Raifurori Brasileira

Autor(a): NekoYasha


Volume 1

Capítulo 23: Santo dos Hereges

Assim como os outros prédios da capital, o tribunal era majestoso. O local foi construído para suportar mais de quinhentas pessoas, mas, naquele momento, estava acontecendo um evento restrito. 

No papel de juiz estava aquele considerado o mais justo entre os humanos, o líder da igreja da deusa Annie, o Santo Avios Bishop. Nas laterais, nobres locais. À esquerda, os poucos que defendiam a inocência de Sophia. À direita, os muitos que queriam sentenciá-la.

Acima de todos, a família real, composta pelo rei e a princesa regente — ambos acompanhados de guardas e pessoas de sua confiança. A acusada — Sophia — estava algemada ao centro, de frente ao Santo Bishop.

— Marquesa Sophia Sophiette Sophys III, você é acusada de sequestro e tentativa de homicídio. O que tem a dizer sobre a acusação?

A voz grave ecoava facilmente por todo o tribunal. O Santo, vestido em uma túnica branca, ficou de pé, encarando a acusada.

— Um dos seus empregados quase matou o cocheiro pessoal da princesa Elisabella, o deixou amarrado na floresta, sequestrou a princesa e ia em direção à sua mansão quando foi impedido pelos guardas da capital.

— Já disse… eu não mandei ninguém sequestrar a princesa.

— Princesa, poderia nos contar pela sua própria boca?

A garota de cabelos loiros amarrados em um rabo de cavalo levantou-se da cadeira. Nenhum dos presentes no julgamento podia falar sem a permissão do santo, mesmo que fosse o rei ou a princesa. Naquele mundo, o cargo do servo de deus estava acima de qualquer nobre. O santo tinha em suas mãos o poder de condenar até mesmo o rei, caso assim fosse permitido pela divindade.

— Eu saí do colégio como normalmente faço, mas não percebi que havia algo diferente no cocheiro. Ele me levou até a floresta e me fez dormir com algum tipo de magia. Antes de apagar, eu vi isso.

— Ohhhh! — Todos gritaram em uníssono.

O objeto que a princesa mostrou ao santo era o brasão da casa Sophiette. Apenas empregados de confiança tinham o direito de portar o brasão da casa de sua mestra. Noah, que estava à esquerda, também tinha aquele brasão, foi isso que lhe deu o direito de assistir ao julgamento de Sophia.

— Impossível! Apenas três dos meus empregados têm esse brasão!

Noah, a qual considerava como uma filha, Maria, sua primeira empregada e…

— Entre.

Ao anúncio do santo Bishop, a porta atrás de Sophia se abriu e um jovem adentrou o salão.

— Não me diga que... Raul… O que...

— Olá, mestra! — gritou em deboche.

Raul. Esse era o nome do empregado da casa Sophiette, que também era o irmão de Ruthy. O garoto foi resgatado por Sophia das mãos de um nobre que o mantinha como escravo e o torturava diariamente. Foi por conta deste jovem — na época, uma criança — que Sophia ganhou a fama de uma tarada sequestradora de garotinhos.

Por que o jovem que considerava Noah sua irmã mais nova — mesmo ela sendo mais velha — tentava prejudicar Sophia, que o salvou do sofrimento de ser escravizado? Foi pago para isso?

— Conte-nos, meu caro, quais foram exatamente as ordens de sua mestra, a marquesa Sophia.

O jovem ajoelhou-se e baixou a cabeça, em reverência ao santo, em seguida, começou o discurso:

— Alguns dias antes do ataque a vila do senhor Edward, a senhorita Sophiette já planejava o sequestro. Durante o incidente na vila, em que a segurança da capital diminuiu devido ao grande número de soldados que foram até as terras do marquês, fui orientado a agir. 

— Primeiro, aguardei até o cocheiro baixar a guarda, envenenei ele com uma flecha e o amarrei na floresta… Roubei as roupas dele, fui até o colégio e sequestrei a princesa. O plano era prender a princesa Elisabella no porão da mansão até o retorno da senhorita Sophiette.

— Raul… Por quê?

— POR QUE ESTÁ FAZENDO ISSO!? — Uma voz interrompeu a fala de Sophia.

O grito veio da garota com roupas de empregada no lado esquerdo do tribunal.

— Por que, Raul? A Lady Sophia não te mandou fazer nada! Por que está mentindo?!

— SILÊNCIO!

O que fez a empregada se calar não foi o santo Bishop, mas sim os nobres ao lado dela. A garota lutava para se soltar, mas o homem alto de cabelos ruivos claramente era mais forte.

— Idiota, você vai acabar sendo executada por irreverência!

— Não ligo! 

— NOAH! — A voz da mestra fez a empregada parar de resistir. — Fique quieta! Lembre-se que esse é um julgamento sagrado!

Apesar do tom agressivo de Sophia e a expressão de raiva em Noah, no fundo, ambas lutavam contra as lágrimas que podiam jorrar a qualquer momento.

