Volume 4
Capítulo 217.3: O Doce Aroma Da Carniça
Mas, o pelotão de Amélia precisou parar antes de alcançar o seu objetivo.
O motivo? Na verdade, nem eles sabiam exatamente o que acontecia ali. Temendo o desenrolar dos acontecimentos, Orcus deu ordem para seus guerreiros agruparem-se com os de Amélia.
Sem explicação, os soldados zumbis inimigos iniciaram uma matança horrenda, e o mais surpreendente era que estavam atacando uns aos outros.
Braços, pernas, cabeças, sangue de aspecto arroxeado incomum e vísceras repugnantes — tudo isso se espalhava pelo campo de batalha, deixando os guerreiros de Sophiette cada vez mais confusos.
Os inimigos dos jovens humanos tornaram-se seus estômagos, eles travavam uma luta voraz para não colocarem o lanche comido antes da batalha para fora. Como esperado de pessoas não habituadas à guerra e à matança.
Não demorou muito para um pensamento nada agradável surgir do fundo da mente de Amélia.
Foi quando estavam em Eragon, na luta contra Azazel van Elsie. A demônia sacrificou metade da população da Cidade-Estado para invocar o Espírito Ceifador.
A mulher terrível tinha em suas mãos poderes hereges que iam contra todas as leis naturais, o que ela podia estar planejando ao sacrificar todos os soldados enviados? Se a morte de muitos vivos invocava o Espírito Ceifador, o que esse massacre de zumbis traria?
A resposta para essa dúvida nunca veio.
Após os últimos zumbis serem exterminados pelo próprio Orcus, todos os pelotões se aproximaram e encararam o terreiro de vísceras com o cenho franzido e a respiração irregular.
— O que aquela demônia tava pensando? — falou Orcus, sentido a viscosidade do sangue arroxeado em abundância no chão. — Mandar soldados apenas para eles se matarem em nossa frente… isso assumindo que ela já sabia da nossa emboscada.
— Ela queria me deixar puta, isso sim — murmurou Ana, a bruxa de Rank B. — Porra, eu tava doida pra brigar e a desgraçada me apronta isso, eu podia lançar um feitiço em Andeavor como vingança.
— Eu sei que é frustrante, Ana, mas por enquanto precisamos avisar a todos que a luta acabou, dizem que esses aventureiros de Vim são bem delinquentes, então, talvez, eles possam ficar bem irritados quando… — Amélia parou de repente e encarou todo o cenário com uma expressão estranha. — Que… que cheiro é esse?
— Isso me lembra a comida caseira da Selena. — Orcus suspirou. — Quem é que tem as entranhas de ferro pra comer nesse campo de batalha? — comentou varrendo todo o cenário, mas não encontrando o culpado pela essência agradável no ar.
— Na verdade, é o cheiro dos bolinhos da Ari. — Ana pôs a mão no queixo. — Armadilha?
— Com certeza — informou o homem que liderava os soldados. — Todo mundo, recuar, isso é coisa daquela demônia. A nossa batalha ainda não acabou… Ei, pirralho, que diabos você tá fazendo?! — bravejou Orcus ao ver aquela cena de revirar o estômago.
Um dos jovens do pelotão de Amélia estava ajoelhado, quem o visse de longe diria que estava apenas orando pela alma dos soldados mortos, talvez ele estivesse fazendo isso no início, mas acabou, de alguma maneira, com isso na boca.
O rosto sarnento do jovem recruta estava tingido da cor mórbida do sangue dos zumbis. Por mais inacreditável que fosse aquela ideia, era a verdade, o garoto comeu a carne do zumbi, e não foi pouca.
Exatamente ali, onde ele estava ajoelhado, havia um corpo, no entanto só restavam algumas vísceras e o rastro do sangue liguento. O que estava nas mãos do recruta era nada mais que o pênis do zumbi que estivera ali anteriormente.
— Q-que porra! — gritou Orcus, um tapa dado por reflexo na mão do garoto fez essa coisa asquerosa rolar pelo chão. — Você vai ser punido quando… Ei!
Como um usuário de drogas vendo sua última pedra fugindo, o jovem jogou-se na terra suja como um louco, mas logo ignorou a parte repugnante ao notar que caiu sobre os restos de outro zumbi.
— Soldado! Recomponha-se! É uma ordem! — bravejou Amélia, contudo foi uma ação inútil.
— O cheiro vem da carne dos zumbis — explicou o grande orc, Baltazhar, ao lado da líder do pelotão. — Isso não é algo natural, parece aqueles truques que as plantas selvagens usam para atrair humanos e devorá-los, um cheiro com aroma que muda ao entrar em contato com o cérebro humano.
— Porra, então vamos precisar nos afastar daqui. Soldados, recuar, agora! Você também, Ana — ela anunciou segurando o colarinho da bruxa.
Mesmo que isso não tivesse um aroma agradável, a garota ainda teria curiosidade de experimentá-lo, aventureiros como Ana estavam sempre com algo incomum na boca quando lhes faltava o dinheiro para o jantar.
— Não coma isso, com certeza tem efeitos alucinógenos, você precisa dar exemplo ao seu pelotão.
