Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 4

Capítulo 181: É Aqui Onde Nos Separamos

Em menos de trinta minutos, o porto da capital pôde ser avistado no horizonte. 

Os guardas já embriagadas gritavam e dançavam ao som de um instrumento semelhante a uma harpa, tocado por Lothus. A demônia tornou-se o foco do olhar de todos, principalmente dos mais jovens.

— Faz uns três anos que não visito minha família em Dart, lá é um lugar legal e tudo mais, mas eu prefiro realmente a paz da capital, sabe…

Kurone estava encostado ao parapeito do barco de madeira, uma expressão de irritação podia ser vista ao longe, afinal o líder dos guardas, Yong Huang, não parava de falar.

A voz enfadonha e um pouco rouca do homem tirava o jovem do sério, ele repetia e repetia diversas vezes histórias sobre a sua família que residia em Dart, a cidade-fronteira entre o Continente Oriental e o Ocidental, e suas andanças pelo mundo.

Annie entrou rapidamente em um sono profundo devido ao tédio, Inari foi aproveitar o buffet, mas infelizmente Kurone foi lento demais e teve que ficar ali, tentando ignorar as palavras de Huang, seus olhos fixavam-se no horizonte bonito junto ao pôr do sol.

Ah, meu caro, eu estava procurando por você agora! — falou Lao Shi em um tom amigável.

Ao ver a figura do Arquifeiticeiro, Kurone franziu ainda mais sua tez, ainda era melhor escutar as baboseiras de Yong Huang que ficar próximo àquele homem covarde.

Mas Lao Shi ignorou toda aquela hostilidade e aproximou-se com o seu sorriso calmo habitual, era algo que chegava a ser assustador. 

Mesmo nas situações mais difíceis, ele mantinha-se sereno, diferente do marquês Edward Soul Za, aquilo não era uma máscara, era simplesmente o verdadeiro Lao Shi, e isso irritava Kurone ainda mais.

— O que você quer? — respondeu o jovem em tom seco.

— É algo que pedi para que trouxesse da capital, está bem ali — o homem disse dirigindo-se ao centro do barco, próximo ao mastro. 

Havia um baú ali, mas nada como aqueles baús de tesouro tão presentes nos filmes de piratas. O objeto era robusto e com ornamentos dourados. O Arquifeiticeiro deu a ordem para um dos jovens guardas abri-lo.

Kurone não ficou nada surpreso ao ver o conteúdo do baú, eram diversas peças de roupas. 

De fato, ele estava com os farrapos da luta contra Asmodeus, mas ainda assim, roupas não eram algo de se impressionar.

— Sentiu a mudança de temperatura desde que saímos das ilhas Lou Xhien? — começou Lao Shi. — Normalmente, o fim e início do ano são muito frios, você verá, em breve começará a nevar. É realmente complicado viajar em um clima tenso assim, essas roupas vão ajudar vocês a resistirem aos três primeiros meses do frio cruel.

O jovem percebeu isso, mas não deu muita atenção. Viajar sob uma nevasca seria realmente tenso, mas pelo menos não morreria congelado, afinal as roupas daquele baú eram da mais alta classe, com direito até mesmo a abotoaduras de ouro.

— Nossa, darling, eu precisava mesmo de roupas novas! — Inari surgiu de repente e comentou, o fedor de álcool era sentido ao longe.

— Você não precisa se proteger do frio! — gritou Kurone. Apesar de estar na forma de Rory, ela conseguiu, de alguma maneira, acesso às bebidas do navio.

Como uma deusa, Inari era imune a muitas coisas, como fome e frio, mas gostava de comer e vestir-se bem, ela era a encarnação da luxúria e da avareza, como uma raposa deveria ser.

— Não seja tão duro com senhorita Inari, ela é uma garota e quer se vestir bem — comentou Lao Shi, com um sorriso gentil.

Kurone suspirou profundamente antes de vasculhar o baú e pegar uma peça para si. A profundidade do objeto era maior do que imaginou e havia muitas escolhas, mas focou em buscar roupas da cor que sempre vestiu quando chegou àquele mundo: branco.

Finalmente, algo no fundo do caixote chamou sua atenção, apenas pôr suas mãos sobre o tecido foi suficiente para ter uma ideia do quão aconchegante era a peça.

— Nossa, essa aí parece ser bonitona. Tem uma cabine ali, vocês podem se trocar lá — sugeriu Yong Huang.

Kurone acatou a sugestão e entrou na pequena cabine de madeira, o local era usado para guardar esfregões e produtos para higiene pessoal dos tripulantes, como papel higiênico. Precisou espremer-se ali para vestir a sua nova outfit.

— E aí, como tô? — ele perguntou ao sair da cabine. 

Inari e Yong Huang analisaram com atenção todo o conjunto e deram notas para ele.

Por baixo, Kurone vestia uma camisa e calça preta, em contraste com a calça larga, a camiseta era fina e não o protegeria do frio, isso se não fosse pelo grande sobretudo branco.

O sobretudo passava dos joelhos, mas não arrastava no chão, o que era algo vantajoso em uma batalha. 

