Reino da Verdade Brasileira

Autor(a): Lucas Baldi


Volume 1

Capítulo 8: Impossível de escapar

— Simples assim? Por que eu? Melhor: quem é você?

— Cirlan disse: “Temos um membro que deve ter acabado de entrar na idade para fazer missões solo, chame por ele.” — Mais que filha da mãe. Tive apenas três dias de descanso e já estou sendo chamado para outra missão.

— Certo, certo. Não é como se eu fosse negar uma missão do capitão.

— Espero que um sem magia imprestável como você possa fazer isso direito —  disse Kairy, sua espada no pomo da espada em sua cintura. — Como você entrou mesmo no grupo dos Coletores? — Ele se fez de desentendido, mas logo fingiu se lembrar. — Ah, claro. Foi após apanhar para o Zelforne no exame!

— Eu não precisaria de magia para realizar essa tarefa melhor que um mero soldado como você — Desviei o olhar. — Se fosse bom, estaria patrulhando, ou em missão.

Kairy se aproximou e, aproveitando a enorme diferença de altura, me olhou de cima fixamente. Dei um passo e o encarei, apertei com tanta força as palmas que sangrou. 

Idiota covarde

Uma aura verde escura transbordou de seu corpo e um sorriso assustador se abriu em seu rosto, logo abriu os braços e juntou energia em suas palmas.

— Talvez eu deva te ensinar bons modos. Não ache que sua luta contra Zelforne foi alguma coisa, todos ainda conhecem você como um merda.  — Agora lascou. Eu queria desabar e chorar, a energia dele derrubou qualquer esperança que eu tinha, mas fazer isso aqui iria tirar o pouco de dignidade que me resta.

— Eu… acho que é melhor vocês não brigarem — disse o sujeito que me deu a missão, sua voz trêmula lhe entregou. 

Alguém com menos moral que eu. Hehe.

A minha sorte foi que o garçom resolveu se aproximar e perguntou o que estava acontecendo, sua aura era como um azul escuro e sua confiança inabalável. 

Ele confrontou um soldado nobre sem mais nem menos. Kairy apenas sussurrou algumas maldições enquanto saia. 

O garçom se desculpou e voltou a fazer o seu trabalho, enquanto o cara de sobretudo respirou lentamente de olhos fechados. 

— Bem, desculpe por isso. Admito que eu tenha falhado em tentar impedir.

Será que ele realmente poderia me matar sem sofrer nenhuma consequência?

— Não é a primeira vez. Prossiga com a missão… Digo, qual é o seu nome?

— Oh, nunca costumam perguntar. Eu me chamo Natael, é um prazer — Apertamos as mãos. — Neste papel tem tudo o que pode precisar — Ele me entregou um pergaminho. — O item que precisam que pegue fica no Bosque das Vozes, é uma fruta azul fosforescente com ótimo potencial para remédios de cura combinados com magia. Deve entregar isso diretamente a Aster no hospital de Karin. 

Esse lugar… Neblinas, vozes, olhos vermelhos. Eu definitivamente gostaria de ir acompanhado.

— E mais uma coisa: Deve ser uma missão silenciosa, ninguém pode saber que você foi e nem o que coletou. Portanto, faça silêncio e seja cauteloso ao máximo.

— Entendido, Natael — Suspirei, o clima estava ótimo para ficar na cama de ler. — Farei a missão. 

 

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Voltei para casa e iniciei os preparativos. Vesti minha roupa preta e rasgada de coletor, uma bolsa marrom e meu escudo de madeira e a espada de bambu. 

A missão parecia simples: chegar ao bosque das vozes e pegar frutas sem deixar rastros era algo que eu definitivamente podia fazer. Avisei aos meus pais que estavam indo e dei um abraço bem apertado em Emy. 

As árvores balançavam, os espantalhos haviam caído, as nuvens estavam com bastante pressa para chegarem ao seu destino. 

Correr sem voar como uma batata foi uma tarefa árdua, quanto mais perto eu chegava do local mais forte a ventania ficava. Meu físico costumava sempre estar na beira do limite, eu precisava usar cem por cento de cada célula do meu corpo, diferente dos outros que apenas fortalecem seus pontos fracos com mana. 

Por isso, meus músculos chegavam perto de se lesionar e tinham uma regeneração mais lenta, podia ser até pior dependendo do tamanho da fadiga que o atingisse. 

O Bosque das Vozes era um lugar que eu adoraria manter distância. Parei a pouco mais de cem metros e cada pelo do meu corpo se ergueu com a vista: uma pequena colina com vegetação densa, uma névoa que me tornava incapaz de enxergar a segunda leva de troncos, olhos vermelhos e pequenos monstros devorando grandes insetos. 

