Volume 3
Capítulo 126.4: Raulzinho?
Pouco mais de cinco minutos foi o suficiente para Gyl tingir as paredes do salão com sangue alheio. Um após o outro, os homens caíram com gritos de horror.
Raul manteve sua expressão de desgosto, um frio percorreu sua espinha ao ver o sorriso sádico da demônia de cabelos verdes trançados, ela não tinha piedade, matava aquelas pessoas como se fossem animais patéticos.
A mulher musculosa levantou e, com as mãos trêmulas, apontou a adaga para a sua oponente. Uma traficante de Fallen contra uma Duquesa do Inferno, até a mais ignorante das pessoas adivinharia o resultado daquilo.
— Não é uma boa ideia fazer isso — comentou o garoto, porém não queria se envolver naquela batalha, a missão de conseguir as drogas era toda de Gyl, ele só precisava recrutar soldados.
Aquela mulher seria uma boa guerreira, tinha cara de quem suportaria um treinamento infernal, achava um desperdício perdê-la, contudo não ficaria triste se a demônia falhasse em sua missão e fosse repreendida por sua mestra.
— O… o que é aquela coisa? — balbuciou a traficante de olhos arregalados, ela hesitava em atacar a aberração matando os seus homens com facilidade, apenas com as mãos limpas.
— Tsc, acho que acabei aqui, podemos começar agora? — questionou Gyl limpando o rosto bonito. O sorriso estampado em seu rosto fez a mulher ao lado de Raul recuar com medo.
Mesmo amedrontada, a traficante manteve uma expressão séria no rosto com a cicatriz e voltou a sentar, encarando a demônia com hostilidade. Como uma boa guerreira, ela sabia quando não havia chances de vitória.
— Você era a responsável por vender drogas para Eragon, certo? — Raul foi direto ao ponto, querendo acabar logo com aquilo. — Minha mestra gostaria de firmar um acordo com você.
— Não é como se você tivesse muitas opções, meia-humana — ameaçou Gyl soprando o líquido vermelho preso nas unhas rosas. — Minha mestra quer os seus serviços.
— E o que vou ganhar com isso? — perguntou a mulher apoiando o queixo sobre as mãos grossas e morenas.
— Você não vai morrer, não é o suficiente…
— Uma quantia que ninguém jamais te ofereceu, — o garoto cortou a fala da demônia — 300 moedas de ouro mensais para sua organização pelo fornecimento das drogas e mais… 500 moedas para você, se aceitar minha proposta de se juntar a mim.
— Foi mal, garoto, não trabalho como puta exclusiva para nobres, você nem tem idade para isso, parece ter saído das fraldas ontem. — Apesar do tom brincalhão, ela olhava com curiosidade para o garoto.
— Será algo mais intenso, quero você na minha ordem de cavaleiros.
A mulher passou a refletir, ora os olhos em Raul, ora em Gyl, ela tinha o espírito negociante de um verdadeiro morador de Fallen, estava considerando os benefícios daquela proposta. Às vezes era melhor morrer nas mãos do inimigo que aceitar a sua proposta, mas aquele não parecia ser o caso.
— Vocês vieram aqui, mataram os meus homens, me ameaçaram e agora tão me oferecendo grana. — Ela passou a mão esquerda pelos cabelos brancos. — Ahhhh, nobres são estranhos mesmo, mas eu não tô nem aí, vou aceitar a proposta.
A traficante levantou a mão para Raul, evitando fazer contato visual com Gyl, e disse:
— Meu nome é Lena, garoto nobre emburrado, e o seu?
O garoto não respondeu à mão estendida e, levantando-se da cadeira, caminhou em direção à demônia de cabelos verdes trançados.
— Sou Raul, esta é Azazel van Gyl, a partir de agora estamos juntos até a morte, pronta para conhecer o inferno?
— E existe coisa pior do que Fallen? Viva aqui por dois anos e você vai entender o que quero dizer, vocês nobres acostumados com uma caminha quente iriam morrer no primeiro dia.
Realmente não existe, pensou Raul, Eragon era uma amostra do quão terrível o mundo poderia ser, ali os homens recorriam ao seu instinto primitivo para sobreviver. No entanto; aquela mulher não sabia que ele dormiu no chão frio de uma casa aos pedaços, comeu migalhas durante anos e viu sua família sendo destruída.
Apesar do seu exterior ser o de um nobre, o sangue de um favelado de Fallen ainda corria ali. Um dia, com certeza, tomaria o controle daquela cidade para si e a transformaria em um lugar melhor, pediria isto à sua mestra quando matasse Sophia.
— Blá, blá, blá, vocês conversaram muito, mas onde está o que nos interessa? — Gyl varreu o cenário com os seus olhos azuis brilhantes, não havia sinal das drogas ali.
— Temos um depósito no porão, me sigam. — Lena levantou-se e seguiu para uma porta de madeira ao lado, seu olhar ainda se mantinha fixo no corpo dos seus companheiros banhados em sangue.
Entendeu aquilo. Assim como o Raul criança, que viu sua irmã ser morta pela marquesa de Sophiette, Lena também deveria ter jurado se tornar mais forte para matar Azazel van Gyl. Tentar algo agora seria suicídio, porém ninguém tinha mais paciência do que um habitante das favelas daquela maldita cidade.
A demônia e o garoto seguiram a mulher descendo as escadas escuras. Quando ficaram próximos da luz vinda do interior do porão, escutaram diversas vozes ecoando.
