Possessão Brasileira

Autor(a): Matheus P. Duarte


Volume 1

Capítulo 4: Decisão

Dois dias haviam se passado desde que Mutsuki foi acolhida pela equipe de Matheus. No primeiro, ficou a maior parte de seu tempo no quarto, bastante pensativa e nem ao menos comeu. Na manhã do segundo, a mulher que a abraçou em anteriormente veio com comida e trouxe mais algumas roupas e itens de higiene. Somente no terceiro dia, se animou para sair do quarto.

Ela abriu a porta e observou os corredores com a cabeça antes de sair. A direita, podia-se ouvir uma música não muito alta tocando e foi para onde Mutsuki timidamente caminhou.

Uma das várias salas estava aberta, com uma luz visível no corredor. Lá dentro estava Yuudachi limpando sua escrivaninha cheia de mangas enquanto cantarolava e dançava ao som de uma música chiclete de idol vinda do seu celular no bolso de trás da saia. Como que por instinto, a curiosa não entrou, apenas observou da beirada, expondo apenas o mínimo possível para enxergar.

Entra aí. Não precisa se acanhar — disse Yuudachi sem ao menos ter feito contato visual.

Mutsuki ficou vermelha e deixou seu corpo praticamente escorrer para frente da porta.

Desculpa, eu não queria ser mal educada.

A gente tá morando junto agora, então não tem problema.

O quarto era bastante conservador com o sexo de quem o ocupava. Móveis cor de rosa, paredes lilases, cama com lenção de corações e até alguns ursinhos de pelúcia para dar o toque final.

Yuudachi se virou para receber sua visita e disse — E ai? Gostou?

Hum… Achei fofo.

Sua ouvinte soltou um risinho brincalhão como resposta.

A propósito, eu sou Yuudachi Mogami. Como disse que se chamava mesmo?

É Mutsuki Chikuma.

Que demais! Quem diria que teríamos todos os cruzadores da classe Tone em um só lugar!

Cruza… O que que você disse?

Nada não, é que eu sou uma nerd. Mato o maior tempo com o Matheuso.

Seu chefe, você diz?

O próprio. Vem comigo, a Asashio já deve tar por servir o café.

Ela desligou a música e dai agarrou a mão de Mutsuki como se não tivesse qualquer noção de espaço ou intimidade para caminharem pelo corredor.

Já viu como é o lugar?

Mais ou menos.

Ok, eu vou te explicar. Deve ser óbvio agora, mas de onde viemos são os quartos. Somos 6 ao todo, incluindo você.

Com ela tendo repassado esta informação, ambas continuaram em direção a um certo odor característico, o de comida. Para chegar aos quartos havia uma encruzilhada com placas, indicando a direção de uma ala médica, academia, cozinha e escritório.

O lugar é bem simples de entender, mas uma coisa não tá escrita nessas placas, o arsenal, meu lugar favorito!

Até isso vocês têm aqui embaixo?

Claro! Não é a toa que chamamos aqui de O Bunker. Infelizmente eu não posso te mostrar meus brinquedos… — completou Yuudachi com uma voz chateada e um olhar baixo.

Recobrando os ânimos, a pequena garota voltou a sorrir e arrastar sua nova amiga pelo lugar.

Em uma das portas, dupla, diferente das outras, elas entraram. O local era um refeitório, mas com a essência de uma cozinha, pelo fato de ser bem enxuto. Ao lado do fogão estavam Matheus e a mulher que estava cuidando de Mutsuki.

Bom dia, senhoritas. Que bom que veio se juntar a nós, Chikuma.

Eu que agradeço por me receberem — respondeu ela enquanto se curvava como sinal de boas maneiras.

Se você anda com a Yuudachi, deve saber que não somos tão formais por aqui. Vamos, pode se sentar.

As duas se sentaram em uma das mesas, com Matheus trazendo logo em seguida alguns pratos e sua companheira as panelas.

Obrigada, aaah…

Asashio, pode me chamar assim.

Prazer.

