Volume 1
Capítulo 17: O mascarado que retalha sonhos II
Os dois estão em posição. Pelo que vejo, Yatsufusa é um persona assim como a Sashi e não um pesadelo como eu tinha imaginado. No entanto, seu agente parece, curiosamente, entrar tanto no personagem que acredita mesmo ser um espadachim dos tempos do shogunato; um ronin sem terras que vive apenas para se aperfeiçoar na arte de matar.
Um ronin furry ainda!
E agora, os dois estão frente a frente, se preparando para lutar. Não há motivo algum para esta luta estar acontecendo, mas não é como se ele fosse nos ouvir de qualquer forma. Temos que derrubá-lo e então, descobrir o agente por trás dele.
— Em posição! — Ele brande aquela katana tamanho família que, ao meu ver, podia dividir um boi ao meio fácil, fácil.
Sashi está com as pernas flexionadas, a coluna reta e a espada bem firme nas mãos. Impecável, poderosa, inabalável. Mas é visível que está nervosa e eu nunca tinha visto Sashi ficar desse jeito até hoje, fosse contra um persona ou pesadelo. Seus ombros estão rígidos e tensos, sua respiração está pesada, suas pernas, quase imperceptivelmente, estão tremendo.
—『Kitsune no kata: Hakkei meguru ko! 』
—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Solstício: Círculo do Espelho do Inverno! 』
Sashi faz sua dança, o espaço e o vento são cortados em círculos de lâminas de fogo violeta crepitante. A principal defesa da Sashi. Logo, o tinido metálico ecoa no ambiente, faíscas explodem no curto espaço entre eles. Foi tudo muito rápido, como o breve momento de um relâmpago, mas Yatsufusa consegue entrar no campo de ação da Sashi! Como ele fez aquilo?!
— Urgh! — Sashi bloqueia o ataque da nodachi de Yatsufusa por pouco.
— Ótimos reflexos. Conseguiu acompanhar minha técnica com a máscara da kitsune. E essas chamas...
— Sashi!
— Vejamos se consegue continuar. — Ele empurra Sashi com violência, as lâminas se desenroscando. —『Kitsune no kata: Kyuubi renzoku arashi! 』
Uma sombra. Tal qual a Sashi, Yatsufusa se move incrivelmente rápido. Sashi se esforça para se recuperar e, cravando a espada no chão para manter o equilíbrio, gira em torno do próprio tronco enquanto golpeia com a espada e grita:
—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Solstício: Círculo do Espelho do Inverno! 』
Várias explosões de faíscas consecutivas acontecem ao redor de Sashi muito rapidamente, uma seguida da outra. É sinal de que Yatsufusa não tá dando trégua para ela e a jogou na defensiva, apenas conseguindo usar sua técnica para se defender.
Tento me concentrar ao máximo para conseguir captar o máximo de detalhes possível. Sashi está cortando e movendo sua katana de cima a baixo, de um lado para o outro. No entanto, por mais que eu tente, não consigo ver o momento que o andarilho ataca, apenas o rastro de fagulhas para trás.
Dado momento, ele surge na frente dela e encaixa um golpe na boca do estômago de Sashi com a ponta do cabo da nodachi e a faz voar, um golpe poderoso que doeu até em mim.
E não é nem metaforicamente; eu realmente sinto como se meu intestino virasse carne moída com aquele ataque, tanto que solto um jato de saliva no momento do impacto e caio de joelhos, tremendo.
— Uoorgh! Cof, cof, cof!
— Calebe?!
— Distraída, Musashi? Grave erro.
De repente, sinto um corte profundo dilacerar meu ombro esquerdo como se meu braço fosse ser arrancado. Uma ardência insuportável vem logo depois e a dor latejante me cega completamente.
— Aaaaaaaaaaaarrrgghh!!
Eu sinto. Pude sentir claramente: Sashi foi atingida por um corte de espada! Está sendo... exatamente igual daquela vez, contra as cópias! A Sashi sente, eu sinto. Ela se fere, eu me firo. Estamos perigosamente conectados.
— Urg! Calebe!