— Porra, não posso fazer nada nessa desgraça, era melhor ter ficado em Sophiette se eu soubesse que seria assim — respondeu fazendo birra como uma criança, mas isso indicava que era apenas curiosidade mesmo, a bruxa não era tomada pela vontade incontrolável de comer a carne dos mortos.
Apesar dos avisos repetidos de Amélia, quase todos os novos recrutas não resistiam à tentação e saíam da formação como loucos, e conforme o número de pessoas comendo carne de zumbi aumentava, mais os outros perdiam a vontade de lutar e queriam se juntar a eles.
Ironicamente, os orcs não eram afetados por esse cheiro, talvez fosse uma diferença na maneira que o aroma da carniça chegava ao cérebro deles. Orcs eram monstros, diferente dos meio-humanos, eles estavam mais próximos de animais que gente.
— Não podemos deixar eles para trás, Lia — observou Orcus.
— Nosso foco agora é levar os que ainda estão sãos para uma área segura, aí voltaremos para pegar os que ficaram… Escute, Orcus, pode parecer horrendo, mas eles só estão comendo como malucos, em algum momento, talvez quando acabar ou quando beberem todo o sangue do chão, eles vão parar.
— Discordo de você, senhorita Amélia — Baltazhar falou de repente, seu olhar sério estava fixo nos recrutas comendo como animais. — A fome, a gula mais precisamente, é um desejo primordial, esses jovens parecem animais irracionais agora, e animais irracionais só fazem três coisas…
— Comer, brigar e foder — completou Ana. — Li isso em um livro uma vez… Não me olhem assim, tô errada?!
— Apesar de ter dito de uma maneira vulgar, a senhorita Ana está certa, é melhor nos afastarmos antes que a carniça acabe e… aquilo aconteça. — O orc levou o seu indicador à cena de dois jovens competindo por um braço.
Eles se esqueceram completamente do que eram e sucumbiram a um instinto primordial, jogando suas armas fora e usando as mãos nuas para competirem.
Essa loucura não se limitou apenas aos recrutas, magos experientes do pelotão de Ana e espadachins habilidosos também se juntaram a eles na luta pela carniça dos zumbis, e como tinham mais experiência, preferiram usar as espadas para matar seus próprios aliados.
— Isto está saindo do controle, não podemos deixar eles se matarem assim! — protestou Amélia, seu olhar abismado buscava ajuda no rosto de Ana e Orcus, no entanto ambos estavam na mesma, isso era uma situação totalmente inesperada.
— Vocês, sigam em frente e digam para que os aventureiros de Vim não se aproximem mais. Levem eles até a vila e expliquem a situação — ordenou Orcus aos que ainda mantinham a consciência. — Orcs, façam um círculo em volta da área dessa carnificina.
Deixar um dos jovens sem consciência escapar seria algo terrível, mas também não poderiam se aproximar para ajudá-los sem serem dominados pelo aroma incomum da carcaça dos zumbis.
— Ei, Orcus, o que vai acontecer agora? — Amélia perguntou em um tom preocupado. Era a sua primeira campanha como líder e isso aconteceu, talvez Sophia tivesse se enganado ao nomeá-la para esse cargo.
Após um suspiro, o homem de barba bem-feita suspirou e sentou recostado em uma árvore, olhando para o céu tomando uma cor alaranjada.
— Escute, Lia… não, capitã Amélia Suanggi, isso é a guerra. Não sou um exemplo de um líder por conta do meu passado, mas quero que não se sinta triste por esse resultado. Não devemos nos lamentar, pois a derrota ou vitória são produtos das nossas ações. Não estávamos preparados o suficiente.
Até Ana, a bruxa sempre rebelde, fechou os olhos e concordou com as palavras do líder do pelotão principal.
Isso era uma derrota, os jovens soldados foram derrotados sem nem mesmo entrarem em combate com os inimigos. Nesse momento, já não havia nem o sangue dos zumbis no chão, então os recrutas começaram a se atacar, o que resultou em uma cena grotesca de evisceramento e canibalismo.
Perder ali diminuiria a moral de Sophiette e faria com que os aliados ficassem com um pé atrás a respeito de ajudar a marquesa Sophia, porém Orcus lembrou Amélia de algo mais importante.
Eles conseguiram informações, tudo isso à sua frente eram informações a respeito do poder que Azazel van Elsie tinha em mãos. Estudar os resultados daria a eles mais vantagem em uma batalha futura.
— Tem razão, Orcus… capitão Orcus, eu quase me esqueci disso. Eu não deixo de estar triste por conta da perda desses jovens, mas, como um capitão de pelotão, devemos saber controlar nossas emoções. — A garota ficou de pé e, com muito afinco, fez uma reverência a Orcus.
De fato, esses três, Ana, Orcus e Amélia, cresceram muito nos últimos meses.
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— Aqueles que foram nomeados líderes de pelotões são interessantes — murmurou Azazel van Elsie, colocando o dedo de forma sedutora nos lábios.
À sua frente, estava a magitela que exibia a carnificina na área de Vim em tempo real.
— Baal, diga aos nossos “cientistas” que a experiência com as drogas aromáticas deu certo, podemos seguir para a… produção das drogas avançadas de controle mental.