Enquanto ela respondia, a cozinheira passou a mão algumas vezes em seu cabelo e disse — Você precisa escová-los bem, tem alguns fios soltos. Uma garota bonita como você precisa se cuidar.

Desculpa, eu vou ver isso — respondeu ela ao mesmo tempo que recebia uns tapinhas nas costas com sua figura bem encolhida.

Uma vez todos sentados, estranhamente, uma pessoa não podia ser vista.

Onde está a Satsuki?

Ela não toma café da manhã, come apenas uma vez por dia. Sua rotina de treinamento é bem rigorosa, não que também não tenhamos as nossas, mas ela se destaca. — respondeu Matheus.

Com todos de cabeça baixa comendo, Mutsuki, estava um pouco hesitante, entretanto, acabou por ventura a seguir o que os outros estavam fazendo.

// — // —

A academia era um lugar muito completo, apesar de, como o resto do lugar, ser bem compacta. Haviam vários aparelhos como pesos, barra e diversos outros, salvo a devida quantidade deles.

Correndo em uma esteira, estava Satsuki. Como usava roupas de ginastica, podia-se ter uma boa visão de sua constituição física considerável que outrora era bastante discreta.

Sua determinação era evidente de acordo com a forma intensa de como se movia, apesar de estar ofegante e embebida em suor.

Alguns longos minutos se passaram até ela finalmente parar de correr. Sua respiração era pesada o bastante para ela precisar ficar alguns segundos escorada para recuperar seu fôlego.

Na porta aberta do local, Mutsuki a observava com uma toalha em mãos. Não demorou muito até ela ser avistada.

Bom dia, Satsuki.

Bom… Dia…

A Asashio pediu que eu te trouxesse uma toalha pra se secar.

Ela caminhou até sua colega e alcançou o que havia vindo trazer, algo que foi recebido de muito bom grado.

Se sente melhor? — perguntou enxugando o suor de seu rosto

Bem… — suspirou, baixou o olhar e seguiu — Ainda é muita coisa pra mim absorver. Desculpa pelo outro dia.

Não se preocupe, estou acostumada.

Mutsuki se virou um tanto sem jeito e começou a dar uma olhada melhor no lugar. Ela pegou alguns dos pesos e começou a levantar de modo intrigado.

Então… Você é atleta ou algo assim?

Um pouco surpresa com a pergunta mais pessoal, Satsuki respondeu — Não, é que precisamos nos manter em forma.

Entendi. O que você fazia antes de virar… Sei lá, o que você é hoje?

Satsuki caminhou para mais perto dela coçando um pouco a cabeça antes de responder.

Eu fazia medicina.

Uau! — exclamou ela juntando as mãos cm brilho nos olhos e continuou — Isso é muito legal! Meu irmão faz…

De repente, antes de completar a frase, ela separou as mãos e curvou seu lábios para cima, ao mesmo tempo que baixava seu olhar, perdendo todo o brilho que outrora teve.

Satsuki levantou de leve a cabeça, enquanto estufava o peito e falou — Se servir de consolo, todas nós já passamos por isso… Não temos ninguém.

Isso é tão ruim… Eu achava que conseguiria parar de chorar, mas…

Você nunca mais vai levar uma vida normal. Quanto mais cedo entender isso, melhor.

De forma fria e desinteressada, ela deu as costas e deixou Mutsuki sozinha com os próprios pensamentos. Seu rosto estava mortalmente sério e cheio de desgosto.

// — // —

Pelos corredores de um hospital, uma enfermeira caminhava. Seus cabelos ruivos combinavam com o batom de seus lábios e com o escuro de seus olhos. Seu andar era gracioso e seu sorriso era a própria reencarnação da simpatia.

Seus saltos estalavam como musica para ouvidos dos enfermos que caminhavam por lá. Os olhares das outras pessoas, algumas enfermeiras, mas principalmente homens, eram intenso e muitas vezes indiscreto, ainda que vários fossem cordeais ao cumprimentá-la.

Entre os vários quartos, ela escolheu um muito específico para entrar, sendo necessário pedir licença aos guardas.

