Volume 1 – Arco 2

Capítulo 20: O Fardo De Uma Mãe



Aviso: Esse capítulo pode conter gatilhos com assuntos sensiveis como aborto.

Caso possua gatilhos, desaconselho a leitura.

-A autora

 

 

Desde a partida de Elia a quase dois meses, o palácio real ficou em silêncio.

Um silêncio quase fúnebre, cheio de incertezas, com apenas uma única pergunta pairando no ar, uma pergunta que ninguém tinha coragem de sequer falar: Será que ela vai sobreviver?

De longe a mais afetada era a Rainha Elengaria, seu corpo já magro parecia ainda mais, o rosto antes cheio de vida e alegria de sua filha ter nascido, agora exibia uma sombra incerta de quem se recusava a perder a esperança.

E as pessoas comentavam.

Ela fingia não ouvir os sussurros de pena, alguns até de repúdio: Como podia uma rainha sequer conseguir ter um filho saudável para o rei? Muitos agora questionavam, mesmo que silenciosamente, a escolha do rei sobre sua esposa principal, aos poucos parecia que uma divisão invisível começava a se estabelecer, os que defendiam a rainha, outros que diziam que ele deveria tomar uma das duas consortes como rainha titular.

Aquilo doía.

Sabia que após Eliassandra não poderia ter mais filhos, a gravidez da pequena já foi complicada, e antes dela perdeu outras crianças, não poderia arriscar tentar ter mais um. Não sabia se iria sobreviver.

Não era forte fisicamente como Ana Bael, ela sim poderia ter muitos filhos, e nem tinha a influência acadêmica de Leopolda, filha do grande diretor da academia de escribas, mas tinha uma família nobre, e por isso seu relacionamento com Ricardo foi apoiado.

Mesmo que nunca tivesse sido ela a escolhida.

Lembrava de sua infância, sua saúde sempre frágil, passar dias de cama por conta de uma doença que lhe roubava o pigmento da pele e dos cabelos, e nenhum médico sabia explicar como aquilo acontecia.

E talvez fosse esse título nobre de sua família que lhe salvou de ser deposta como rainha nos três primeiros anos e a primeira perca de bebê.

Ainda lembrava de sangrar sem saber o que fazer, sem ninguém poder ajudar foi a pior sensação que teve, mesmo com todo o amor que Ricardo tinha por ela, ainda se ressentia de si mesma por isso, nunca iria se perdoar pelo seu filho perdido. 

Mas aquele era um sentimento que apenas ela saberia lidar.

Aquele momento lhe marcou tanto que às vezes sentia aquelas pontadas violentas no seu ventre, sentia que sangrava, mas não tinha nada ali, foi um trauma que ainda lhe perseguia, e ainda iria perseguir.

Aquele sentimento de culpa que a corroía, e agora sua filha nascida após tantas perdas estava longe, doente, de algo que não sabia explicar, ninguém sabia.

A pequena estava longe de si, não sabia o que estava acontecendo, se ela tinha esquecido de sim, se estava viva, e os comentários não ajudavam!

“A Rainha infertil” fora substituído por “Rainha Frágil” uma mulher que não conseguia ter filhos agora uma mulher que não conseguia gerar filhos fortes, os boatos começaram quando souberam que Eliassandra não tinha contato com magia, afinal seus dois irmãos mais velhos eram gênios.

Ian com seus quatro elementos, sendo tão parecido com o pai em batalha, não, uma cópia exata de sua mãe, a bailarina do campo de batalha, e Ferrer, com seus estudos sendo portador da aura celestial, esperavam que Elia fosse ao menos mediana.

Mas não.

Ela não tinha magia nenhuma.

Para Elengaria foi ótimo, afinal nunca iria precisar ser afastada da filha, mas para os outros não era suficiente, a criança de pouca idade tinha metas a bater, tinha que ser do mesmo nível que os irmãos, ou superior, e a criança… Não era.

Aqueles questionamentos e culpa começaram a pesar sobre a rainha, adoecendo, e agora sem sua filha, sequer tinha algo a se agarrar.

E não bastando isso ainda precisava lidar com sua irmã, Vivany, Duquesa das Terras do Sul, tinha vindo para o castelo, com a desculpa de fazer companhia a sua irmã mais nova, mas tudo que fazia era desfilar por aí com roupas chiques, tentar dar em cima do rei quando tinha oportunidade, e claro: fofocar com outras damas da corte.

Podia ouvir aqueles saltos irritantes pelos corredores, sua risada arrogante e seus comentários passivos - agressivos sobre si e toda sua maternidade conturbada.

