Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 3

Capítulo 115: Chacal Negro De Duas Cabeças

Vento.

Uma tempestade de folhas rosas tomou conta de todo o cenário ao amanhecer. O vento feroz tinha a força de carregar uma criança pequena em seus rugidos ocasionais.

As árvores, anteriormente tão frondosas, não passavam de troncos velhos agora, simples decorações de Halloween que a qualquer momento poderiam se desprender do chão e serem levadas pela ventania impiedosa.

Em meio ao mar de folhas rosas, uma silhueta capengava, lutando contra a gravidade que insistia em lhe puxar e prender no chão. 

— Droga, não esperava por isso — resfolegou Kurone segurando em uma das árvores secas.

O corpo do jovem, assim como a cabeça, estava totalmente revestido por peles de Lobos Cinzentos da Lua. Foi muito sorte ter lembrado de tirar a pele dos monstros.

Dormiu tarde após a longa conversa com Annie, falou muito sobre cada uma das suas irmãs, e, quando acordou, encontrou-se em meio a um vendaval de folhas rosas e laranjas.

As partículas de terra no ar gelado dificultavam a visão e provocavam uma crise de tosse demorada ao atravessar o nariz e adentrar para os pulmões. Só sobrevivia ao frio por conta da espessa camada de pele de lobos.

[Quem diria que o clima ia mudar assim… agora não poderemos saber se estamos andando em círculos ou não.]

O Olho Sagrado era ativado a cada dez minutos, tempo cronometrado por Annie, para verificar a existência de inimigos nas redondezas. 

— Já faz algumas horas, não é? Ele ainda não atacou… — Ativou a habilidade novamente e visualizou o fluxo de mana de um monstro. Aquela criatura os seguia há muito tempo, mas ainda não fizera menção de se aproximar.

Era apenas um, porém perigoso, considerando que podia se locomover pela tempestade de folhas sem problemas, diferente do jovem quase sendo carregado pelo vento.

— Eu já te vi aí, desgraçado, aparece logo pra eu pegar o seu pelo também! — rugiu ao disparar com a escopeta de cano cerrado na direção do monstro.

Escutou o som de passos rápidos se aproximando. Assim como o Lobo Cinzento Alfa, aquele também era um monstro com foco na velocidade. 

Um impacto violento.

Kurone rolou pelo chão, o corpo foi impulsionado pela força do vento e só parou ao entrar em contato com uma árvore. Grunhiu ao sentir o impacto nas costelas, mas ficou de pé rapidamente.

Foi um erro pensar que a pelagem o protegeria da colisão com a madeira, porém não foi um machucado tão ruim, não tão ruim quanto os que estava prestes a ganhar enfrentando aquela criatura.

— Vem pra cima, só preciso arrancar sua cabeça, desgraçado! — bravejou tirando a wakizashi da bainha e materializando a Boito .20 na mão artificial.

Primeiro, as patas da criatura entraram em seu campo de visão. Engoliu seco ao ver quatro olhos vermelhos na silhueta do monstro, ele tinha três metros!

Suas esperanças de uma vitória fácil se despedaçaram ao ver duas cabeças agitadas naquele único corpo. Ele abanava incessantemente as quatro caudas.

[Chacal Negro de Duas Cabeças — Rank C]

As palavras da deusa provocaram um arrepio em sua espinha. Tinha que fazer o dobro de esforço para matar aquela criatura, no entanto o verdadeiro problema era o seu tamanho. Teve sorte do Lobo Cinzento Alfa não ter mais de dois metros. 

— Esse é dos grandões, com certeza deve ter uma dessas coisas no corpo. — Encarou o Orbe Vermelho flutuando um pouco acima do seu ombro.

Só bastava aceitar e lutar para vencer.

Não poderia morrer ou recuar. Direcionou a escopeta de cano cerrado para a cabeça esquerda e disparou enquanto corria pela tempestade. A velocidade estava reduzida, mas os efeitos do Orbe Vermelho o ajudavam.

Pow! O tiro foi em direção ao monstro, porém ele precisou de poucos passos para esquivar e avançar ao seu oponente. 

Uma locomoção perfeita em meio ao vendaval. Kurone piscou e só percebeu alguns instantes depois a pata enorme na sua barriga. Não teve um corte profundo graças às peles de lobo, porém o impacto ainda foi doloroso.

Rolou pelo chão, carregado pela força dos ventos e desaparecendo pela tempestade de folhas rosas e laranjas. Sentiu um gosto de ferro forte na boca e lutou bravamente contra a vontade de vomitar.

Tanto o morcego esquelético do Hangar dos Mortos quanto o Lobo Cinzento Alfa davam tempo para o oponente levantar, tinham a honra de um guerreiro, no entanto aquele chacal não tinha. Era um monstro impiedoso que só queria saber da vitória.

Ficou de pé cambaleando apenas para ser recebido por outro “tapa” da criatura. Os pés se desprenderam da gravidade aumentada em 1.5x e seu corpo voou, parando finalmente ao impactar com força contra o tronco de uma árvore desfolhada.

