Volume 2
Capítulo 75: 4° Magia Abismal
Desde quando conseguia lembrar, o título de Santo esteve sempre consigo. Sentia em seu interior a conexão com a deusa Annie, apesar de nunca tê-la visto.
Por ter nascido sem afinidade com magia, sofreu bullying das outras crianças do orfanato que fora criado, porém isso mudou no dia em que lançou sua primeira Magia Sagrada. As sacerdotisas logo lhe deram o título de Santo e transferiram o menino para outro orfanato. Essa oportunidade proporcionou a Avios Bishop a chance de mudar sua vida.
Dois anos após ser nomeado Santo, pôde reencontrar os pais que o mandaram para o orfanato por não terem condições de cuidar dele. Apesar de nunca ter feito nada muito extraordinário em campo de batalha, Avios ficou conhecido como o Santo revolucionário, a cada dia surgia com uma ideia nova para melhorar a igreja, por isso passou uma longa temporada morando em Andeavor.
Ano após ano, mesmo não vendo a divindade, sentia a conexão com a Deusa Lunar cada vez mais próximo, porém… como essa conexão foi desfeita repentinamente?
Bishop caiu ajoelhado horrorizado. Ele havia se tornado tão fraco quanto qualquer um daqueles civis desesperados correndo na praça. Não sentia mais aquela conexão sagrada em seu interior que sussurrava os cânticos e lhe emprestava o poder divino. O que fez de errado para perder esse direito de ser um Santo?
— Não é hora para se distrair! — bradou o reitor, batendo os dois martelos pesados no chão.
Avios estava entre o homem enorme e a garotinha. O reitor apontava as armas brancas para a garotinha com orelhas de gato e Rory olhava para a demônia mascarada. O Santo não tinha o que fazer ali.
— Ahhh!
Repentinamente, Azazel van Elsie avançou e cortou o ar com um chute veloz, porém Rory usou o corpo do fuzil como um escudo. A garotinha de cabelos prateados não podia lutar com tudo, pois tinha de proteger o Orbe Azul flutuando ao seu redor, Azazel sabia disso, por isso só focava naquela pequena esfera de mana.
Bam! Bam! Bam! A menina tentou afastar a demônia com disparos rápidos, mas todos foram cortados pelas unhas da oponente, ela não conseguiria ganhar se estivesse se contendo.
— Morra! — Rory gritou estendendo a mão em direção à adversária e, em segundos, chamas e gelo espalharam -se pelo ar.
Elsie só precisou de um estalar de dedos para evitar o ataque, no entanto…
— Para onde você foi? — A garotinha desapareceu em meio à fumaça criada pela junção de fogo e gelo, deixando a demônia confusa. — Não me diga que…
Rapidamente, Azazel deu golpes rápidos em locais aleatórios, quebrando paredes e todos os outros objetos ao redor. Os socos consecutivos foram o suficiente para desativar a invisibilidade de Rory.
— Ahhh! — gritou a garotinha de cabelos brancos, estendendo a mão e lançando uma salva de lanças elétricas na direção da oponente.
Dessa vez foi impossível esquivar, Elsie recebeu a descarga elétrica e seu corpo foi arremessado para trás, claro, ela nem se arranhou ao rolar pelo chão e se levantou em instantes.
Crack! A expressão de Rory mudou bruscamente ao escutar o vidro rachando ao seu lado. Aparentemente, o Orbe Azul estava chegando ao seu limite.
— Bang! — gritou Elsie estendendo o dedo e explodindo a esfera de mana da garotinha.
O objeto tornou-se um pó azulado no ar e evaporou em segundos, porém Rory não se abalou, afinal ela tirou mais oito orbes roubados dos bolsos. O rosto da menina foi iluminado pela luz ofuscante dos Orbes Azuis rodeando seu corpo.
— Interessante, você está mais forte do que da última vez, maldita reencarnação da Astarte.
No outro lado, o reitor materializava escudos consecutivamente a fim de evitar os disparos vindos da semi-humana, era óbvio que em outras circunstâncias aquela batalha teria acabado com um único golpe do homem enorme, porém ele estava muito ferido, era impressionante como ainda conseguia se mover daquela maneira.
Bishop só pôde observar as batalhas desenrolando-se ao seu redor, o corpo dele ainda tremia por ter visto a morte brutal dos soldados trazidos pela garotinha de orelhas felinas, eles morreram da maneira mais horrível possível, como um religioso, o Santo não podia…
— “Daleth”... “Daleth”... “Daleth”! — repetiu Bishop algumas vezes até lembrar o significado daquele nome.
Em um de seus estudos, leu sobre 20 magias proibidas, conhecidas como Magias Abismais, era algo no mesmo nível de uma Magia Sagrada, não soube exatamente o porquê de ter memorizado os nomes, mas isso acabou sendo útil.
Era a 4° Magia Abismal citada no livro, tinha um consumo de mana insano, porém seus efeitos eram catastróficos. Se sua memória não falhava, o livro descrevia o seguinte:
«Daleth (ד):
Invocação do Deus da Morte
Tipo: Invocação
Consumo de mana: +++
Efeitos:
4° Magia Abismal da Era dos Deuses.
Carrega a alma da oferenda com trevas agonizantes. Todos os seres preenchidos pela escuridão devem ser sacrificados com um estalar de dedos para que o Espírito Ceifador possa ser liberto de seu selo, trazendo o caos e a destruição para a terra.»
O sangue de Bishop congelou, aquelas trevas que tomaram sua visão por alguns minutos não era uma simples distração, ele — e todos os outros afetados — estavam marcados. Assim que Azazel van Elsie quisesse, todos seriam transformados em pedaços de carne como aqueles soldados.