Nada estava bom para ela, o peso, os cabelos, a pele, a roupa, tudo era motivo para alguma “crítica construtiva” por parte de sua irmã, que disfarçava dizendo que era tudo para o bem dela, mas sabia que só queria minar sua saúde mental, e estava conseguindo.

Já tinha pego ela fofocando com Ana Bael e Leopolda sobre como Eliassandra era pequena e era óbvio que não resistiria, mesmo que as duas consortes desconversavam, aquele sentimento ainda remexia dentro de si, a ideia que as duas que chamava de amigas, aquelas duas que choraram com suas perdas e comemoraram a gravidez, mesmo que uma delas era mais distante, se voltarem contra ela…

Tomarem não apenas o reino mas seu Ricardo…

Era apaixonada por Ricardo desde que o viu pela primeira vez.

Na época não deveria ter mais de quinze anos, Ricardo era um pouco mais velho, tinha vindo visitar o ducado da família pela primeira vez, o antigo rei ainda estava vivo, acabou recebendo a família real sem querer.

Estava sentada num dos balanços, numa tarde nublada quando seus olhos lilases encararam os vermelhos sangue de Ricardo, foi um sentimento arrebatador, algo que brotou dentro de si explodiu.

E dali o relacionamento apenas cresceu.

E agora parecia pagar o preço pela sua desobediência, já que ela nunca deveria ter casado com o futuro rei e sim sua irmã.

Irmã que agora parecia estar ali apenas para acabar com sua paz, que já não existia, e ninguém parecia notar.

Era uma dor silenciosa, que não podia mostrar, todos já estavam tensos demais com a situação da sua princesa, não deveria falar mais sobre isso.

Sentiu uma mão em seu ombro enquanto estava com o olhar focado numa janela qualquer, mesmo que seus pensamentos estivessem longe, e por isso deu um pulo de susto, ficando mais tranquila quando percebeu que era a mão calejada de Ana Bael:

— Bom dia Elen, quer dar uma volta pelo jardim? — Perguntou sorridente para Elengaria, a chamando pelo apelido.

Ana Bael era uma daquelas pessoas que tinha um sorriso quente e acolhedor, era quase como se pudesse contar seus maiores problemas para ela que ela iria escutar sem julgar, a presença dela deixou tudo mais quente e calmo para Elengaria, um pouco de felicidade e paz no turbilhão que estava a mente dela nesse momento:

— Na verdade eu adoraria, Ana. — Sorriu mais aliviada.

A mais baixa sorriu, segurando o braço da rainha e começou a andar com ela em seu enlaço:

— Sabe, a Leopolda é um saco, ela tá estudando, de novo! — Começou a puxar um assunto qualquer para distrair Elengaria.

Ana Bael e Leopolda estavam traçando planos para distrair a rainha, mesmo que em tese eram concorrentes, mas no fundo nenhuma das duas queria o trono.

Mesmo afastada do campo de batalha, Ana Bael era conhecida por treinar rotineiramente, como consorte tinha essa liberdade, coisa que ao ser dita como rainha não poderia, pois tinha uma série de regras para seguir.

Ela ainda era uma guerreira, foi por isso que Ricardo se apaixonou por ela acima de tudo.

Lembrava do dia que ela recebeu a proposta de seus superiores, Ana era uma garota órfã, não tinha família e ascendeu com muito mérito no exército real e depois em campo de batalha, ganhando várias medalhas e títulos, um deles, o mais famoso, era “Bailarina Executora” por seu estilo de luta rápido e sempre certeiro.

Era uma das poucas mulheres no exército, e também um dos poucos que não tinham uma aura definida, o que normalmente era um problema, mas para ela não, nunca foi, mas claro, que seus superiores, um deles que já a considerava sua filha que nunca teve, se preocupavam.

Então quando essa proposta apareceu eles a encorajaram àquilo, e ela aceitou, com uma única condição: Ele precisava derrotar ela.

E pela aliança que usava no seu dedo, já dizia qual foi o resultado do embate.

Aquelas lembranças faziam Ana Bael sorrir, mas mesmo virando uma esposa e mãe, seu senso super protetor daqueles que amava, e Elengaria se enquadrava naquilo.

Tinha notado o comportamento das pessoas ao redor, tratando como se a situação da filha dela fosse culpa da rainha, e aquilo lhe irritava profundamente.

Acompanhou de perto o sofrimento da amiga perdendo um dos bebês, aconteceu pouco depois de seu casamento com Ricardo, não fazia tanto tempo que Elengaria anunciou suas suspeitas de gravidez, nem barriga tinha ainda, mas ela estava feliz.

