Volume 1

Capítulo 1: A Era do Futuro, Parte 1

As hélices de um veículo cortaram o céu azul. A serenidade, proporcionada por nuvens brancas, era dispersada pela movimentação de dezenas de helicópteros. O som da chegada de um esquadrão era como um alerta vermelho para todo o bosque sobrevoado, espantando as aves da região, enquanto preparava os humanos para uma punição severa. Em meio à presença de incontáveis árvores, uma única construção dividia a natureza. Uma torre de pedra funcionava como um sinalizador, reunindo a atenção de equipes aéreas e terrestres.

Operação de reivindicação da Relíquia da Morte. Esquadrão responsável: trezentos soldados.

A estrutura foi cercada por um grupo de homens armados. Equipados dos pés à cabeça, seus trajes prometiam uma proteção robusta, permitindo que todas as forças avançassem decisivamente pelo local. Posicionados de frente para uma porta de madeira, os soldados direcionaram todas as miras para a única entrada do edifício, o qual parecia ter décadas de existência.

— Se não saírem deste monumento em trinta segundos, iremos atirar.

— Vocês ouviram, pessoal. Larguem a relíquia e coloquem as mãos na cabeça.

Nenhuma resposta foi ouvida. Tomando medidas julgadas como necessárias, o esquadrão adentrou no interior da torre, arrombando a estrutura que os separava de seu destino. O silêncio se manteve no espaço invadido, onde três homens foram surpreendidos pela ofensiva repentina. Todas as armas foram apontadas para os pontos vitais de cada sujeito abordado. 

— Nós ainda não usamos essa coisa, mantenham a calma! — Os reféns tentavam cooperar.

— É isso aí! Não fizemos nada de errado. Apenas a encontramos!

Completamente alheio ao posicionamento de seus dois companheiros, o terceiro homem segurava a causa de todo o conflito. Um pequeno artefato branco — esculpido no formato de uma caveira — era escondido entre as suas mãos.

— Certo, soltem o objeto e tudo ocorrerá bem — disse o líder do esquadrão.

Cada dedo da figura ameaçada se entrelaçou com o tesouro misterioso. Alguém se recusava a largar o conteúdo requisitado. 

— A Relíquia da Morte, a mais poderosa de todas as relíquias, procurada por todo o mundo. Deve render um bom dinheiro, não acham? — comentou o portador atrevido.

O som de um disparo. Ecoando por toda a torre, o ruído da emissão do projétil alertou todos os que permaneceram de pé, enquanto aquele com o artefato caía sobre o chão de pedra. Um líquido vermelho escorreu pelo solo, afundando a caveira em uma poça de sangue. Pálido, como o objeto derrubado, o homem alvejado não conseguia mais se mover. Seus companheiros surtaram com a morte do amigo inocente.

— O que estão fazendo? Vocês Enlouqueceram!?

— Ele não havia feito nada de errado! Seus assassinos!

Liderando os soldados, o responsável pela operação não conseguiu tirar os olhos de seu objetivo. Seus ouvidos pareciam ignorar todas as palavras proferidas em sua volta, mas a sua boca sabia exatamente o que dizer.

— Vamos, pessoal. Peguem a relíquia.

Um membro do esquadrão atendeu aos pedidos de seu superior, caminhando em direção ao tesouro abandonado. 

— Está em nossas mãos agora. Seus registros dizem ser capaz de tornar imortal aquele que lhe utilizar. —  A equipe comemorou diante do item adquirido

— Depois de séculos… ela finalmente é nossa! — Os soldados não conseguiam acreditar na conquista.

O interior do monumento se assemelhava ao espaço de um encontro entre amigos. Pessoas que nunca haviam trabalhado juntas se abraçavam em plena harmonia. Aparecendo entre gritos cheios de alegria, partículas rosa surgiram através de um feito sobrenatural. Um portal se originou a partir de uma poeira mágica, se misturando ao clima festivo, como se um amontoado de purpurina estivesse sendo lançado pelos ares. A passagem mística formou-se bem ao lado da fonte de toda a felicidade. Saindo de dentro do transporte mágico, um jovem chegou nas proximidades da relíquia.