Lá estava Sachiko, deitada sobre uma cama, com vários curativos cobrindo seu rosto, banhada pela brilho amarelado do sol de fim de tarde no céu. Não existia luz em seus olhos ou reação a o fato de alguém ter entrado.

Bom dia. Passou bem?

A única resposta que recebeu foi um pequena aceno com a cabeça dela, isso sem que tirasse os olhos da janela.

Que bom. Hoje é dia de tirar os curativos. Pode se virar pra mim?

A mulher sentou-se em uma cadeira que estava na sala, então, sem resposta, cuidadosamente segurou o rosto de Sachiko e ficou frente a frente com ela. Pouco a pouco, ela desfez as talas.

Por de baixo dos panos, as cicatrizes tornavam a pele escura e os pontos só pioravam tudo. Para uma jovem adulta na flor da idade, o fato de permanecer marcada para o resto da vida era uma grande tragédia por si só.

Por favor, não me traz um espelho… — falou Sachiko e depois mordeu os lábios.

Está bem cicatrizado. O doutor disse que mais alguns dias e poderá tirar os pontos.

Por alguma razão, suas expressão nunca mudou desde que chegou, nem mesmo diante de uma vitima de um ato tão violento quanto ela.

Se levantando para ir embora, disse — Precisando, é só chamar.

Virando suas costas, estava pronta para deixar o quarto. Prestes a abrir porta da saída, Sachiko preguntou algo.

Qual o seu nome?

A enfermeira se virou e respondeu, com toda a leveza do mundo — Kasumi.

Eu gosto do seu sorriso. Me fazer sentir esperançosa — disse a jovem com um sorriso tímido no rosto.

Sua ouvinte deu uma risada antes de responder em um tom soturno.

Mas é justamente por isso que o faço — respondeu e depois complementou de forma bem discreta, mesmo quase inaudível — A maneira mais fácil de fazer um coração parar de bater é o enganando com falsas esperanças.

Deste modo, ela deixou o quarto, indiferente se haviam ouvido ou não sua afirmação.

Kasumi passeava pelos corredores quando de repente encontrou o seu chefe, conversando com outra funcionária. Com um aceno de mão, ele indicou querer falar com ela e fez questão de dar uma boa olhada para os lados antes de seguir adiante, então pediu licença e entrou em um escritório seguido de sua convidada, trancando a porta no processo.

Bem, agora que estamos a sós…

O médico agarrou Kasumi pela cintura e a apertou contra seu peito.

Ai, que galante… — disse ela com o rosto bem perto do dele e continuou, após se encararem romanticamente — Pena que é meio apressadinho.

Apressadinho? Eu te consegui esse emprego a 3 dias. Acho que já passou da hora de me dar a recompensa que prometeu.

Ela lentamente abriu seu típico sorriso e respondeu — Que tal esse final de semana?

Você tá me enrolando — falou de maneira mais provocativa do que de reclamação.

As melhores carnes assam bem devagar — respondeu mordendo o dedo de seu anfitrião com carinho.

Gostei disso… E se nós…?

De repente, Kasumi fechou o rosto e virou-se rapidamente para a porta, soltando-se com força. O doutor tentou por algumas vezes balbuciar alguma coisa, mas não foi capaz de pronunciar nada antes que ela deixasse a sala.

Caminhando com pressa pelos corredores, ela levou sua mão a orelha, acionando um comunicador.

Aqui é Kasumi, fomos comprometidos.

Consegue segurar até nossa chegada?

Não, vou agir agora.

Levantando um pouco sua saia, tirou um revolver de 5 tiros da coxa e o disfarçou no bolso do uniforme. De seu sutiã, puxou um canivete, deixando-o com a lâmina retraída em sua mão direita.

Ao chegar perto de onde estava Sachiko, não era possível ver nenhum guarda que deveria estar ali. Ela colou seu ouvido na porta, mas não se podia escutar nada, mesmo assim, entrou.

Sachiko estava no exato mesmo lugar, um tanto surpresa com a visita repentina.