Engoli seco e, mesmo ouvindo o uivar de criaturas que eu desconheço, resolvi andar. 

Por que minhas pernas tremeram? Foco, Lumi. Talvez fosse covardia, mas tentei me incentivar mesmo sabendo que é impossível para mim me tornar uma pessoa incrível.

Como a Ellie… Oh, que vida.

Entrei na névoa, coloquei a mão sobre a árvore e puxei todo o ar que pude. O sujeito foi específico demais para essa missão ser silenciosa, devia ter algo neste lugar que eu deixei passar. 

Os ventos de repente cessaram, o único som que adentrava em meus ouvidos era o de galhos se quebrando sobre as minhas botas. Mantive a respiração controlada para evitar que meu coração batesse alto demais e um predador viesse me comer. 

Ouvi diversos boatos sobre criaturas surgirem aqui de vez em quando; sim, eu sabia que era raro, mas um goblin também era raro no alto do Pequeno Monte. 

O silêncio se manteve por um bom tempo, enquanto eu andava zelando cada passo meu. Notei alguns Pássaros da Noite pendurados sobre galhos brancos, grandes Aranhas-Trovão e criaturas do meu tamanho que possuíam uma pelagem cinza e olhos bem grandes — para piorar, elas eram bípedes. 

Apertei firme minha espada de bambu, senti meus lábios descerem e minha sobrancelha franzir. 

Que porra de lugar era esse? 

A única fonte de luz logo se pôs, e a lua surgiu cheia e plena no meio de nuvens escuras com um formato duvidoso. Naquele instante, a floresta se tornou um pouco mais barulhenta, chiados e rosnados podiam ser ouvidos claramente. 

A escuridão total se tornou minha maior inimiga. Agachei atrás de um arbusto e peguei um pedaço de madeira qualquer. 

Isso devia servir para fazer ao menos uma tocha. 

Passos pesados me desequilibraram, galhos grandes caíram, pequenos animais correram grunhindo desesperadamente. Eu me agarrei na árvore e escalei o mais rápido que pude sem pensar duas vezes. 

Tampei minha boca e me encolhi em posição fetal até que os passos se afastassem. Eu sabia! Se algo ruim pudesse acontecer, seria quando eu estivesse presente. De qualquer forma, eu tinha uma missão e precisava realizar. 

Me senti revigorado, levantei e coloquei as mãos na cintura. 

— Me aguarde! —Várias aves saíram voando com o meu grito gutural. 

Eu pulei com um grande sorriso e juntei meus pés para descer deslizando sobre o tronco, a adrenalina percorria ferozmente minhas veias. Mesmo quando eu caí com o rosto na lama e bati a barriga em uma maldita pedra, eu mantive a vontade de sair correndo. 

A ausência de som logo tomou conta do lugar de novo. Andei agachado o resto do caminho até ver um brilho azul fosforescente. Apoiei os braços na árvore e fiquei de pé, eu estava sujo e minha energia havia me abandonado, mas eu estava aqui. 

Adentrei em uma pequena clareira e vi uma infinidade de flores iluminando o local, formando um círculo perfeito bem em frente a uma caverna. As frutas estavam bem em cima delas. 

Sussurrei para mim mesmo que estava mais perto de completar a missão e abri a bolsa, eu só precisava coletar algumas e me mandar daqui. Mas, por causa do destino, uma aura escura assustadora veio da caverna, o que tornou ficar de pé uma tarefa complicada. 

Vozes surgiram de todos os lados. Seria difícil dizer se eram humanos ou espectros, mas a única sensação que vinha delas era agonia. Virei a cabeça à procura de qualquer ser vivo, mas não havia nenhum. 

Ao direcionar o meu olhar para a escuridão da caverna, eu senti algo me observando. Algo grande. Todos os pelos do meu corpo arrepiaram, eu me apressei e coloquei o máximo de frutas que a bolsa permitiu e corri. 

A lama me permitia deslizar na descida, alcancei rapidamente uma velocidade considerável e me toquei que frear era impossível quando vi um tronco caído bem no caminho. 

Ergui meu escudo de madeira e bloqueei o tronco, eu caí e rolei como uma batata e bati as costas em uma maldita pedra. Pensei — por um instante — em ficar aqui, deitado, esperar a energia voltar e prosseguir com meu objetivo.

 Infelizmente, os olhos vermelhos que eu vi no arbusto se aproximaram e se tornaram pequenas criaturas de coloração cinza, com pequenas garras com pontas quadradas. 

Os seres humanóides de olhos grandes apenas ficaram atrás de uma árvore ou outra, e, sinceramente, esses eram os que eu menos queria lutar. 