Tudo que Sophia fazia era para proteger a garota, a qual considerava como uma filha. A empregada compreendia isso, por isso se sentia tão impotente naquele momento. Mesmo naquela situação, ainda era ajudada e não conseguia ajudar. Nunca conseguiria retribuir a Sophia?

Se continuasse, Noah seria condenada por desrespeito ao santo, isso só complicaria cada vez mais a situação da marquesa.

— … Continuando. Tivemos aqui o depoimento de um dos empregados de confiança da marquesa Sophia, o testemunho da princesa e uma prova de como são os empregados da casa Sophiette. — O Santo apontou todas as provas que incriminavam Sophia.

O que podia fazer para se defender? Esteve longe da mansão durante os últimos dias. O depoimento de Raul foi a jogada final. O destino de Sophia já estava definido.

— Um momento, Santo Bishop. — A voz de um nobre fez a chama de esperança se acender novamente... Mas logo foi apagada ao ver que era um dos nobres no lado direito.

— Pode falar, marquês Guller.

Guller, o homem repugnante que tanto difamou Sophia, o que esse porco ainda tinha a dizer?

— Eu, o marquês Edward e alguns nobres estivemos fazendo algumas investigações ultimamente e descobrimos algo... E isso pode está relacionado ao plano de Sophia para sequestrar a princesa.

— Hmm... Continue...

— Chegamos a conclusão que a marquesa Sophia está ligada aos "Corvos".

A última frase chamou a atenção de todos — se ainda houvesse alguém que não estivesse prestando atenção — para Guller.

— Marquês Guller, tem ciência que essa é uma acusação grave? Tem como provar isso?

— Sim. O jovem Raul pode nos ajudar novamente. Mostre, garoto.

Aquilo que Raul tirou do bolso era um papel velho, na distância que estava, apenas Sophia e o Santo podiam ver o conteúdo.

— Esse é um mapa com a localização da casa de todos os nobres que não apoiam a marquesa Sophia. Vê esses que estão com um X vermelho? Esses nobres foram mortos recentemente sem uma causa específica. — Guller acrescentou um sorriso maligno ao final da explicação.

Definitivamente, Sophia estava condenada.

A organização denominada "corvos" era composta por nobres com o objetivo de tomar o reino para si. Até aquele momento, nenhum dos integrantes foi capturado vivo — todos se matavam ao serem capturados.

— Entendo... Vendo as provas apresentadas aqui, tenho o meu veredito.

— Espere!

Se fosse confirmado que Sophia realmente pertencia aos "Corvos", todos os nobres que estavam de seu lado também seriam acusados. O que aconteceria com o reino se essas boas pessoas fossem mortas. Se seu destino já estava selado, então Sophia salvaria seus companheiros... alegando que agiu sozinha. Só assim eles estariam livres de investigação. Devia condenar-se para salvar seus companheiros. Para o bem do reino.

— Qual o problema, marquesa Sophia? Saiba que será mais fácil obter o perdão divino se admitir seus pecados.

— E-eu... eu... e-eu...

"Por favor, não!" Noah não podia mais conter suas emoções. Não importava mais se seria executada. A empregada queria salvar a mestra, assim como foi salva quando criança.

Um feitiço de explosão seria o suficiente para criar uma distração? Não era muito boa em magia, mas tentaria o seu melhor...

— Explo— 

— Parem o julgamento!

A porta, que não devia ser aberta até o fim do julgamento, se abriu violentamente. A voz ecoou pelo tribunal, chamando a atenção de todos.

— Quem é esse que interrompe um julgamento sagrado? 

— Esse julgamento está sendo manipulado!

— Quem você pensa que é?! Em que se baseia ao criticar a autenticidade de um julgamento do santo que serve a grande deusa Annie? Guardas! Executem esse homem!

O som de tiros vindos de uma arma desconhecida fez os guardas recuarem com medo.

— Meu nome é Kurone Nakano... E sou o santo que serve a... A grande deusa Cecily!

O jovem vestido em uma túnica cinza estava cercado de sacerdotisas da seita da deusa Cecily. Ao seu lado, estava Inri, a sacerdotisa chefe da igreja. Não soube exatamente se foi o nome “Cecily” ou o próprio nome que assustou os presentes, mas isso não importava naquele momento. Precisava ser breve.

— Santo Bishop, esse homem se declara um santo, exijo que—

O nobre revoltado do lado direito foi silenciado em instantes. Algo atravessou o crânio, ceifando a vida do homem em instantes. O som das cápsulas de 5,56x45 milímetros caiu no chão, assustando todos os outros que queriam protestar.

— Contemplem a punição divina!

O olho esquerdo, normalmente coberto pela franja do jovem com o fuzil, brilhava intensamente em um amarelo vivo. Aquele parado ali, movido pela força de vontade de querer salvar a irmã e sérios problemas psicológicos, era um Kurone que não se importava de atirar contra quem estivesse em seu caminho. As janelas do tribunal estouraram com várias rajadas.

— Guardas, matem esse here—

As ordens do rei foram interrompidos por um “bam” vindo da arma de Kurone. O tiro passou perto, mas não o atingiu — não foi mirado para eles de qualquer maneira. O disparo da arma acertou em cheio a garota ao lado do homem.

— Eli...



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