— Nããaaao! Não se preocupa comigo, Sashi! Acaba com se esse filho da puta! — grito com todo o ímpeto que a dor me proporciona, como se pudesse romper os pulmões.
Com o rosto de pesar, ela acata minha ordem, focando no adversário.
— Agora vai prestar atenção em mim, guerreira Musashi?
— Vai pagar por machucar o Calebe! Hyaaaa!!
Ela empurra e se separa de Yatsufusa com uma explosão de chamas violetas. As pontas de seu cabelo preto se incendeiam, envolvendo as viçosas mechas com uma aura púrpura, lentamente cobrindo toda sua extensão. Yatsufusa não perde tempo e recompõe sua postura, a lâmina em cima da cabeça, mesmo no ar.
—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Solstício: Pétalas do Deus do Verão! 』
Sashi se transforma naquele trovão violeta de fogo intenso e avança para cima de Yatsufusa para cortá-lo em picadinhos. Ela está realmente furiosa agora.
— Haha! Muito bem! Esse é o espírito!『Kitsune no kata: Kyuubi renzoku arashi! 』
E então dois lumes brilhantes se destacam e voam juntos no céu, um acompanhando o outro, lado a lado. Explosões de chama violeta dançantes e lâminas de vento tremeluzentes surgem em conflito em meio a retinir de espadas. Invisíveis, em uma velocidade que foge dos olhos humanos, os dois trocam golpes de espada no ar e no chão, colidindo um com outro.
Lâmina contra lâmina. Técnica contra técnica. As chamas violetas da Sashi se revolvem como cobras na imensidão azul, junto das meias luas de vento que devem ser frutos dos golpes de Yatsufusa, as espadas arrancando silvos agudos e violentos de metal a cada encontro.
Mas eu não preciso enxergar a luta para constatar uma terrível verdade: Sashi está perdendo. Meu próprio corpo diz isso. Sinto um corte no meu ombro direito; logo depois, um corte na perna esquerda; um corte na testa, um pouco acima da sobrancelha; um no braço direito, outro na perna esquerda, dois cortes no peito, mais um na coxa esquerda, mais outro nas costas...
—『Retalhadora de Sonhos, Estilo do Equinócio: Impulso da Lança Outonal! 』
—『Tengu no kata: Ryümongan no yari! 』
Um domo de pressão se forma no lugar do impacto, reproduzindo um ruído seco, arrancando das duas espadas uma chuva de faíscas misturada às auras de cada um, separando-os depois de tanto tempo trocando golpes.
Ao final da trocação, os dois aterrissam um de frente para o outro e a realidade daquele combate foi esfregada na minha cara. Yatsufusa está ileso, intocado, imperioso em frente de uma Sashi completamente acabada. Ela está ofegante, sua postura vacilante e seu quimono e armadura estão cortados em vários lugares.
Sashi perdendo é algo inacreditável diante dos meus olhos! Eu vejo, mas não consigo conceber.
— O que foi? Seu ritmo está diminuindo, guerreira Musashi! Vamos! Mantenha a postura! Me ataque com mais força! Mais velocidade! Vamos! — A máscara dele muda de novo para o bicho feio de cara vermelha e narigão que estava antes.
— Droga! — Sashi está lutando contra a vontade de olhar para trás. Para mim. Ela definitivamente perderia se fizesse isso.
— Sashi! — Eu grito para ela o mais alto que minha garganta permite. — Não olhe para mim! Não se preocupa! Estou bem!
Ela não se vira, atendendo ao meu pedido.
— Você é muito forte, Musashi. A mais forte que já conheci até hoje. Mas... — Ele balança a nodachi de um lado para o outro, como se aquele espadão fosse um pedaço de galho. — Está faltando alguma coisa em você.
— Faltando... em mim? Como assim? Ainda não está satisfeito com a luta?
— Não. Falta algo — responde Yatsufusa, incomodado. — Há algo que a prende, que atribula seu espírito e abala sua determinação, Musashi.
— Você está dando desculpas agora? — Sashi ri enquanto brande sua katana. — Posso lutar assim o dia todo se quiser.
