Volume 1
Prólogo
Em um piscar de olhos, a escuridão foi tomada por uma incansável luz, tão intensa que obrigou a fiel a cerrar as írises âmbar, brilhantes como o clarão que castigava sua vista. Com a mão protegendo os olhos, ela se levantou, acompanhada por dores que se estendiam a cada músculo de seu corpo.
Ela se viu num cenário completamente oposto ao que se encontrava antes das trevas tomarem sua visão: em uma clareira numa densa floresta de pinheiros ao pé de uma imponente montanha, na qual o sol escalava o pico nevado para iluminar o mundo abaixo.
“Isso é...” pensou, mas foi interrompida por um estrondo vindo logo acima de sua cabeça.
Seus olhos se arregalaram diante da visão de um céu estilhaçado, com rachaduras profundas se unindo em uma fenda luminosa de fim inalcansável. O abismo luminescente fez os céus tremerem e, então, começou a regurjitar algo que a mulher somente poderia descrever como “estrelas cadentes” que, apesar do violento nascimento, atingiam o solo com graça, abandonando a luz dourada de criação para revelar algo que a fez compreender a situação.
Rostos familiares, dezenas deles, todos vindos do mesmo lugar, da mesma terra, muito distante daquele mundo e sua fronteira paradoxal. Quando o número de pessoas caídas atingiu a casa das centenas, a fratura no firmamento cuspiu uma última estrela, essa que se desviou do caminho e rasgou as nuvens além das árvores, mais distante do que a espectadora eufórica podia acompanhar.
— Ela conseguiu! — Sua comemoração, embora alta, foi sufocada pela melodia mecanizada vindo da fissura radiante.
Com o fim do som, a fenda colapsou em si mesma, fechou a passagem que levou todos até ali e deu lugar a um céu claro e limpo, como se a chegada deles nunca tivesse sequer ocorrido. A mulher de olhos âmbar sentiu um toque no ombro que a tirou de seus devaneios. Girou o pescoço para trás, aliviada ao encontrar um velho amigo.
— Altair, vejo que está em boa forma — brincou, arrancando uma risada seca do homem.
— Ha! Não dê esperanças a este velho, Amber. — Sua fala foi seguida por um sorriso de canto da colega. Assim, o grisalho continuou: — Sabe se todos chegaram em segurança?
— Só vamos saber depois de olhar. Eles devem estar nos arredores do bosque, vamos nos separar e reunir todos aqui.
— Você tem dez minutos.
— Isso não é uma corrida, droga — reclamou, prosseguindo em executar o combinado.
— Sempre é uma corrida contra o tempo. — Ele afirmou, já distante demais da amiga para que esta ouvisse.
Como estipulado por Altair, todos os cultistas estavam reunidos na clareira em poucos minutos. Os dois líderes se encontraram em resolução, como planejado. Antes que pudesse falar qualquer coisa, o homem surpreendeu a fiel com uma pergunta:
— Você encontrou a “Chave”? Não achei ela em lugar nenhum.
Amber desviou o olhar em uma tentativa de esconder a pressão que caiu sobre si. Temia gaguejar diante de uma mentira, ainda mais naquela situação. Com os ombros baixos, ela voltou a encarar o parceiro, dizendo:
— Não a vi em lugar nenhum, pensei que estivesse contigo.
O homem soltou um longo suspiro, apertado o meio das vistas para destilar a frustração. Ele logo se recompôs, mantendo o semblante sério.
— Não temos tempo pra isso... — murmurou ele, antes de continuar com um tom elevado da voz: — Pessoal, temos um problema! — Sua fala capturou a atenção de todos no mesmo instante. — Uma de nós, Emma, não está presente, possivelmente se perdeu na mata ou mesmo mais longe, alguém se disponibiliza pra uma busca?
De imediato, uma mão se ergueu na multidão, indo à frente para se revelar aos dois líderes, que compartilharam do mesmo receio ao virem quem estava se oferecendo.
— Esther, você tem certeza? — A líder perguntou quando a loira chegou mais perto.
Antes que a zelote pudesse responder, Altair interviu com uma tosse forçada.
— Deixe a garota mostrar sua dedicação para a causa, Amber. — Ele então pôs os olhos na voluntária. — Se não a encontrar em duas horas, volte e nos avise, partiremos ao entardecer. É de suma importância que você retorne com aquela garota, entendeu?
Esther balançou a cabeça de acordo, prontamente correndo para além das árvores. Amber suspirou, conformada com a inevitabilidade da situação. Tudo que lhe restava era rezar para que o plano seguisse como esperado
Do outro lado, muito além do bosque, o cometa áureo que carregava a jovem sobrevoou as planícies verdejantes em rota de colisão, aos poucos perdendo o brilho dourado para revelar a garota ainda adormecida, alheia à situação em que estava.
Em seus sonhos, ela revivia aquele dia incontáveis vezes, memórias de horas antes de chegar a Yharag, antes mesmo de atravessar a fronteira entre a vida e a morte; quando ainda era uma pacata universitária que desconhecia as consequências de seus atos.