Levantei apontando a espada de bambu e rebati as garras de um. Sem ter tempo para me posicionar bem, precisei redirecionar o golpe de outra criatura, que havia pulado por cima do parceiro. 

Eles estavam revezando. 

A cada golpe que eu defendia era um passo dado para trás, meus ombros estavam cada vez mais pesados e tensos com o impacto, enquanto meus olhos começavam a desfocar dos ataques contínuos. 

Era uma boa estratégia, parecia servir para caçar presas grandes; longe de eu ser uma. 

Contei seis deles, eu precisava escapar. Quando dei outro passo para a retaguarda, posicionei a espada ao lado de minhas costelas e perfurei a barriga do pequeno ser. 

Como esperado, ele recuou e outros dois tomaram os ataques. Dei um rápido corte lateral para abrir distância e olhei de relance para trás. Meu escudo havia voado longe. 

Merda. Voltamos ao nosso jogo de bloqueios, só que minha arma estava com uma cara péssima. 

Ficar na defensiva… Eu tomava broncas assim o tempo todo, mas atacar… Por que diabos eu tinha tanto medo de atacar?

Larguei a espada no chão, respirei fundo e me posicionei. Afundei a cabeça de um deles no chão com um soco e, instantaneamente, senti algo acertar minha costela. Lancei um chute no estômago de dois e levei dois golpes simultâneos nas costas. 

Que garras do caralho. 

Virei-me para bloquear a próxima, mas era tarde demais; eles uniram as mãos, deixando todas as garras juntas, e acertaram um golpe conjunto na minha barriga. Eu voei até bater contra a árvore, abri os olhos que eu nem me recordava de ter fechado e cuspi um bocado de vermelho. 

Muitas lembranças vieram à tona, minhas emoções ficaram confusas. A cena do minotauro estava sendo repassada em minha mente como uma forma de torutra e… motivação. 

Os monstros estavam rindo, eles se aproximaram em sua formação bizarra.  Eu sabia que sem magia era impossível, era claro para mim a diferença. 

Então por que… por que eu levantei com um sorriso no rosto? Que empolgação era essa? 

O sangue escorria ainda quente pela lateral do meu rosto, meu cabelo estava colado na minha testa. As dores e as feridas perderam seu efeito de me afligir. Ergui os punhos e dei um grito gutural:

— Podem vir! 

Naquele exato instante, árvores caíram em chamas e um urso gigante pegando fogo apareceu. Seu pelo vermelho e branco, seus olhos amarelos semelhantes aos de serpentes e suas garras afiadas soltando faíscas. Eu gritei junto com todos esses malditos seres pequenos. 

Todos passaram por mim como se eu nem estivesse aqui, eles chegavam perto do meu peitoral… Eram um pouco maiores do que achei. 

Me preparei para correr e pus a mão no local onde minha bolsa devia estar. Desviei o olhar a procura dela, meu coração estava acelerado. Era certo que eu voltaria para casa de mãos atadas se falhasse em encontrá-la, isso iria manchar minha reputação como coletor. 

O urso estava arrancando uma árvore do chão apenas na base da força, infelizmente minha bolsa estava entre as pernas dele. Ele cuspiu uma rajada de fogo enorme, queimou todas as plantas ao redor e chiados ecoaram por todo o Bosque. 

Uma. Não, duas. 

Duas esquivas e eu podia pegar a bolsa, com todo o barulho causado pelos animais e pelo fogo eu tinha uma chance. Ele bateu na árvore próxima. Ela ardeu em chamas e ele partiu para outra, o fogo em seu corpo soltava pequenas ondas brancas. 

Era magia. 

Esperei o urso se afastar um pouco mais de três metros e disparei em uma corrida. Peguei meu equipamento e rolei para pegar a bolsa.

Coloquei as mãos nela e o gigante me viu, sua enorme garra flamejante passou a centímetros do meu rosto quando me inclinei para trás. Uma pequena faísca, semelhante a um ataque, me causou um corte na clavícula. 

Fiquei de pé, meus olhos eram prisioneiros dele, pois um único ataque era suficiente para tirar a minha vida. Sua garra veio de cima desta vez. 

Me joguei para o lado e vi uma rajada de fogo estourar o chão, a pressão me arremessou para longe e pude vislumbrar o seu lindo ataque circular criar um caminho dentre as árvores. 

Sorri, apertei firme a bolsa e — com um giro no ar — eu aterrissei. Saí do bendito Bosque e apoiei-me sobre os meus joelhos. Uma explosão quase me pegou, então resolvi correr para mais longe. 

