Volume 1
Capítulo 42: Gabrio Wisley
A chuva de destroços passou por cima do jogador, centímetros da sua cabeça. Em seguida, a explosão derrubou outro prédio, por onde quer que olhasse o caos se estabelecia.
— Iiiiihá! — gritou ele, quase em comemoração, aquele clima lhe agradava.
Sem cessar, as criaturas efetuavam abraços mortais com qualquer coisa que cruzasse seu caminho. Contudo, diferente das outras, sua intenção não era machucar, o objetivo consistia na libertação, para os Ursos Kamikaze, a mais pura generosidade.
Clin!
O jogador conseguiu 157 chaves!
Tempo restante: 26 min
Sem problemas, conseguiu achar outra chave escondida na neve. Afinal, uma partida daquele nível era piada de mau gosto do seu novo chefe.
— Que merda é essa?! — bramiu ele, ao ver o competidor cercado pelos ursos.
Havia algo diferente, aquele jogador de cabelos pretos, roupas juvenis que mal cabiam nele, estava protegendo uma idosa e um grupo de crianças.
“O que esse imbecil tá fazendo?!”, pensou o jogador, como de costume, penteando seu cabelo moicano, com as pontas tingidas de rosa.
O jogo era uma partida clássica de coleta, ou seja, ganhariam aqueles que estivessem com o maior número de chaves no final do cronômetro. Os monstros não passavam de distração, algo elaborado para retardar a busca do objetivo. Portanto, em um tempo tão curto como aquele, ninguém ousaria fugir da dinâmica da partida, seria a tentativa de suicídio mais que óbvia.
— Esse aí... vai morrer facinho! — debochou, aos risos.
Deu meia volta, buscando retomar sua caça as chaves. Contudo, sua parceira de equipe, a garota de pele bronzeada e cabelos curtos, observava estática aquela ação suicida. Do outro lado, alguns metros à frente, o jogador repleto de tatuagens acendeu um charuto, também de olho na cena.
Aos suspiros desanimados, retirou seu pente do bolso de novo, enquanto dezenas dos competidores se mantinham firme na coleta, aqueles três se distraíam, vislumbrando algo completamente inusitado e imprudente.
***
A idosa segurava firme a barra metálica que encontrou pelo chão, ao seu lado, as crianças começavam a reunir sua munição de bolas de neve.
Gabrio estava boquiaberto, a segundos atrás, a senhora tremia de medo. No entanto, sua expressão agora era de pura determinação.
Mas não era para menos, Anna era uma mulher que veio das ruas e, nessa vida, passou por incontáveis situações de risco, superando tudo com determinação e fé.
Por um momento, relembrou todo o terror da órfã perdida nas ruas de Toronto, travando sua mente, porém, não podia deixar aquilo dominá-la, assim como fez todas às vezes, lutaria por sua liberdade, daria o exemplo àquelas crianças, na busca de outro dia de sol, se não fosse para si, seria para os seus pequenos.
O cientista entendeu tudo aquilo, assim que viu o fulgor naqueles olhos.
— Anna... — chamou ele, com um sorriso singelo. — Volte... espere meu sinal!
— Mas... nós... — iniciou seu protesto.
— Por favor! Rápido! — gritou ele, vendo a aproximação dos ursos.
Anna ainda hesitava.
— Confie em mim! — pediu Gabrio.
A idosa engoliu em seco, mas fez o que disse, retornou com pressa para o veículo, por mais que sua intenção fosse nobre, Gabrio jamais permitiria que entrassem na luta.
“Se fizesse crianças e idosas lutarem por mim... tenho certeza que elas me matariam”, imaginou ele, a reação de Bel e sua mãe sabendo da situação.
Ao redor, os ursos estavam cautelosos, cientes do que aconteceu com seus parceiros, uma morte sem glória, devido ao descuido com aquele herege.
Gabrio respirou fundo, concentrando-se. Em segundos, as chamas azuis fluíram pelo seu corpo.
— Quem diria?! — resmungou, olhando por cima do ombro.
De olhos arregalados, Anna segurava firme o volante.
— Por sua culpa, vim parar em uma competição maluca... — continuou sua queixa. — Agora estou aqui... te salvando...
O cientista movimentou seus braços, soltavam o vapor frio do gelo. De súbito, a neve ao redor seguiu os seus comandos.
— Alguém tá brincando com nosso destino — constatou Gabrio.
Os blocos de gelo surgiram criando paredes por todo o local, as chamas azuis se intensificaram queimando por seu corpo inteiro.
A combustão azul durou trinta segundos.
Clin!
O jogador utilizou 90% de Energia Mágica!
RESTRIÇÃO!
Energia Mágica bloqueada!
As chamas se foram e a sensação de formigamento surgiu.
— Deu certo! — comemorou Gabrio, diante dele estava um túnel de gelo que se estendia por quilômetros.
Aquilo foi exatamente como imaginou, seus poderes tinham uma limitação, porém, o efeito da combustão amplificava seu alcance, uma vantagem evidenciava o porquê dos Expert’s serem considerados fora da curva.
Dependendo do caso, para um Expert, nem o céu era limite.
Por conveniência, Gabrio criou uma parede circular de gelo envolta deles, interligada ao túnel e alta o suficiente para impedir a visão dos ursos, mas não demoraria muito para ser superada.
— Escuta... esse túnel vai parar direto na praça — informou ele, aproximando-se da janela do carro. — Vá! Onde fica a clínica veterinária?! Vou procurar Mirian.
— Perto da estação, menino... eu não posso...
— Vai! Salva elas! — apontou para as crianças. — Deixa o resto comigo.