Aquela felicidade deu a Ana Bael um sentimento bom e genuíno, deixou a mulher mais tranquila em relação à maternidade.

Então veio a fatídica noite.

Andando pelos corredores após um treino de espadas ouviu o grito de Elengaria, correu para o quarto da rainha a encontrando de joelhos com sangue ao redor de si e na sua roupa, mesmo sendo uma soldado de guerra, nunca viu tanto sangue perto de uma única pessoa. Engolira seus sentimentos naquele dia para ajudar a rainha.

Chamou médicos, ajudo-a a limpar tudo e passou as semanas seguintes junto com Elengaria, cuidando dela, talvez por aquela experiência horrível demorou para engravidar, tendo medo de ter algo parecido como o dela.

As duas esposas chegaram aos jardins sempre bem cuidados do castelo, não tinham nobres perto, apenas um grupo de criados que cuidava do local, deixando tudo funcionar bem:

— O sol está lindo hoje, não acha rainha Elengaria?

— Sim, está sim. — Elengaria sorriu.

Lembrava que foi em um dia desses que viu sua filha acordada pela última vez, antes de castigá-la por defender uma amiga, aquele pensamento lhe fez parar:

— Ela odiaria sair num dia desses.

— E Ian iria arrastar ela para correr no sol. — Ana Beal declarou sorrindo.

Tentavam amenizar o clima tenso e pesado, arrancando uma risada da rainha, o sorriso até ficou mais aliviado com aquilo.

Elengaria mesmo sendo uma mulher mais reservada e tímida, ainda exalava elegância e respeito, mas agora parecia uma sombra do que um dia foi, não entendia o que ela passava, sua gravidez com Ian foi algo sereno, com todos ao seu redor lhe cuidando, e bem Ian é uma criança saudável e forte, não tinha o que reclamar.

Caminharam pelo caminho de rosas até a estufa real, onde apenas a família poderia entrar, era um hobbie especial do rei Ricardo, em contrário do que imaginavam, ele adorava jardinagem. Dentro do local tinham as mais diversas  plantas, algumas muito raras, outras mais comuns.

O cheiro de verde e das flores era maravilhoso, um local de paz que Ricardo sempre vinha para se distrair, se acalmar, e agora estavam ali com o mesmo objetivo.

Elengaria se sentou num dos bancos que estavam a dispor delas, não se sentou de um jeito elegante, aproveitou que estava ali sozinha com Ana e se jogou no banco, como se sentisse todo aquele peso finalmente fazer seu trabalho.

Se sentia pequena. Impotente.

Passou as mãos pelo rosto, sentia-se fraca, mais magra visivelmente, tentou parecer mais digna.

Mas o choro veio.

Um choro de início silencioso, mas depois começou a tremer com soluços violentos, Ana não falou nada, apenas passou os braços ao redor da rainha, contendo seu corpo que tremia.

Não havia o que fazer, era uma situação atípica para todos, não conseguia falar nada para ajudar sua amiga, apenas sua companhia, não sabia se bastava:

— Eu só quero minha menina de volta. — Elengaria finalmente conseguiu falar entre lágrimas e soluços. — O que eu fiz para merecer isso? Por que?

A pergunta machucava, não sabia responder.

Elengaria era uma pessoa boa, uma pessoa amável, por que ela tinha que passar por esse sofrimento todo? Era tão injusto.

Já foram um reino castigado pela guerra, e agora uma mulher inocente sofria não só para gerar filhos, mas também com sua filha agora longe com uma doença que sequer conheciam, sendo tratada por um médico estranho de outra raça.

Aquilo já era angustiante para si, nem imaginava como Elengaria se sentia, e ainda mais com aqueles comentários péssimos e sussurros que percorriam o castelo real, duvidando de sua capacidade como rainha. 

Após longos instantes chorando, colocando suas frustrações para fora, deixando o corpo menos pesado, mas seu coração ainda estava cheio de dor, afinal sua filha não estava em seus braços, e ainda não sabia se ela estava realmente bem, mesmo com as atualizações de Quevel, algumas eram apenas “a princesa está saudável, mas ainda não acordou”. 

A cada nova atualização seu peito afundava.

Um pedaço de si quebrava.

E se sua querida filha não acordasse?

E se ela morresse?

Não queria se preocupar com nada fora sua filha, mas sentia medo de ser deposta como rainha e uma das consortes assumir seu posto, ou pior! Sua irmã!

