sentidos, a respiração e o juízo em ordem, observo de longe. A uma distância segura.
— Vocês querem Calebe e Sashi, não querem? Por que estão tão interessados neles assim? Aposto que sabem de algo que nós não sabemos.
— FUUUUUUUU!! — O monstrengo de mais de 3 metros rasga um gemido gutural e cambaleia, parecendo uma árvore prestes a cair. Ela foi acertada por algo que não vi.
— E então, por que não aparece e nos conta você mesmo? Tenho certeza de que está escondendo o jogo de propósito. — Outra faca, outro gemido. O vestido dela solta gavinhas de sombras enquanto ela cambaleia de um lado pro outro.
A névoa está ainda mais densa, deixando a luz opaca. Em um movimento desesperado, ela começa a jogar suas sombras em direções desencontradas, esperando acertar algo no escuro.
— Também sei que toda essa matança desenfreada tem um propósito além de tirar nosso foco do rapaz, e que você... ah sim, você mesmo, não está fazendo isso por conta própria. Há algo mais...
A mulher sai girando e tropicando para trás como se levasse um empurrão. Partes dela estão sumindo, indicando talvez que o agente por trás daquela coisa está perto de despertar.
— Está recebendo ordens de quem? Quem está por trás de tudo isso? Vamos, diga. Quem está mandando você matar essas pessoas e absorver a energia onírica delas?
O que?!
— FUUUUUUUUU!! — A mulher se encolhe de repente e treme. Talvez está se preparando para tentar alguma coisa já que está encurralada pelo velho.
Parece que essa treta já está decidida. Não há como ela atingir ele. Nem sequer tem como saber onde ele está, além de que mal consegue se defender porque não sabe de onde os ataques virão.
Mas o rato encurralado sempre luta. Talvez em desespero, a mulher costurada vira um baiacu de escuridão e vários espinhos brotam dela de uma vez só, atingindo vários lugares ao mesmo tempo. Droga, se o velho não se cuidar, mesmo oculto naquela sombra, ainda vai ser atingido!
Enquanto a mim, estou longe o suficiente para que os ataques não me alcancem. Mas é melhor não arriscar, né? Sem a Sashi aqui, não tem nada que eu possa fazer.
— Então não quer cooperar, não é? Que assim seja! — Charles surge das sombras, em um ponto cego dela, pronto pra dar o golpe final. — Então isso acaba agora!
— Charles!!
O som angustiante de ferimento soa alto, indicando que alguém acerta alguém. Mas quem acertou quem? Não dá pra ver de onde eu tô, porra! De repente, a realidade formada pelo Campo Lúdico do Charles racha como um globo de espelhos que levou uma queda. Os prédios desmoronam, o cenário escuro se clareia aos poucos. Isso significa que...
— Char... les?
Os braços do detetive desabam enquanto é levantado por um prego gigante e negro, saído das costas da mulher, atravessando seu corpo. Eu estou vendo aquilo, mas não consigo acreditar que é real. Só deve ser um pesadelo! Deve mais uma visão e eu vou acordar daqui a pouco... isso! Só pode ser!! Não tem como o que eu estou vendo ser real!!
Charles solta uma golfada de sangue e, desentalando um grito reprimido por plastos de sangue, gira sua faca na corrente e ataca bem no rosto da desgraçada. O ataque corta transversalmente o rosto da mulher costurada de baixo pra cima, partindo a faixa que cobre seus olhos.
Os olhos dela... também estão costurados! Parte da testa dela está ferida e um jato de sangue negro esguicha. A mulher costurada solta um ganido de dor e recua, procurando fugir. Usa as garras para abrir mais um buraco na realidade por onde ia escapar.
E vai ser aquela mesma fenda por onde nós vamos escapar!
— Charles!! Charles!! Aguenta firme! Eu vou te tirar daqui!!
Faço ele se apoiar em mim e nós dois vamos cambaleando até a fenda. Atravessamos por pouco, antes que fechasse. Agora estamos atrás do dormitório e Sashi está a poucos metros de nós, perdida, procurando nosso rastro sem saber de onde vem. Já a mulher costurada... a maldita conseguiu escapar!
— Sashi!!
— Calebe?! Calebe!! Está ferido, Calebe?! — Ela cobre a distância de vários metros até nós com um salto. A respiração dela está ofegante.
— Eu tô bem, mas o Charles...! Ele...!
Seu persona começa a sumir aos poucos, como se fosse sendo apagado por uma borracha invisível. Seguro firme na sua mão como se pudesse mantê-lo conosco, mas dentro de mim eu já sei a verdade; ele está morrendo! Merda, merda, merdaaaaa!!
— Jovem Calebe. Acho que já vou indo.
— Para de falar isso, cara. Vai ficar tudo bem.
— Escuta. Eu não tenho muito tempo, então... preste bastante atenção, porque... eu não vou conseguir falar de novo — A voz de Charles falha algumas vezes. Metade do seu corpo já desapareceu. A Sashi está se acabando de chorar do meu lado. — Esse... persona está ligado ao incidente... da Mandala há 2 anos...
Quando o pigarreia isso, de um jeito fodidamente doloroso, a lembrança da conversa com a Nádia vem na cabeça:
... Só o que posso lhe dizer é que houve um acidente com um fictor há alguns anos e que desencadeou o aparecimento de uma dessas anomalias...
— Está... ligado de alguma forma a você e sua família... Calebe.
— Como?! Como está ligado? Por favor, Charles, me respo... — Quando já não consegui mais tocá-lo, a realidade cai na minha cabeça como uma pedrada. Ele está...
— Sinto muito... Calebe. Agora está por sua... conta. Tenho fé que você irá... cuidar de tudo. Consertar tudo que está... errado nessa organização.
— Charles... snif... droga, velho!
Charles sorri e seus lábios sopraram suas últimas palavras.
— Esse tempo que passamos juntos foi... muito divertido. Realmente... muito. Di-ver-ti-do...
As palavras se calam. Seus últimos traços são levados com o vento deixando nada para trás além de uma profunda tristeza e várias novas perguntas para serem respondidas. Droga... mesmo em seus últimos momentos, ele tem que deixar meu juízo, que já estava fora do lugar, ainda mais fora do lugar, cacete!
Mas nada disso importa mais. Charles... não, o homem chamado Francisco, acaba de partir desse mundo depois de, bravamente, ter cumprido com sua missão. Obrigado, velho.
E agora, o bastão tá comigo.