As mangas longas ocultavam sua pele completamente quando colocava as mãos no bolso e, de bônus, havia uma touca para proteger sua cabeça. 

As botas negras pesadas produziam muito som conforme ele caminhava.

O contraste entre preto e branco deixou a figura do jovem mais vistosa, as cores combinavam com o seu cabelo e olhos. Bastou aquela simples mudança de roupas para os jovens guardas ao redor olharem para ele de maneira diferente, talvez com mais respeito.

— Isso, sim, é um homem! — comentou Inari.

A deusa era vítima de olhares questionáveis, principalmente de Yong Huang, afinal ela tinha a aparência de uma garotinha e falava coisas estranhas para a sua aparente idade.

Ela não seguiria toda a viagem na forma de Rory, então pegou uma roupa extra para quando voltasse à sua forma original, de uma mulher de dois metros e quinze.

As roupas que selecionou para proteger o seu pequeno corpo foram um sobretudo preto e um cachecol, era algo que mostrava que ela não precisava de nada daquilo, afinal suas pernas finas ficaram à mostra, a pele meio pálida destacava-se no espaço entre o fim do sobretudo e o início das botas.

Lothus disse que não precisava de muita coisa, então escolheu apenas um manto cinza para ocultar sua identidade enquanto viajava.

Hime também não mudou em quase nada, apenas aumentou as mangas do seu kosode branco e pouco do hakama vermelho.

Ayshla falou que muito tecido iria apenas prejudicar seu estilo de batalha, então escolheu uma capa longa de pelo, enquanto Berthran cobriu seu corpo musculoso com um casaco negro e calças largas.

Apesar da gentileza de dar os presentes, Kurone não agradeceu a Lao Shi, mas o Arquifeiticeiro o acompanhou quando ele tentou afastar-se e disse:

— Eu pedi para prepararem documentos falsos para vocês com as magifotografias que tiramos mais cedo. Assim como dizer por aí que seu nome é Kurone Nakano, também é perigoso dizer que se chama Loright, o homem que matou um Arquiduque do Inferno, então você viajará sob o falso nome de Iolite Cordielyte.

— Certo, mas não espere agradecimentos por minha parte — falou o jovem com uma expressão séria.

Em pouco tempo, toda a admiração que um dia sentiu por Lao Shi, seu mestre, desapareceu, dando lugar a uma raiva mortal. Sua vontade era de saltar no homem e dar socos naquele rosto até que ficasse satisfeito, no entanto sabia da dívida que tinha com ele.

— Eu não fiz isto esperando por agradecimentos. Você é um diamante bruto, meu caro, é ranzinzo e carrancudo, mas continuo lhe polindo para mostrar o seu brilho ao mundo — Lao Shi suspirou após suas últimas palavras, pois aquilo só aumentou a expressão de desprezo do jovem. — Creio que esta será a última vez que nós veremos em um lugar tão pacífico, nosso próximo reencontro provavelmente será em um campo de batalha.

— Só espero que possamos estar do mesmo lado — comentou Kurone, a frase tinha um apontamento duro, mas que o Arquifeiticeiro deu de ombros e respondeu com um sorriso:

— Ou que pelo menos um de nós esteja lutando pelo bem.

Ambos se encararam por alguns minutos antes de seguirem direções opostas pelo navio.

[Não gosto daquele homem.]

“É, eu também não.”

***

Quando chegaram ao porto da capital, os primeiros flocos de neve começavam a forrar e criar uma camada fina no chão de ladrilhos cinzas.

Kurone estendeu a mão e sentiu o frio de alguns flocos, aquilo lembrou-lhe um pouco do Japão, o que o deixou triste, pois costumava brincar com suas irmãs na neve. Também lembrou-se que morreu logo após o fim do inverno. 

Ele logo cobriu as mãos por uma luva negra e desceu da embarcação.

A capital do Continente Oriental era semelhante à China em alguns aspectos, principalmente nas roupas das pessoas. 

As ruas eram iluminadas por pequenos postes com tochas, onde alguns guardas civis aqueciam-se.

Ao descer, o jovem varreu todo o cenário e encontrou aquilo que buscava: carruagens. Diversas carruagens com o brasão da casa al Mare estavam estacionados em uma parte da rua.

— Eles trouxeram uma carruagem especificamente para você, meu caro, já que você fará um desvio no caminho. Tem certeza que pretendem ir sem cocheiro? — questionou Lao Shi, ele estava realmente curioso para saber sobre o local que Lothus levaria Kurone.

— Não se preocupe, senhor Lao Shi, eu conheço todas essas estradas, posso até mesmo desenhar um mapa para o Kurone — respondeu Lothus.

A verdade era que Lothus dissera que, quando chegassem à floresta de Hyze, ela pediria para um dos elfos deixar o grupo em Dart.

Kurone aprendera a conduzir carruagem com Amélia, então não teriam realmente muitos problemas pela estrada.

— Então, adeus, Lao Shi — o jovem olhou uma última vez para o homem que fora seu mestre, ele estava com a sua expressão serena de sempre, na verdade parecia sorrir ainda mais, e isso provocou arrepios no garoto.

Devagar, o grupo de Kurone seguiu para a carruagem vazia com dois cavalo negros.



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