O ex-Santo sentiu-se imponente, a tentativa de lutar contra a demônia era inútil, pois ela os mataria quando estivesse entediada.
— Ainda não! — gritou enquanto cerrava os punhos.
Se ainda havia esperança, essa esperança estava na catedral, onde a magia dos demônios não ousava adentrar, pois todos eram protegidos pela grande deusa Annie.
A maldita garotinha de cabelos prateados só precisava ganhar tempo para que todos fossem escoltados até a catedral, ali todos estariam a salvo.
Crack! Crack! Crack! O som de vidro quebrando o fez olhar com espanto para a batalha à sua frente. A menina sacrificou três Orbes Azuis para materializar uma enorme esfera de energia, no entanto a postura da demônia permaneceu imutável.
Avios correu ao perceber que estava no alcance do ataque, porém correu satisfeito, talvez nem precisasse se preocupar, a garotinha poderia matar a demônia e evitar uma chacina e a Invocação de um espírito maligno.
— [Divine Judgment] — bravejou Rory.
O ex-Santo não pode deixar de sentir um incômodo com algo que soava como uma Magia Sagrada, mas decidiu ignorar, afinal não podia fazer nada além de correr desesperadamente para ficar longe da área de risco.
A esfera mágica arremessada por Rory destruiu todo o cenário. Por um instante, tudo foi tomado pela luz esbranquiçada e outro som de vidro quebrando ecoou.
O corpo de Bishop foi arremessado quando a magia atingiu seu alvo e só parou ao bateu violentamente contra uma parede próxima. Todos os insetos ao redor foram pulverizados.
O homem que via o mundo de ponta cabeça ficou de pé após muito esforço. Provavelmente quebrou algumas costelas quando impactou com a parede.
O cenário estava completamente tomado por cinzas e a figura das pessoas lutando não podia ser vista, no entanto…
— Hahaha! Não me diga que esse é todo o seu poder? Estou decepcionada, muito decepcionada.
Enfim percebeu que, na verdade, Azazel van Elsie e os outros não estavam escondidos, ele foi arremessado para um local mais distante após a explosão, porém ainda podia escutar a voz obscena e pecaminosa da demônia.
— S-senhor Bishop, temos sérios problemas.
Após olhar para o lado, reconheceu a dona da voz. Era a garota de sangue mestiço que andava com Kurone Nakano. Ela havia sido encarregada de levar as pessoas à catedral, então por que estava ali?
— Tem algo de errado com as pessoas! — A garota gritou enquanto apontava para uma multidão de pessoas agonizando no chão. — Elas ainda estão sob o efeito daquele feitiço que atingiu todo mundo.
Por que nem todos voltaram a enxergar? Não era algo temporário? O ex-Santo não teve nem tempo de processar tudo quando um estalo de dedos fez o suor frio escorrer pela sua espinha.
Uma após a outras, as pessoas explodiram como fogos de artifícios sangrentos. Cabeça, braços, pernas, tronco, órgãos internos e todo o resto foram reduzidos a pedaços de carne e a praça tornou-se um horroroso mar de sangue. Homens, mulheres, crianças e adultos, ninguém foi poupado.
— Ahhhhhh! — A garota mestiça gritou aterrorizada quando pedaços de carne humana caíram em seu rosto. Ela arranhou a face, caiu de joelhos e tentou não ver a cena grotesca. Vômito escapou pela sua boca inconscientemente.
As pernas de Bishop também fraquejaram. Tudo foi muito rápido, a demônia assassinou sem piedade todos os moradores de Eragon. O mais assustador era ela ter poder para fazer aquilo, nenhuma nação estava segura enquanto Azazel van Elsie estivesse viva, no entanto quem poderia pará-la? O ex-Santo amaldiçoou sua existência, quando mais precisaram, ele perdeu os poderes que serviriam para proteger outras pessoas.
— Não…
A mestiça olhou com horror para o homem de branco que murmurava algo, ambos estavam na mesma altura, ajoelhados e banhados de sangue. O ex-Santo continuou seu murmúrio que lentamente se tornou um grito:
— Não… Por que diabos isso aconteceu? Para qual propósito eu te servi por todo esse tempo? — Ele esforçou-se para ficar de pé. — Por que te servi por tanto tempo e, quando mais precisei, você me abandonou?! Me responda, maldita deusa! As vidas humanas não têm valor?! Desgraçada! Maldita! Por todo esse, todo esse tempo você sabia que meu único objetivo era proteger os outros! — gritou furiosamente para ninguém. Suas palavras não alcançavam a deusa, provavelmente era apenas mais um ser descartável gritando para ninguém.
Repentinamente, todo o sangue moveu-se para um único ponto, como se fosse sugado por um ralo. O líquido misturado aos pedaços de carne foi amontoando até dar forma a um tipo de esfera avermelhada. Até mesmo o sangue nas roupas de Bishop e de Amélia foi sugado, deixando apenas as duas figuras de rostos horrorizados para trás.
A bolha vermelha foi tomando forma, expandindo-se de maneira gelatinosa e ficando negra… ela cresceu, cresceu e cresceu, quando perceberam, já tá estava do tamanho de uma casa.
— Aqui está ele! — gritou Azazel flutuando calmamente. — O Espírito Ceifador selado por Karllos Sophiette na Era dos Deuses. Ele tem muitos nomes e versões de histórias, alguns o chamam de Samael, O Anjo da Morte, outros dizem que, na verdade, seu nome é Azrael, A Fúria de Deus, mas não importa! Seu poder é real! E só precisei de três mil almas!
Bishop arregalou os olhos ao perceber a forma final da bolha avermelhada: ela se tornou um espectro blasfêmo envolto por um manto negro de oito metros, carregando uma foice brilhante. Uma aura poderosa alastrou-se por toda a praça.
Eles estavam em frente à própria Morte.