Volume 2
Capítulo 55: Renascimento Da Corvos
Guller suspirou antes de adentrar o prédio. Ali, em uma casa escura de Fallen, era o ponto de encontro principal da Corvos, a organização dos nobres rebeldes. Após a prisão de vários membros, eles combinaram que não teriam mais encontros por três meses, porém, ali estava o marquês novamente.
As ruas de Fallen continuavam escuras e repugnantes, como sempre. A senha ainda era a mesma: três toques de leve na porta de madeira, mas, por algum motivo, ela já estava aberta, mostrando o breu macabro no interior do prédio.
— Tem alguém aí?
O clima era de armadilha. Ninguém sabia exatamente como os membros da Corvos foram capturados ou mortos, então todo cuidado era pouco. O marquês puxou o punhal da cintura e entrou cautelosamente.
Após a morte de Edward Soul Za, o líder da organização, todos os nobres começaram a se desentender, afinal, a Corvos precisava de um novo líder. Para conquistar a liderança, eles não hesitariam em se matar ou criar armadilhas.
O número de membros vivos era desconhecido, considerando que alguns forjaram a própria morte e outros provavelmente eram espiões, disfarçados de nobres mortos.
"Não tem ninguém aqui…" Guller engoliu seco. Definitivamente era uma armadilha. Aquele era o local perfeito para esconder um corpo obeso.
E mesmo sentindo que era uma armadilha, o marquês continuou andando. Se fosse realmente uma emboscada, ele não conseguiria mais fugir da cidade de qualquer maneira. Pelo menos veria o rosto do responsável pela morte dos outros membros.
Por sorte, havia uma vela acesa no segundo aposento. Sem perder tempo, Guller agarrou a fonte de luz e verificou reflexivamente suas costas. Ninguém. Estava seguro por enquanto.
A vela na mão esquerda e o punhal na direita tremia conforme os batimentos cardíacos do marquês aumentavam. Precisava continuar andando.
"Whooop!"
O som de botas caras escorregando em um líquido viscoso ecoaram pelo prédio e o corpo do nobre foi ao chão. Rapidamente, Guller tentou se recompor, pegando os objetos do chão e iluminando o local que pisara.
— O quê…?
Um líquido estava escorrendo em abundância por todo o piso de madeira arcaica. O mesmo líquido também tingia de vermelho as roupas caras do marquês.
Não havia dúvidas. A coloração, o fedor e a sensação eram de sangue.
O sangue criou uma trilha no chão, que Guller seguiu por instinto, sempre se perguntando "o que eu estou fazendo aqui? Provavelmente vou morrer". Era como pedaços de pão jogados no chão, e o marquês era o pássaro que estava seguindo para a armadilha. Porém, diferente dos pássaros, o homem tinha ciência que algo o aguardava no fim da trilha.
A trilha terminou em frente a uma porta. A origem do líquido avermelhado era uma fresta da porta à frente. Ele sabia, não poderia abrir aquela porta. Porém, quando fez menção de se virar e fugir desesperadamente…
"Plac!"
O som de portas e janelas se fechando reverberou, causando um arrepio na alma de Guller. Perdera a chance de fugir e acabou preso na construção. Sua única opção, naquele momento, era abrir a porta à sua frente e presenciar uma provável cena brutal. Ele não tinha opções, era isso que o assassino queria.
— Merda…
A maçaneta girou lentamente, ao mesmo tempo que o marquês apertou o cabo do punhal mais forte. "Poc!". A porta se abriu e um rangido violou o silêncio.
— Ahhhh!
A primeira coisa que viu, ao olhar para o interior, foi um rosto conhecido deformado. Apesar dos hematomas e o sangue cobrindo o rosto, o nobre tinha certeza de quem era aquele. O penteado bizarro era inconfundível, as roupas baratas e os piercings no que certa vez fora um rosto entregavam que aquele só podia ser…
— A-Alban! Marquês Alban! Blergh!
Guller lutou contra a vontade de colocar o que comeu mais cedo para fora. Não podia baixar a guarda. Qualquer descuido significaria o fim de sua vida…
— Lealdade demais é um verdadeiro problema, não?
— Tudo bem querer parecher um heroijinho, mas pra tudo tem um limite, estou cherta?.
— Não é mesmo? Temos que estar sempre dispostos a fazer acordos. É assim que o mundo funciona.
— Verdade. As pesshoas prechijam sher maish mente aberta.