— Hehehe! Achei você!

Cabelos loiros se destacaram em meio aos capacetes de segurança, ao mesmo tempo em que um casaco de pano se opôs à resistência dos coletes à prova de balas. O garoto parecia ter saído direto de um passeio no parque. No auge de seus dezesseis anos, Roccan roubou o tesouro do esquadrão.

— O que? Quem é esse pirralho? — O líder não fazia ideia do que estava acontecendo.

Um brilho preencheu os olhos da caveira, o artefato iluminou o local para um novo confronto.

— Relíquia de ação: ativar!

As falas do garoto foram seguidas pelas ordens enfurecidas do comandante.

— Atirem! Todos, atirem nele!

— Ei, ei, esperem!

Fugindo com a Relíquia da Morte, Roccan segurou o precioso objeto, sem a intenção de deixá-lo para trás. Apesar de sua determinação, ele não era o único com tal objetivo. Centenas de balas foram descarregadas na direção do rapaz.

— A relíquia! Impeçam o moleque!

— Pretendem me matar!?

Apontando uma de suas mãos para o teto e a outra para os seus pés, o fugitivo criou dois portais, originados a partir de partículas rosas. A passagem foi utilizada para uma travessia rápida, levando o garoto ao teto da sala. Caindo pelo interior da torre, o usuário dos poderes místicos reposicionou os projéteis que tentavam lhe atingir, à medida que seu corpo se aproximava do solo.

O jovem desviava de todos os tiros com facilidade, utilizando suas habilidades para escapar em uma movimentação invejável. Esbanjando experiência de combate em cada gesto minucioso, ele parecia ter a certeza do que estava fazendo, mesmo nas menores ações. Um dos disparos acertou o tesouro roubado, derrubando-o dos dedos do ladrão, que imediatamente preparou um plano de retomada.

— Esperem! Isso é meu–

Infelizmente, ele não foi capaz de perceber o chão. Roccan faleceu, após uma queda dolorosa. O silêncio destruiu as expectativas de todos ali presentes.

— Ele…

— Ele morreu sozinho?

— Pegue a relíquia. Você, faça um encantamento temporário para garantir que não levem-a novamente. — O líder interrompeu os questionamentos desnecessários.

— Sim, senhor! — O homem instruído obedeceu, correndo rumo ao tesouro caído.

Carregando a caveira em suas mãos, ele proferiu palavras poderosas, mas estas não foram acompanhadas de nenhum brilho.

— Relíquia de ação: ativar!

— Excelente trabalho, senhores. — O superior declarou a vitória, relaxando de uma vez. — Enfim, conseguimos.

Mesmo após a conquista aparente, o soldado com a relíquia permaneceu quieto. Algo ainda o incomodava.

— Acho que tem algo de errado. Eu não obtive êxito. 

O comandante do esquadrão se aproximou do cadáver do jovem ladrão, analisando os seus batimentos em um rápido contato. O veredito da situação era simples.

— O que quer dizer? Ele está morto. 

— Eu não consigo fazer o encantamento.

— Isso não faz sentido! A única coisa capaz de impedir um encantamento é se outra pessoa já estiver usando a mesma relíquia.

— Então…

O corpo do garoto, que havia acabado de ser analisado, desintegrou-se em questão de segundos. Qualquer vestígio de suas roupas e pertences desapareceram junto com a ocorrência de tal fenômeno.

— Merda! O que está acontecendo aqui?

***

Brilhos azul e verde atraiam os olhares de quem direcionava a sua atenção para cima. O neon presente no ambiente era como a formação de uma aurora polar. Estrelas eram ofuscadas por luzes provenientes de incontáveis edifícios, cuja altura parecia invadir o espaço de um céu noturno. Em uma observação objetiva, o funcionamento de determinada cidade assemelhava-se ao de uma metrópole comum, mas possuía uma diferença crucial: os veículos, que ditavam o ritmo das ruas agitadas, dominavam tanto a terra quanto os céus. Diante de naves que transportavam pessoas para qualquer tipo de destino, Roccan não fazia ideia de onde se encontrava.

— Ah, eu morri?