Observei o cenário de árvores pegando fogo e diversos seres correndo e brigando. É como se eu nunca tivesse ido lá. Coloquei as mãos na cintura e andei em direção a Karin. 

Isso foi incrível, eu me senti tão vivo!



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Bati na porta três vezes. A médica abriu e arregalou os olhos ao me ver, logo seu queixo caiu e seus lábios se curvaram em um sorriso. Era a mesma que cuidou de mim antes. 

— Você está um horror, mas é bom que esteja inteiro, diferente da última vez... A missão foi bem sucedida?

— Sim. — falei, enquanto entregava a bolsa na mão dela. 

— Obrigada, de verdade. Aqui está a recompensa, coletor. — Ela me entregou um saco de moedas. Isso era muito dinheiro para um iniciante como eu. Por algum motivo, eu pude sentir a energia dela. 

Confortável, leve, honesta. 

— Disponha. — Virei-me de costas e ouvi a porta se fechar. 

Saí sorridente. A brisa bateu contra as minhas costas e meu corpo começou a tremer. As ruas estavam vazias, sujas de galhos e terra e mais escuras que o normal. Talvez os ventos tenham sido demais para a estrutura daqui. 

Dei um passo e a mesma sensação de quando esquivei de Zelforne surgiu, desacelerou tudo e uma energia negra se formou em minha mente. Sangue, mortes, um sorriso. 

Memórias? 

Minha visão se tornou a de outro alguém, a de uma pessoa observando minhas costas naquele exato instante. 

Puta merda. 

Voltei ao mundo e virei-me para trás. Meus maxilares doíam, e minha atenção estava toda na estrada vazia e nos telhados escuros. Perdi o controle da respiração há algum tempo, resolvi correr. 

O chafariz estava relativamente próximo, acelerei até conseguir alcançá-lo. Alguém estava aqui, eu sabia que estava. Escorreguei e bati com o ombro no chão. Um grunhido alto escapou, uma dor de cabeça me atingiu. 

Me impulsionei para cima e um punho adentrou em meu estômago, eu pigarrei e encontrei o solo novamente. Eu podia ver claramente agora; era uma pessoa de capuz verde, seu corpo inteiro estava coberto e uma sombra cobria quase todo o seu rosto. 

Ele estava sereno. 

Tentei me levantar, mas uma chuva de socos fez eu me arrepender disso.

Muitos golpes pesados em uma velocidade que eu meus olhos são incapazes de acompanhar, só me vi caindo de joelhos e senti lágrimas escorrerem. Tudo doía, algumas costelas pareciam estar fora do lugar, o sangue que saía dos meus ferimentos estava formando uma poça.

Eu ia morrer? Eu não queria morrer.

Puxei a espada de bambu e o ataquei, o indivíduo apenas ergueu o braço e minha espada quebrou. Ele levantou a perna e a cobriu com uma camada grossa de magia. 

Levantei o escudo, senti o impacto, o choque, e fui arremessado para longe. 

Uma dor nova surgiu, era na região do meu peito esquerdo. Tentei levar minha mão à região da dor, mas, assim como o meu escudo, o meu braço estava destruído. 

Minha visão estava borrada, minha garganta parecia seca. A dor no meu peito era psicológica? Um grito rouco fugiu da minha boca, e foi insignificante. 

Cadê a guarda? Qualquer um, por favor. 

Gritos internos, gritos externos. Eu berrei. Ficar de pé era quase impossível, as dores latejavam e estavam cada vez mais densas. Eu queria viver.

Emy… Me perdoe.  

— Você sobreviveu ao minotauro, ao goblin… — Sua voz grossa e sem vida me tirou do meu transe. — ao Zelforne… e ao urso. 

— Quem… é… você? 

— Que aqui seja o epílogo.

A energia escura concentrou-se na palma de sua mão, uma adaga, não, uma adaga foice, se formou. O golpe veio direto no meu pescoço, minha condição atual me impediu de desviar. Fechei os olhos, eu só podia esperar. 

Desvie. 

Uma voz? Eu ouvi ela antes… Quem?

Minha coluna se inclinou e a foice raspou no meu ombro. A boca dele se curvou para baixo, mais energia foi emanada dele e da foice. 

Ele tentou novamente, só que desta vez na minha perna. 

Mais uma vez eu desviei, e pude ver o seu rosto se zangar. Seus olhos eram vermelhos, sua feição era puro ódio.

Ele acertou na terceira tentativa. Senti o corte da clavícula até perto do umbigo, era pior do que a arma física. Entendi que era o fim. Meu corpo caiu no chão e a minha visão escureceu.

No fim estava tudo escuro, foi quando aquela voz feminina, pacífica e distante atingiu a parte mais profunda do meu ser.

Você pode me ouvir?





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