Possuídos Brasileira

Autor(a): Guilherme Alves

Revisão: boreggio


Volume 1

Capítulo 1: O Inferno na Terra

Aviso: Caso estranhem a escrita é porque eu sou de Portugal, dito isto aproveitem a história.

 

“Estejam alertas e vigiem. O Diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar.”
1 Pedro 5:8

 

 

— Boa tarde, caros telespectadores. Estamos em direto da escola pública de Frankfurt, lugar de um possível novo ataque de demônios, supõe-se que sejam apenas três, a polícia já se encontra no local e prepara-se para invadir a qualquer momento…

Na frente do portão, cercado por policiais, um homem encapuzado parecia usar um longo manto que esvoaçava com o forte vento. O sol batia-lhe na cara intensamente. 

— Vou avançar — informou ele pelo comunicador aos militares da segurança pública enquanto adentrava confiante ao local.

— Entendido, estaremos aqui se for necessário apoio. Boa sorte. 

No pátio em frente a escola só dava para escutar o barulho dos pássaros. Perante os seus belos olhos verdes a natureza agitada contrastava com o silêncio sem vida. 

Foi então, que no meio das rajadas de ar que adentravam os ouvidos dele, uma fina melodia de violino foi notada. Curioso, olhou para a direção do som: vinha de uma porta onde a sua atenção fixou-se. 

— Andrey, por favor, me confirme a posição dos três alvos — pediu pelo comunicador.

— Os três estão atrás de paredes, dois em cima e um embaixo… O de baixo tem algo na mão, um instrumento talvez. 

— Certo, é suficiente por agora, vou desligar.

Unindo as mãos lentamente, conjurou um nevoeiro preto. Em volta da escola uma fumaça negra cobriu todo o ar. 

 — Que tristeza, parece que encantar humanos já não é tão fácil como antigamente. Que falta do meu Tartini¹… — revelou o demônio ao se mostrar de cabeça baixa diante o homem.

— A forma de uma criança?

Ao ouvir aquilo, o ser grotesco, envolto em trajes musicais feitos de tecido preto, observou no fundo dos olhos dele e com um enorme sorriso no rosto exclamou: — Forma de criança? Você sabe bem que é mais do que isso.

Assim que concluiu, o corpo infantil foi modificado. As feições demoníacas dominantes no rosto ainda em desenvolvimento desapareceram. Foi então que, no meio daquele silêncio desconfortante, uma fina voz de menino se fez ouvir.

— Por favor, senhor, me ajude! — gritou ele desesperado.

 De repente, a criança interrompeu o seu próprio pedido de ajuda. Usava as mãos para cobrir toda a face escondendo as lágrimas geladas; lágrimas que escorriam pela pele desfigurada e usurpada pela criatura. De imediato, elas caiam sobre as plantas que cresciam nos buracos das pedras presentes no chão. 

Quando finalizou o choro, limpou o rosto e continuou: — Eu juro que eu não queria nada disso, eles nos obrigaram… Disseram que ia ficar tudo bem…

As gotas instantaneamente preencheram ainda mais a cara dele. Desesperado, correu em direção ao homem encapuzado. 

— Me desculpe, mas não posso fazer nada, você está num estágio muito avançado de Possessão. O máximo que posso fazer nesse momento é aliviar a sua dor — ele retrucou frio e calmo ao pedido de ajuda.

Focado, concentrou o olhar no pequeno menino e, velozmente, aproximou-se dele. Ao perceber o rápido avanço do caçador, o demônio retomou o corpo do fraco humano; contudo, era tarde demais: bastou um único movimento para ele ser decapitado.

A cabeça voou pelo ar, manchando o chão de vermelho vívido. Rodando pelo vento, caiu sobre as gélidas pedras do solo. O sangue foi logo escorrendo e, aos poucos, ia aquecendo as dezenas de rochas perfeitamente alinhadas que cobriam o caminho até a parte principal.

 Calmamente, o caçador aproximou-se daquela feição assustada. Abaixou-se perto dela e puxou-a pelo cabelo, levantando a cabeça na mesma altura da sua. Com total atenção mirou no fundo dos olhos do jovem morto. Medo, medo foi o último sentimento que o pobre rapaz tinha sentido no seu pequenino coração. 

— Michael, o de baixo desapareceu, vou supor que foi você… — informou Andrey.  

— Sim, eu sei…

— Sendo assim, irei informar a polícia de imediato.  