Yatsufusa balança a cabeça de um lado para o outro, pensativo, sua nodachi deitada sobre seu ombro enquanto anda em círculos. Por algum motivo, sinto um desconforto tremendo e nem me refiro à dor insuportável e escrota dos vários cortes no meu corpo.
De repente, ele muda de postura mais uma vez e sua máscara se transforma de novo, dessa vez ficando toda preta com detalhes dourados e criando um bico de corvo na frente ao toque dele.
—『Yatagarasu no kata: Mumei tokoyo kogetsu! 』
Ele passa pela Sashi como um fantasma... não, está mais para um furacão selvagem, arrastando tudo o que vê em uma sombra carmesim com raias pretas assustadoras, prendendo Sashi na defensiva.
Eu sinto o baque da colisão, de vários pequenos cortes pinicando e rasgando minha pele em uma ardência infernal, mas quando abro os olhos direito...
Yatsufusa está de pé bem na minha frente! Seus olhos impiedosos fixos em mim, sentindo meu medo através daquela máscara... a cascata de suor que escorre nas minhas costas nesse momento faz todos os cortes arderem ao mesmo tempo, uma dor infernal deixaria alguém louco facilmente.
— Não!
— Morra.
—『Retalhadora de Sonhos: Estilo do Equinócio: Impulso da Lança Outonal! 』
Sashi dispara na nossa direção com um golpe de estocada, arrastando Yatsufusa consigo por vários metros até baterem na lateral de um dos ônibus estacionados. O impacto foi tão forte que fez o ônibus virar, além de deixar um amassado feio na lateral. Boa sorte pra quem fosse ter que explicar e assumir o prejuízo.
— Ah, sim. Estou vendo claramente agora. É ele.
— ...?!
Sashi e Yatsufusa estavam com as espadas cruzadas até que o ronin deflete a katana dela com um giro e golpeia seu maxilar com o cabo, quase arrancando meu próprio maxilar. Com Sashi desorientada, seguiu com um golpe nas costelas com o dorso da lâmina, sentindo minhas próprias costelas se quebrando como bolacha de água e sal e então...
ZIIIM!
Um corte. De baixo para cima. Preciso, profundo, fatal. Parte da armadura de Sashi se destruiu e saiu voando aos pedaços enquanto ela capotava no chão para um lado, sua arma, para o outro.
Nesse momento, a força me falta nas pernas e eu cedo, não conseguindo respirar nem manter uma visão clara do que está ao redor. O mundo parece uma ida de montanha-russa nessa hora, rodopiando e girando e capotando... a dor não me deixa pensar, agir, e engole toda a luz e firmeza nos pés que, se é que alguma vez, eu tive durante essa luta.
— Seu peso é este garoto, Musashi. — Ele aponta para mim com a lâmina da nodachi. — Você deseja lutar. Testar-se no campo de batalha em uma luta emocionantes, expressar seus desejos mais íntimos e reprimidos de guerreira, mas ele a enfraquece. A distrai de seu real objetivo e a distancia de seu verdadeiro potencial.
Sashi se levanta, ofegando enquanto cata a espada em algum lugar do chão pedregoso.
— Não... — Ela ergue a espada contra Yatsufusa. — Minha espada existe para protege-lo. Ele... é minha força e minha razão de existir.
Não metaforicamente falando, sim, mas parece que aquele persona não tem noção disso. Se bobear, ele nem mesmo sabe que é fruto da mente de alguém.
Yatsufusa olha para a própria espada e suspira, parecendo decepcionado com a resposta. Então, de um minuto a outro, ele gira a espada e crava a lâmina no solo. Ele corre na direção de Sashi para ataca-la mais uma vez, fazendo uma fenda profunda no chão enquanto se aproxima.
— Saashi! Saia daí! Fuja! — gritei, tossindo e engasgando.
Ele ataca em um corte de baixo para cima de novo, sendo bloqueado por ela com dificuldade e fazendo-a cambalear para trás que nem bebo em briga de boteco. Ele continua a sequência de cortes enquanto Sashi só consegue se defender e nem isso direito.
— Sashi!
— Eu... consigo! Vou... derrotar ele! Hyaaaaaaa!!