Grunhiu ao sentir o sangue da ferida nas costas escorrendo novamente. Mesmo vendo o mundo tomado pelos ventos girando, saltou e tentou tomar distância do monstro.

O Chacal de Duas Cabeças investiu novamente com as garras. Brincava com ele como se fosse um gato com um novelo de lã, jogando-o de um lado para o outro até ficar bem desfiado.

Novamente, foi levado pelo impacto da garra da criatura. Precisou fincar as botas com força até estabilizar o corpo. Dedos sentiram os ladrilhos pela sola desgasta.

[Precisamos reagir ou ele vai quebrar todos os nossos ossos assim!]

Ahh… Droga! Ele é rápido de mais, não vamos conseguir lutar à distância. Ô, máscara, tá na hora de dar uma ajudinha, não!?

Não obteve resposta. Não podia contar com o poder daquele objeto, ele era temperamental e só o ajudaria quando estivesse em uma situação de vida ou morte.

— Parece que vamos ser só nós mesmos… — Apertou a wakizashi e olhou para o monstro aproximando-se. Só conseguia vê-lo por conta do Olho Sagrado, mas estava muito fraco para prolongar seu uso por muito tempo.

Sentiu novamente a garra da criatura se aproximando, mas dessa vez usou a lâmina curta para se defender. O corpo tremeu com o impacto e o metal frio atravessou a pata do monstro, porém isso não impediu que fosse arremessado mais uma vez por um segundo golpe da pata dianteira esquerda.

Voou junto ao sangue da pata direita do Chacal de Duas Cabeças.

A carne da criatura era dura, constatou isso ao perceber a dificuldade de penetrar apenas a pata dela. 

Teve a sensação de algo palpável abaixo da sua mão ensanguentada. “Minha mochila!” No início da luta, jogou-a para o lado e pensou que nunca mais a veria, mas por sorte não se distanciou muito de onde estava antes de encontrar o monstro.

Vasculhou-a com dificuldade, dependendo apenas do tato. Além da terra nos olhos, a visão estava embaçada por conta das pancadas na cabeça. A audição também estava prejudicada, com um zumbido insuportável sobrepondo os sons do campo de batalha.

— Achei! — Um sorriso largo se formou em seu rosto.

Com as mãos trêmulas, pegou uma lata vazando liquido. Era óleo, não o que conhecia da Terra, mas sim algo equivalente daquele mundo. O gosto era semelhante ao que seu paladar estava acostumado.

[O que vai fazer com isso? Nunca é um bom sinal quando você sorri no meio de uma batalha!]

— Você verá! — Encostou a mochila no tronco seco e olhou para o monstro pronto para investir. 

Saltou para evitar a garra ferida, mas ao invés de tomar distância, correu abrindo toda a lata verde. Só tinha uma chance para fazer aquilo.

O Chacal de Duas Cabeças olhou com ódio para seu movimento suspeito e investiu com a cabeça direita, pronto para decapitar o jovem com uma mordida.

Kurone rolou, sentindo a ardência dos pontos picando com força, e derramou todo o conteúdo da lata na cabeça da criatura. Foi um ato inútil, o chacal fechou os olhos avermelhados e recuou a cabeça, balançando-a de um lado para o outro para se livrar do óleo.

— Se fodeu, idiota! — bravejou estendendo as mãos para o oponente.

Moveu toda a mana para as pontas dos dedos. O fluxo concentrado na recuperação das feridas mudou seu curso para a palma das mãos, materializando chamas brilhantes lá.

— Queime! — Duas bolas de fogo avançaram em direção à cabeça coberta por óleo. O monstro mal teve tempo de resposta, ficou estático, maravilhado pelas flamas se aproximando.

A criatura ganiu, saltando pela tempestade de folhas. Apesar da distância, ainda podia ver o fogo tomando conta da cabeça direita do monstro. Desativou o Olho Sagrado e suspirou, não precisava dele enquanto pudesse ver as chamas agitadas em meio ao vento forte.

— Será que temos sorte desse fogo se espalhar por todo o corpo dele?

[Acho que seria muito conveniente, mas temos que aproveitar essa brecha.]

Apertou com força o punho da espada curta e correu em direção ao monstro. “É agora ou nunca!”, bravejou internamente quando ficou bem próximo do chacal.

Saltou com força, a ponta da wakizashi estava mirada na cabeça esquerda do monstro. 

Tudo teria dado certo se não fosse pelo brilho do Orbe Vermelho ao seu lado. O chacal captou a luz e, ignorando a dor de ter uma das cabeças queimada, investiu com a pata na direção do rosto do garoto.

As garras do monstro brilharam. Sua pata ia como uma lança em alta velocidade, pronta para perfurar o rosto sujo e ensanguentado de Kurone.

Dessa vez, foi ele que não teve tempo de resposta, o jovem se desestabilizou no ar e tentou mudar de trajetória, mas foi uma tentativa fútil, só podia fechar os olhos e esperar pela dor insuportável da garra atravessando o seu rosto e ceifando sua vida.

O som do impacto irrompeu o ar acompanhado do grito desesperado do garoto.



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