Levantou-se logo que ouviu a última palavra sair do comunicador e foi para junto do corpo. Com uma névoa estranha, o homem tapou ambas as feridas da criança, cessando o sangue por completo. Sem demora, ele ligou carne com carne, unindo o pescoço à cabeça, e, movimentando os braços e mãos, envolveu todo o cadáver num denso e preto fumo.

— John, o primeiro já está resolvido, acho que eu vou para a ala sul agora. Conto com você para limpar essa área.  

— Menos um filho da puta, excelentes notícias — expressou ele antes de desligar a escuta.

John, no terraço da escola em cima do pequeno muro que lá existia, olhava para uma balança que flutuava sobre a sua cabeça.  

— Parece que a sorte está comigo, o que eu faria sem ela? Talvez devesse parar de gastá-la com essas merdas? — Soltou uma gargalhada, largando o seu cigarro no abismo que o separa daquele muro e o chão duro. Segundos depois sincronizou o seu canal de comunicação com o do sniper. — Andrey, está pronto?   

— Sim, só essa nuvem negra em volta da escola que não ajuda em nada — revelou o pistoleiro ao colocar o seu olho direito sobre o vidro da mira.

Diante daquela altura, o caçador deu um passo a frente. Sentia o ar por todo o seu corpo e, aos poucos, aproximou-se rapidamente do chão. Contudo, parou no meio do percurso, pendurado por duas cordas. Perante os seus olhos estava uma janela e, balançando um pouco, John mergulhou para dentro da sala.

Em volta do seu intimidador corpo, havia dezenas de cacos de vidro, mas eles eram ofuscados pela visão das crianças medrosas agachadas debaixo das mesas. Em frente a elas, um demônio que emanava uma presença ameaçadora de costas. Era difícil de ver, mas parecia ter um corpo na boca da besta. Sem piedade, o homem recebeu a monstruosa criatura com duas balas. 

Desprevenida, ela virou-se apressada, atirando o resto da criança na direção do caçador, recuando alguns passos depois.

Ao mesmo tempo, o homem sem reação foi derrubado pelo cadáver infantil, deformado pelas mordidas famintas da besta.

O franco-atirador, ao notar a silhueta da aberração em uma das janelas da sala, disparou um tiro certeiro na cabeça dela. 

Morta, ajoelhou-se à frente do caçador. O homem, sem pensar mais, arremessou o corpo frágil do menino contra a parede e foi de encontro ao monstro.

— Acho que vou deixar o outro para o Michael, foi muita diversão para um único dia — exprimiu John ao segurar nos finos cabelos castanhos do demónio — Podia ter ficado numa melhor condição, não? Assim fica difícil de te identificar, nem para facilitar as coisas para nós dois. 

— Não quero interromper o momento do casal, mas se não cortar de uma vez a cabeça, ele vai voltar.

Ao escutar aquilo, ele encarou os olhos do monstro e, friamente com a faca na mão, foi dividindo cada pedaço de pele, carne, ou músculo que encontrasse. Durante o tempo em que cortava a cabeça da besta, ele, com um sorriso no rosto, sentia os seus últimos gritos de dor penetrar os dois ouvidos. 

— Michael, infelizmente o segundo já foi, podia ter durado mais um pouco. — Limpou a faca ensanguentada na própria roupa. — Mas, enfim, o terceiro fica para você, dois são muitos para quem recebe pouco. — No mesmo momento em que deixava as palavras voarem, John colocava ambos os corpos dentro de sacos. 

— Entendido, se é assim, pode ir embora, deixe o resto comigo.

Michael olhava para todos os lados tentando localizar a presença da última besta, contudo o choro dos pequenos jovens atrapalhava essa missão. Parecia que ela estava usando-os como forma de se camuflar.

Aqueles corredores intermináveis cobertos de um silêncio ofegante incomodavam o caçador. Era como se alguém o observasse de todos os lados, e mesmo acompanhado por uma leve orquestra chorosa, ele parecia solitário.

O homem, bastante atento, observava cuidadosamente tudo a sua volta. Foi então que, uns metros à frente da sua posição, ele viu uma poça de sangue. O acalmava, pouco a pouco relaxando a sua visão. Algo o chamava.

A cada passo que ele dava para perto daquele líquido vermelho, o seu corpo mostrava sinais de enfraquecimento, como se um veneno tivesse entrado pelas suas narinas e consumido lentamente todas as suas células.