Uma única voz reverberou pelo cômodo. Sim, era uma única voz, porém, ela alternava entre o tom "fofo" e o obsceno, entregando a personalidade distorcida do dono.
— Q-quem está aí?! — gritou, apontando o punhal para o breu.
As solas das botas caras pisaram em algo molhado novamente. Todos os pelos do corpo se eriçaram quando sentiu algo quente atravessando a sola e tocando o peito do pé.
— Ah! Que rude de minha parte! Esqueci de acender as luzes para nosso convidado.
"Clack!"
O som de dedos estalando ecoou e a luz preencheu todo o local, transformando a vela fraca em um objeto insignificante.
— Bleeeeeergh! Blergh!
— Ora? Preferia as luzes apagadas? Humanos são tão complicados.
Guller não teve tempo de passar o comando "não vomite" para seu cérebro. O cenário mudou rapidamente e a pilha de corpos foi iluminada.
O estômago reclamou ao perceber que o "algo" pegajoso que o marquês pisou era, na verdade, pedaços do que uma vez fora parte de um intestino humano.
— Não é possível…! Blergh!!!
Quase todos os rostos deformados eram conhecidos. Não havia dúvida. Mesmo que alguns fossem novatos, os broches nas roupas ensanguentadas denunciavam que eram membros da Corvos.
Era inacreditável. A organização que demorou anos para ser formada foi reduzida a uma pilha de corpos deformados. Os nobres entre os nobres, guerreiros e estrategistas, se tornaram nada mais que pedaços de carne.
"Plac!"
A porta atrás de Guller fechou e o cômodo foi preenchido por uma aura assustadora.
— Marquês Guller, eu presumo?
O homem engoliu seco e nada falou, mesmo assim, a assassina se apresentou com a voz que exalava luxúria:
— É um prazer conhecê-lo. Meu nome é Azazel van Elsie e, hoje, lhe trago uma oferta irrecusável.
— Azazel van Elsie!!!
— Vejo que me conhece. Parece que sou bem popular no reino. Kyaaa! Fico até com vergonha assim. — A demônio pôs as mãos em formato de concha na máscara, como se estivesse escondendo o rosto.
Era impossível não conhecer aquela aberração. A monstruosidade com roupas de empregada e máscara preta e branca descrita pelo pervertido irritante da igreja herege estava bem à sua frente.
— Vo-você matou…
— Ah! Esse lixo? Não, não! Não fui eu. Quem fez a sujeira foi a Gyl. Ela é bem desorganizada.
— Assim vai acabar assustando ele, senhorita Azazel. — Uma voz masculina ecoou.
Aquela voz era familiar, assim como o sobretudo azul do dono. Era…
— Raul? P-pensei que estivesse morto!
— Eu quase morri de fato. Porém, fui salvo pela senhorita Azazel. É graças a ela que estou aqui hoje. É graças a ela que sou oficialmente um membro da Corvos, assim como o senhor!
— DO QUE ESTÁ FALANDO! — Percebendo o tom agressivo, Guller, por amor à própria vida, baixou o tom, suspirou e prosseguiu: — Me desculpe. Eu quis dizer, qual Corvos? Todos estão mortos!
— É realmente um homem muito educado, senhor Guller. Mas já se esqueceu? "Um exército só deixa de existir a partir do momento que seu líder morre". Enquanto tivermos alguém nos liderando…
— Vo-você será o novo líder, Raul? Por isso matou todos?
— Não, não. Eu não sou digno de tal cargo.
— Então…
— Nosso líder continuará sendo o mesmo. A única pessoa que é capaz de colocar esse reino nos eixos. Meu grandioso mestre: Edward Soul Za.
Após as palavras cegas e obcecadas, Raul fez uma reverência exagerada e a porta, uma vez selada misteriosamente, se abriu. Uma silhueta anunciou:
— Estamos começando uma nova era, meu velho amigo. Preciso de novos membros para a Corvos, e você foi selecionado por seus atos e lealdade anteriores. Claro, se não aceitar, só lhe restará a morte — falou Edward Soul Za, adentrando o cômodo de maneira imponente.
Os olhos viam, mas a mente negava a realidade. Ele vira com os próprios olhos o corpo de Edward, com um buraco enorme no peito, sendo enterrado. Aquilo era improvável! O marquês estava tão vivo quanto um jovem em um prostíbulo. Nem mesmo a morte era capaz de parar aquele nobre. Porém…
— Qual é a desse corpo esquisito…? — comentou Guller, vendo seu antigo companheiro lhe estendendo a mão.