Os pés do rapaz eram guiados por um tapete vermelho, se estendendo por um enorme espaço aberto. Trazendo ainda mais luminosidade — além da iluminação estonteante da cidade — para o grande evento, holofotes destacavam dezenas de itens espalhafatosos, todos posicionados em pedestais únicos. De frente para um empresarial, cujo tamanho se destacava mesmo entre os prédios mais altos, o garoto caminhava por uma grande exposição de objetos.

— Aqui é o céu? Que lugar incrível!

Uma voz era amplificada pelo uso de alto-falantes.

— Senhoras e senhores de todo o planeta, é com muita alegria que nos reunimos aqui hoje para a inauguração de uma nova sede da STONES!

Finalmente se permitindo perceber os arredores, o jovem notou a presença de outros indivíduos, todos de sua mesma espécie, porém banhados em pura tecnologia. O público se animava com o início do evento.

— Olhem só para esse lugar! Esse é o auge da humanidade!

— Eu nem sei para onde olhar primeiro. Isso vai além da minha imaginação!

— Com o objetivo de levar a humanidade a alcançar patamares nunca antes possíveis, estamos aqui para extrair o máximo da capacidade da raça humana! O futuro está bem na frente de vocês! — O apresentador continuou o seu discurso.

A concentração de Roccan chegou ao limite, seus pensamentos passaram a ignorar tudo o que chegava aos seus ouvidos, “são todos humanos? É impossível existir um país tão avançado. Onde eu estou?”

Cativando incontáveis espectadores através de palavras carregadas de empolgação, a voz no alto falante manteve o show funcionando.

— Esta exposição é apenas um gostinho de tudo o que podemos adquirir com o nosso poder! Diante de vocês, há artefatos que apenas nós possuímos, em todo o planeta! Objetos com propriedades que fogem da sua compreensão! Dêem uma boa olhada em uma pequena demonstração do nosso tesouro!!

Atordoado pelas novidades, Roccan se deslocava como um zumbi sem rumo. De repente, os olhos perdidos do jovem esbarraram em uma relíquia misteriosa, disposta para a exibição. As pupilas, que haviam se dilatado com o brilho do desconhecido, se focaram no único ponto que a mente do garoto reconhecia. Apesar de não saber detalhes sobre o objeto, seu cérebro nunca confundiria um destes artefatos mágicos. 

— Ei, aquilo é… uma relíquia!

Uma resposta imediata. Partículas rosa saíram das mãos de Roccan, que utilizou seus portais para se teleportar para cima do pedestal, onde o tesouro estava sendo exposto. Um campo de força protegia o item exibido, mas as habilidades do rapaz permitiram que ele simplesmente ignorasse este elemento, uma vez que se teleportou diretamente para dentro do ambiente protegido. Em uma altura considerável, ele chamava toda atenção para si, enquanto roubava a relíquia desconhecida.

— Quem é aquele cara?

— Um ladrão! Ele vai roubar um artefato!

“O que será que essa coisa faz? Até eu descobrir o seu tipo, é melhor não fazer um encantamento”, o jovem pensava, ao mesmo tempo em que agarrava o objeto com o símbolo de uma seta para baixo.

No exterior do campo de força, uma equipe de guardas armados cercou o pedestal. 

— Largue o nosso tesouro, moleque. — Uma voz grossa liderava o grupo. 

Vestindo um traje que revelava suas tatuagens através de braços transparentes, Tyler comandava os seus companheiros.

— Senhor, devemos desativar o campo de força? — Um dos subordinados fez o questionamento.

— Claro que não. Assim o pirralho vai tentar fugir. — Outro segurança o respondeu.

— Mas ele conseguiu entrar. Tem certeza de que está preso?

Deixando de encarar aquilo em suas mãos, Roccan finalmente percebeu os guardas.

— Oh, quem são vocês? Não me digam que também querem essa coisa!

— Isso já é nosso! Você é um criminoso?

— Hein? Se é de vocês, por que não estão usando?

— Já chega! Desliguem o campo de força e atirem nele! — Tyler perdeu a paciência.

Canhões de plasma foram apontados para o garoto, uma artilharia capaz de derrubar a maior das fortalezas.

— Eu nunca vi armas assim antes! Isso vai me matar?