Outra porta foi aberta e as vozes aumentaram, a origem delas eram diversos jovens espalhados pelo local sujo.
Duas garotas repletas de tatuagem, provavelmente bêbadas, se agarravam em um banco de madeira quebrado, na verdade uma pegava nos seios da outra que tentava se desvencilhar com o rosto corado. Um par de irmãos gêmeos trocava socos no canto da sala, era uma luta séria, pois o nariz de um foi quebrado e jorrava sangue.
Por fim, a atenção de Raul se voltou para uma mesa onde três jovens de jaleco branco mexiam em recipientes com líquidos coloridos. O trio usava máscara e ficava distante dos outros, um sinal de que faziam algo perigoso.
Gyl tinha uma expressão de quem podia vomitar a qualquer momento, sua aura estava exposta de propósito, com o intuito de amedrontar aqueles jovens, no entanto nenhum deles pareceu se importar.
— Não… não acredito… — a jovem bêbeda parou de massagear os seios da outra e olhou incrédula para o garoto no canto da porta — Raulzinho! Eu, não adianta virar o rosto, eu te reconheço em qualquer lugar — disse ela indo de um lado para o outro, sem equilíbrio por conta da quantidade excessiva de álcool que ingeriu.
A voz da jovem fez todos se voltarem para os dois estranhos na porta.
— Ehh? Não lembra mais de mim? — Finalmente, a garota aproximou-se e se agarrou em Raul, fazendo lágrimas surgirem nos olhos do garoto por conta do odor forte do álcool.
Não a conhecia, provavelmente era um engano por estar bêbada, queria pensar assim, mas como ela sabia o seu nome? Buscou em sua memória alguém semelhante a ela, mas não encontrou ninguém.
— Desculpe, não sei quem é você — falou em tom frio, tirando as mãos quentes dela do seu pescoço e apoiando-a na parede.
— Como assim? A gente brincava junto quando era criança, eu, você e a Noah, não lembra? Eu sumi depois que me tornei assistente da sua irmã.
Enfim lembrou-se.
O nome dela era Queen, não a reconheceu antes por conta da aparência. Quando criança, ela era uma menina inteligente, sempre andava com um livro roubado das bibliotecas de Fallen, o que aconteceu com ela?
— Quem são esses putos aí, chefa? — perguntou um dos gêmeos, o que não estava com o nariz quebrado.
Lena sentou-se no banco de madeira e, com um suspiro, contou sobre os últimos acontecimentos enquanto tragava um enorme cachimbo. A maioria nem ficou chocada quando ela citou os assassinatos cometidos por Gyl, aquela aura era o suficiente para entenderem a extensão do seu poder.
— Eles querem ver nossas criações, tragam — ordenou Lena aos jovens de jaleco branco, que saíram do lugar com relutância.
— Tem alguma específica que desejam ver? Tem todo tipo de droga suspeita aqui… — perguntou a garota de jaleco.
Raul ia responder “não tem”, porém Gyl se antecipou e falou algo que o garoto não esperava:
— Tragam a droga de depressão e a de fortalecimento.
Como não havia notado aquilo. Agora entendia o motivo de Elsie ter comentado sobre a Guarda Real, ela tinha um plano sinistro na cabeça que confiou a Gyl.
Se usasse a droga de fortalecimento nos cavaleiros da Guarda Real, teria um exército repleto de monstros poderosos, monstros estes capazes de destruir Sophia e seus rebeldes, porém precisaria de pessoas sãs, por isso pediu a Raul para formar uma nova ordem de cavaleiros.
Usar drogas para vencer a guerra não a diferenciava dos monstros de Eragon, a Presidenta do Inferno teria o poder de controlar todos ao usar as drogas que deixavam todos depressivos como os moradores de Eragon, com mente maleáveis e fáceis de serem manipuladas.
Mas aquela mistura que transformava pessoas em monstruosidades funcionava mesmo?
Os jovens pegaram vários frascos e colocaram sobre a mesa de madeira, a cor predominante era roxo e verde.
— Esta é a droga de fortalecimento, e esta a que deixa as pessoas depressivas — explicou a jovem tímida tentando manter a voz calma, ela parecia ser a única sem tatuagem e que não usava palavrões e se mantinham receosa em relação a olhar para Gyl.
— Interessante, — Gyl lançou um olhar ameaçador para a garota — beba esta coisa, quero ver se ela funciona ou só estão me enganando.
A garota não teve tempo para ficar com medo ou recuar, a demônia a segurou pelo pescoço e a forçou a tomar o conteúdo verde de um frasco. O corpo suspenso se debateu várias vezes e ela começou a gritar como uma louca.
Gyl a jogou no canto da sala e observou como um especialista avaliando um produto, a pele da garota ficou arroxeada e os olhos ficaram vermelhos devido ao grande número de veias expostas, ela levantou grunhindo.
A garota tímida tornou-se um verdadeiro monstro.
Todos se afastaram e acompanharam a cena com horror. Raul deu alguns passos para trás, deixando apenas a aberração e a garota inocente, que foi transformada em monstro, no centro.
— Impressionante, impressionante! Isto, sim, é interessante, é para isto que humanos servem — comentou, analisando a sua vítima. — Sua droga pertence a minha mestra agora, pode pegar alguns deles para seu exército, humano — falou a Raul enquanto ia em direção à porta.
Antes de sair, ela fez um único gesto com a mão e decapitou a garota transformada em monstro.
Naquele dia, Azazel van Elsie ganhou uma arma perigosa para o seu exército.