Anna assentiu e, com os olhos cheios de lágrimas, pisou no acelerador.
“Nesse momento... tá nas suas mãos”, pensou ele, o túnel tinha um destino, mas chegar lá dependia exclusivamente dela agora, entretanto, não se preocupava, o anjo da guarda daquela idosa parecia não descansar.
Gabrio puxou o celular e clicou na tela.
O jogador adquiriu 01 Pedra de Restauração!
Custo de 15 Medalhas
04 Medalhas Restantes
Deseja usar agora?!
Sim ou Não
Rapidamente, apertou o “sim” da mensagem. Seus recursos lhe permitiam comprar apenas uma, fato de ter gastado demais para se recuperar após os treinamentos da ruiva.
O jogador adicionou 15% da Energia Mágica!
Como esperado, os ursos saltaram o muro. Rapidamente, Gabrio manipulou o gelo para fechar a passagem do túnel.
— Desculpem, meus amigos, mas a brincadeira fica pra depois... — relatou ao correr, dando as costas para seus oponentes.
Não seria tão fácil, os ursos se lançaram na sua direção. Desviou do primeiro, que passou perto o suficiente para sentir o vento dos seus braços. Por sorte, as criaturas eram desajeitadas, suas pernas curtas favoreciam a fuga.
Aos plenos pulmões chegou próximo à estação de metrô, ao lado de onde tudo começou.
Gabrio estava na faixa de pedestre, no meio da rua e os monstros vinham pelos dois lados.
“Cinco pela esquerda e seis pela direita.” Avaliou suas opções. No entanto, não precisou atuar dessa vez.
O rapaz atropelava as criaturas, no carro completamente desgovernado. Como resposta, os monstros lançaram-se na sua direção, grudando no veículo.
— Cuidado! — gritou o motorista, histérico.
A explosão em conjunto dos ursos jogou o carro na direção de Gabrio, tentou montar a barreira de gelo, mas era tarde demais para desviar, foi lançado com força no vidro do prédio a frente, com o homem que lhe avisou.
Gabrio levantou tonto sentindo sua pele arder, caiu por cima dos estilhaços, o rapaz ao seu lado estava cheio de cortes e queimaduras.
O jovem de óculos redondos estava com os olhos estáticos, sem demonstrar qualquer reação.
“Uma pessoa normal morreria com uma explosão dessa.” Gabrio retirou seus óculos e fechou os olhos dele com a palma das mãos.
O barulho estridente do alarme o fez enrugar a testa, deu um passo apressado à frente e parou ao notar onde estava.
Um balcão com frascos de vidros contendo líquidos coloridos, alguns ainda borbulhavam na chama do bico de Bunsen, microscópios, placas cintilantes, seus olhos percorreram tudo em volta, sabia exatamente onde estava, foi em um lugar como aquele que passou metade da sua vida, um típico laboratório.
Um pequeno filme passou na sua mente.
O garoto que decidiu ser cientista aos oito anos, no entanto, com doze foi matriculado em uma escola militar russa.
Seu primeiro contato com o inferno...
Matando um leão por dia se formou, em seguida, fez de tudo para mostrar que merecia um lugar entre as mentes brilhantes da NASA, nesse caso, o renomado Dr. Harrisson Scott, que lhe apontou ter o potencial necessário.
Dentro do laboratório, recheado da mais alta tecnologia, Gabrio Wisley rapidamente virou destaque entre os maiores gênios do planeta.
Na ciência a busca pelo conhecimento é incessante, aqueles que provam do sabor de desvendar as leis do universo viciam em sempre querer mais, assim, foi a sede pelos mistérios da criação que levaram o jovem cientista a se dedicar de corpo e alma a uma única questão, saber a origem de tudo.
O inferno veio até ele novamente...
Gabrio avaliava as estatísticas, refazia os cálculos e surgiam diversas possibilidades, as forças da natureza eram regidas por um conjunto de leis, cada uma soberana no seu mais íntimo grau. Em contrapartida, juntas as forças naturais se anulavam, eram inconsistentes.
“Como podia algo separado ser verdade absoluta e juntas se tornar um conjunto de mentiras?”
Com base nessa pergunta, sentia que estava cada vez mais próximo da Teoria de Tudo, achar aquilo que faltava, a única equação capaz de explicar o incompreensível.
Por anos a fio... sem resultado nenhum. Se essa equação existia, Deus a escondeu em um cofre que a humanidade estava longe de decifrar a senha.
Gabrio Wisley, perdeu a mãe que lhe apoiava em uma catástrofe, o mentor que o protegia para um infarto fulminante e o pai que o desafiava foi levado pelo câncer.
Em um curto tempo, sofreu tanto que foi expulso do inferno, não havia mais nada para fazer lá.
O cientista genial... desistiu.
— Por quê?! Qual sentido disso?! — reclamou Gabrio, imaginando que alguém oculto estava lhe ouvindo.
Brauuuun!
A explosão que balançou a estrutura foi sua resposta, lhe trouxe de volta a realidade.
“Já que me deram os limões...” Aquela competição fazia toda a lógica que sustentou por anos parecer piada, mas não era o momento para se distrair.
O cientista foi até ao armário mais próximo, haviam vários elementos químicos em potes, com precisão, dosou os materiais em vários frascos pequenos, abarrotando os bolsos com diversas amostras.
Miau!
Gabrio interrompeu o furto, virou a cabeça lentamente para algo parado na entrada da área estilhaçada.
As listras pretas não deixavam dúvida. Do lugar, dando voltas agitada, Luz, a gata protetora lhe observava.