O campo — que separava os guardas de Roccan — foi desativado, mas o ataque não ocorreu de imediato. Os soldados interromperam a ação, diante de um ambiente populoso. Sem saber o que fazer, civis se agachavam em uma reação rápida.

— O que estão esperando? Acabem com esse pirralho! — O líder ordenou.

— Mas, senhor, há pessoas nas proximidades, crianças.

— Que se danem! Recuperem logo essa coisa!

O rapaz, cercado, observou os cidadãos assustados.

— O que estão fazendo? Vão ferir inocentes!

Partículas rosa surgiram sob os pés dos civis, cobrindo a sola de seus sapatos como um abraço acolhedor. Os portais de Roccan salvaram as pessoas indefesas, levando-as para longe da confusão. Aproveitando o momento de vulnerabilidade do garoto, os guardas bombardearam o alvo distraído. O chão estremeceu com a simples emissão de cada disparo. 

— Droga, eu já morri uma vez hoje!

Um planador acariciava os céus, se aliando aos ventos noturnos em um contato gentil. Pairando por cima das cabeças de todos os guardas, uma garota ruiva agarrou o corpo do jovem em perigo.  A vítima do ataque foi carregada para fora do conflito, como se voasse junto com a sua salvadora. Proxie foi ao resgate de Roccan.

— Hã? Você voa?

— Silêncio, vamos nos esconder.

Granadas de fumaça formaram uma neblina espessa, envolvendo o ambiente em um mistério insondável.

— Caramba, você também é boa nisso!

— Calado! Eu disse para ficar quieto!

— Ah, foi mal.

Os olhos de Tyler não conseguiam mais identificar o alvo, porém seus ouvidos detectaram um ruído desagradável.

— Ali estão eles! Atirem na direção da voz!

— Como sabe que essa é a voz do garoto?

— Não sabemos. A chance é alta.

Os canhões seguiram a ordem de seu comandante, disparando contra os dois fugitivos. O projétil passou de raspão na garota, que foi protegida por um traje tecnológico.

— Isso é ruim, nos encontraram! — O garoto berrou.

— Não fale como se fosse inocente. É tudo culpa sua!

— E o que vamos fazer?

Proxie avistou um edifício repleto de pessoas, uma multidão caminhou pelo lugar, distante da confusão.

— A sua habilidade.

— O que?

— Use aquela coisa! Tire a gente daqui!

— Ah, claro.

A dupla pulou sobre um dos portais de Roccan, realizando a travessia para o local almejado.

— Droga, assim vamos perdê-los de vista! Vasculhem o prédio! Precisamos recuperar a relíquia! — resmungou Tyler.

***

A dupla perseguida se escondeu em meio à multidão. Escapando dos guardas enfurecidos, o jovem comemorava a vitória, descansando no interior da construção.

— Despistamos eles. Você é realmente boa nisso. 

— O que estava fazendo naquele lugar?

— Adquirindo uma relíquia, não é óbvio?

— Foi uma decisão idiota. Não importa a sua força, não se invade uma exposição da STONES sozinho.

— Por que estão colocando relíquias tão perigosas em uma exibição?

— Tem ideia do poder que essas coisas geram para uma empresa? Só de tê-las em um pedestal, elas assustam rivais e atraem o público.

— Que jeito estúpido de se usar uma relíquia. É um desperdício.

— Você é da resistência, não? Deveria entender algo tão simples.

— Resistência?

— Pare de brincadeiras. É claro que alguém como você conhece a resistência. Invadindo a inauguração de uma sede da STONE com um poder desses… o que mais você tem? Poderia ser bem mais útil trabalhando em grupo, sabia?

— Hehehe, quer saber do que eu sou capaz? Para a sua sorte, hoje eu consegui a minha segunda relíquia. Você nem vai acreditar sobre qual eu estou falando.

Roccan procurou pela Relíquia da Morte em suas roupas, mas não obteve sucesso em sua busca.

— Impossível! Como isso aconteceu? Eu perdi a relíquia!

— Você ainda tinha outra? Parece até um colecionador. Tem ideia do valor dessas coisas?

— Isso não pode ser verdade. Eu…



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