Sashi recua a lâmina e toma distância, se preparando para executar sua técnica mais poderosa. Nem mesmo Yatsufusa poderia lidar com o Divisor Horizonte Primaveril em sua potência máxima. Eu... tinha que ajudar minha persona de alguma forma. Temos que vencer esse cara...
Quero provar que ele está errado. Que eu não sou um peso pra Sashi!
— Você ainda tem mais técnicas para mostrar? — Os lábios de Yatsufusa tremem de excitação. É, definitivamente, um maníaco por lutar. — Muito bem! Vamos ver o que sua lâmina tem a oferecer!
—『RETALHADORA DE SONHOS, ESTILO DO EQUINÓCIO... 』 — Sashi interrompe sua frase, parecendo exausta. Assim como eu.
E percebo um fato que me deixa desesperado: As pernas dela, tremendo que nem vara verde, estão translúcidas, certos traços já sumindo. O coração galopa dentro do peito. Droga... tá acontecendo de novo! Ela...!
— Sashi! — Me esforço muito para levantar. — Vamos... fazer isso juntos! Como da última vez!
Ela sorri e concorda.
— Certo! Estou contando com você, Calebe!
Assim como da última vez, sincronizamos nossos movimentos. Uma coisa só, um só ser, um só ataque. Tudo ou nada. E em uma só voz, gritamos:
—『RETALHADORA DE SONHOS, ESTILO DO EQUINÓCIO...
— Incrível! Que espírito de luta! Você é mesmo uma oponente respeitável, Musashi. — Ele muda sua postura enquanto continua: — Irei responder isso à altura!
— DIVISOR HORIZONTE PRIMAVERIIIIL!! 』
Sashi desfere um corte ao mesmo tempo que Yatsufusa avança com seu próprio ataque e ambos colidem, parando em direções opostas depois de golpearem com tudo. Os dois estão parados, congelados, as espadas em riste. O tempo parece parado, até mesmo o vento parece parar de soprar. Uma gota de suor desce da minha testa tão lentamente que eu fico a me perguntar se isso não seria um efeito da minha mente atordoada.
E então, quebrando o silêncio solene do mundo estático, a espada de Sashi tem sua lâmina partida, essa que cai no chão com um som ruidoso. A seguir, um jato de sangue esguicha dela... e de mim.
Nós dois vamos ao chão.
—『Oni no kata: Muken! 』
Não... funcionou. Ele... esse Yatsufusa é... forte demais. Estou apagando. Não consegui ajudar a Sashi. Não consegui fazê-la ganhar. Fomos completamente sobrepujados por ele. Ainda consigo vê-la no chão, no centro de uma poça de sangue enquanto desaparece lentamente. Droga, droga, droga!
— Você tem força de vontade e isso é louvável... — Ele vai até ela, posicionando sua nodachi na altura do pescoço da Sashi. Ele... ele vai... —, mas não é o suficiente. Quem não tem um propósito e um foco inabalável não pode vencer alguém como eu, que vive para se aprimorar na arte da espada! Você perdeu, Musashi...
Ele ergue a espada para dar o golpe final. Droga... eu não consigo... me mexer! Estou paralisado, ferido... droga!
Não, não! Alguém, pelo amor de Deus, salve a Sashi!
—... porque a vontade da sua espada é mais fraca que a minha!
— Não!
E um POOF atinge o estacionamento onde estamos, criando uma cortina de fumaça que nos engole completamente. Ouço, bem de longe, o som de roupa esvoaçando. Ouço grunhidos, ouço golpes sendo desferidos e bloqueados. Ouço o balançar da espada de Yatsufusa, mas não vejo nada. Toda aquela mistura de sons se embrenha na minha mente e me parece tão confuso que mal consigo discernir o que é e de onde vem.
Só consigo ver com meus olhos semicerrados uma grande sombra na minha frente, com algo debaixo do braço que percebo ser a Sashi. Ela... eu consigo senti-la ainda. Ela não foi morta. Alguém a salvou.
— Fi q u. e fir mne... Ca. L.e.e.vb.be.esse.ssdjsdf...
Eu não... não consigo mais me manter acordado. Ah, sim. Eu reconheço aquele rosto. Agora posso dormir sossegado.
Chegou na hora certa... velho.