Ser afastada de seu marido e de sua atual família era horrível, mas tudo dependia apenas da recuperação de uma criança de quatro anos com uma doença desconhecida.

Encostou o corpo em Ana, que ainda fazia carinho nas suas costas, sua respiração aos poucos ia ficando melhor, mas depois daquele choro todo, o sono parecia querer tomar conta de si, mas uma voz fina e aguda chamou atenção das duas ladys:

— Rainha Elengaria, Lady Ana Bael, o rei Ricardo solicita a presença de ambas em seus aposentos.

Chamar as duas assim? Só poderiam ser notícias ou dos dois filhos que estavam na academia de magia… Ou da princesa Eliassandra.

Elengaria se levantou num pulo, praticamente correndo na frente, seus sapatos fazendo barulho no chão, Ana estava logo atrás, percorrendo os corredores até o grande quarto de Ricardo.

A albina sequer bateu, abrindo as portas com tudo, lá dentro Ricardo já estava na companhia de Leopolda, que se levantou de onde estava sentada para ir até a rainha:

— Elen, por favor se sente. — Pediu.

Mesmo que Elengaria não quisesse, cedeu, se sentando na cadeira enquanto Ricardo não olhava diretamente para ela, em suas mãos, segurava uma carta, e estava tremendo.

A cena fez o coração das três apertar.

O que tinha acontecido? Por que ele estava assim?

— Milorde? — Leopolda chamou.

— Por favor Ricardo, pare de suspense. — Elengaria pediu.

— Ela acordou.

Aquelas palavras caíram sobre as três, se entreolharam sem acreditar, como?

— Eliassandra, nossa filha… Ela acordou.

Ana Bael levou as mãos a boca com surpresa, Leopolda soltou o ar em alívio, Elengaria voltou a chorar, dessa vez de felicidade:

— Ela… Oh deusas, muito obrigada. — Ana agradeceu juntando as mãos.

— E quando vamos poder vê-la? — Leopolda perguntou.

Elengaria respirou fundo, tentando parar de chorar para prestar atenção na conversa, queria ver sua filha! Onde estava ela? 

— Vamos partir amanhã para encontrá-la, numa comitiva discreta. Quevel mandou a localização onde estão.

— Vamos arrumar tudo, Elen, ela vai voltar pra vocês. — Ana abraçou sua amiga.

Leopolda era mais fria, mas sorria minimamente, estava feliz por ter aquela criança esquisita de volta, mesmo que ela tenha tomado o trono de seu filho, gostou de ter uma boa notícia sobre ela.

Mas claro que nada se comparava a felicidade da mãe da menina, que ainda estava agarrada a Ana Bael, mas logo foi abraçada por seu marido também, mas ele ainda tinha todo o cuidado para não machucar o corpo magro e frágil de Elengaria, ela precisava de cuidados, mas esses cuidados dela só poderiam começar após Eliassandra estar segura e bem em casa.

A sua garotinha iria voltar aos seus braços, não importava se ela teria ou não magia, o que importava era que ela estava acordada e bem. Repetia que sua menina voltaria para casa, e logo teria a felicidade de volta.

Não demorou para aquela boa notícia se espalhar pelo castelo, aos poucos uma felicidade parecia brotar no local para todos, até os que eram contra à Rainha, apenas uma pessoa parecia aflita com aquela notícia, uma única pessoa.

Vinany não estava feliz. 

Pelo contrário, parecia irritada com a notícia, andava de um lado pro outro dentro de seu quarto, pensando em como aquela notícia não poderia ser pior.

Tentava uma aproximação com Ricardo, mas ele parecia uma porta em relação a ela, isso quando ativamente não a evitava.

Leopolda era fria como gelo, sempre que se aproximava sentia como se a consorte não a quisesse ali, e talvez não quisesse mesmo! Sempre dava respostas curtas e às vezes grosseiras.

Já a Ana Bael era a pior, ela demonstrava claramente que não gostava da irmã da rainha, dando respostas grosseiras, olhares irritados sempre que estava por perto.

Ao menos conseguiu contato com alguns nobres, alguns que compartilhavam a antipatia pela rainha, talvez eles pudessem ser úteis em algum momento, mas agora…

Agora estava recebendo a notícia que aquela pirralha fedorenta estava voltando, só torcia para que não estivesse bem, talvez pior do que foi, torcia por isso, se aquela pirralha realmente voltasse bem, qualquer plano que tinha seria arruinado por ela.

Não conseguia esquecer aquele olhar presunçoso que mais parecia que sabia de tudo, e não que era apenas um bebê!

Mas agora… Agora precisava de um novo plano de ação.

 

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