Percorridos alguns metros, lá estava ele, cara a cara com a poça. Olhou para o fundo daquele imenso lago esperando ver apenas o seu apático reflexo, porém, surpreendentemente, esse respondeu-lhe olhando-o de volta, observando com dois olhos surgidos do sangue a alma perversa do caçador. 

Em instantes, o que eram globos oculares viraram um monstruoso demônio vermelho que, sem hesitar, tentou acertar o rosto de Michael com um golpe. 

Ainda bastante atordoado, o homem, instintivamente, recuou alguns metros.

— Que interessante, um humano que consegue escapar do veneno. — A besta parecia frustrada, mas ao mesmo tempo interessada no oponente. Ainda de olho nele, tentou voltar para dentro do seu esconderijo. 

— Veneno? Interessante. Mas já vi muitos muito melhores. 

De súbito, duas mãos negras saíram da parede segurando a besta pelos braços. Ela tentava debater-se como um animal desesperado, que mesmo sem chance lutava para fugir da prisão. 

— Que tal nos divertirmos nós dois juntos — soltou ele, em forma de sussurro, no ouvido do inimigo. 

Com um leve movimento, Michael separou as pernas do tronco, impedindo qualquer tentativa de fuga. Por debaixo daquele líquido vermelho, o verdadeiro corpo era revelado e órgãos humanos escorregavam para dentro da poça. Outros, ainda ligados ao monstro, ficavam pendurados pouco acima do chão .

— Outra criança, algo está estranho aqui — disse ele para si mesmo, antes de segurar na besta pelo pescoço e atirá-lo contra a parede.

— Não era preciso isso, porra!

Olhando para ele com um ar ameaçador, o caçador avançou um pouco em sua direção e com um tom pouco amigável perguntou: — Por que vocês estão usando corpos jovens?

Amedrontada, a besta encolheu-se como uma criança e choramingando foi se desfazendo, revelando assim o corpo podre do menino. A personalidade que ainda restava da pobre alma então se sobressaiu. Confuso, ele arrastou-se para perto do caçador. Michael aceitou os sentimentos dele e, tentando saber mais, pegou-o pelo braço, perguntando:

— O que aconteceu?  

— Senhor, eu fiz o que ele mandou, eu pensei que assim eles iam parar de me atormentar.

— Eles quem? Demônios?

O miúdo que observava tudo a sua volta tentou deixar algo sair dos seus lábios com uma voz fraca.

— Não, o…

Antes de deixar o rapaz concluir a sua fala, a besta, retomando o corpo, transformou os pequenos dedos do garoto em garras gigantes que partiram para cima do homem. Sem hesitar, ele segurou a cabeça do demônio e, com alguma força, despedaçou-a.

Largando o corpo, viu o sangue escorrer pela sua mão. Alguns dos pedaços do crânio dele tinham feito feridas profundas na pele do caçador. Admirando os longos ferimentos, ele cobriu-os com chamas negras. Naquele momento, grunhiu de dor, contudo, os seus machucados lentamente iam sendo sarados. Assim que terminou os cuidados, a sua expressão voltou à calma normal. Sem perder tempo, aproximou-se do cadáver e se abaixou. 

— Espero que descanses em paz, bem longe daqui. — Fechou os olhos do azarento menino. Depois disso, por todo o corpo da criança uma nuvem preta surgiu, cobrindo toda a pele dele. 

Inexpressivo, voltou as costas e seguiu o seu caminho, contudo algo parecia querer adentrar o campo de escuridão que existia em volta da escola. Um poder como aquele fazia até mesmo um caçador experiente como ele temer o possível adversário. 

— Recuem imediatamente… conseguem me ouvir? Recuem imediatamente, algo está tentando passar pela barreira da escola!!

— Entendido — responderam ambos os caçadores.

A pressão que a figura exercia era imensa e não havia qualquer chance de ele conseguir aguentar muito mais. Temendo o pior, o homem retirou uma agulha do bolso e espetou numa das poucas veias visíveis no seu pulso magro. 

 


¹Tartini foi um famoso violinista nascido no nosso mundo. Contam as más línguas que certo dia, um demonio entrou no seu sonho, firmando um pacto, desse contrato nasceu uma melodia bela. Quando Tartini acordou, correu para tentar atingir a perfeição que tinha ouvido, contudo não teve sucesso nessa missão. 



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