Mas eu não chamei.

Preciso que venha comigo.

A vitima ficou com a boca levemente aberta e encarando, como se não conseguisse entender o que estava acontecendo. Kasumi, nesse meio tempo, olhou pelas janelas, tomando cuidado para não aparecer muito.

Agora! — gritou ela vendo a inércia da outra.

Sachiko saltou da cama e se colocou em pé ao lado da porta, esperando.

Escute, parece que os caras com quem você se envolveu querem a sua cabeça.

Ela estremeceu ao ouvir aquilo, ao ponto de precisar se encostar na parede e começar a tremer.

Temos que… Falar com os guardas — disse com a voz trêmula.

Eles não vir. Deixaram o prédio a alguns minutos. Vamos precisar correr até o estacionamento.

Quando ela falou isso, Sachiko continuava instável, com um olhar distante, muito confuso e uma respiração alterada, ainda sim, segurou sua mão, puxando-a para fora de lá.

Tente disfarçar. Se perguntarem, estamos dando só uma volta.

Os corredores estavam bem cheios, facilitando um pouco para elas se esgueirarem, embora dificultasse a locomoção.

Por que está me ajudando? Nós mau nos conhecemos. — indagou em tom baixo.

Só estou fazendo meu trabalho.

Terminando de dizer isso, Kasumi viu dois homens de preto, um deles com uma tatuagem na mão e o outro no pescoço, escolhendo dar a volta, em direção a saída de emergência. Quando estavam prestes a alcançá-la, mais dois apareceram vindos da porta, obrigando Kasumi a puxar sua arma e disparar contra eles.

O primeiro tomou um tiro no pescoço e caiu se debatendo no chão ao se engasgar no próprio sangue, enquanto o segundo tomou dois no peito, o suficiente para fazê-lo tombar sem resistência.

Sachiko perdeu o pouco que lhe restava de compostura ao ouvir o som ensurdecedor dos tiros ecoar no corredor e se jogou no chão de costas, gritando de pavor e tentando se empurrar para longe com seus pés.

Kasumi virou-se e viu os outros dois vindos pelo corredor, agarrando com agilidade sua protegida pela gola da roupa e arrastando-a, enquanto atirava os últimos disparos de seu revolver para cobri-las.

Do lado de fora, ela largou Sachiko no corrimão da escada e bateu a porta, usando seu ombro para garantir que ficaria fechada, então aproveitou o tempo para recarregar. Tendo fechado o cilindro, voltou a pegar a mão de sua companheira e seguiu correndo pelos degraus, completamente indiferente aos seus prantos.

Entre um lance e outro, trocavam-se tiros entre ambos, até que Kasumi ficou novamente sem munição quando chegou no térreo. Uma esquina estava a sua frente, que dava para o outro lado do estacionamento. Lá, largou Sachiko e permaneceu esperando com seu canivete em mãos por seu perseguidores.

Eles visivelmente não eram amadores e mantinham um olhar atento, bem coordenados em sua investida. Quando estavam prestes a continuar, Kasumi saiu de trás da onde estava e lançou seu canivete contra aquele que vinha mais a frente, atingindo seu olho. Aproveitando o corpo em seus últimos suspiros, o usou como um escudo para se aproximar do último, lançando-o com força sobre humana para cima dele.

Caído no chão, ela apertou sua mão com o pé para que não conseguisse levantar sua pistola, retirou a faca cravada em sua vítima e desferiu mais um golpe bem no meio de seu peito, matando-o quase que instantaneamente.

A raiva que ela tinha havia mudado completamente a forma com que ela se parecia, dando origem a um olhar psicótico. Como se tivesse tomado ciência disso, balançou sua cabeça e voltou para pegar Sachiko.

Você está bem?

Entre lágrimas e soluços, sua única forma de se expressar foi com um aceno de cabeça, ainda que pudesse ver claramente o sangue sobre ela brilhar com o raios de sol e o cheiro de ferro característico dele.

Rápido. Estamos quase lá.

Assim, as duas conseguiram chegar em um carro e escaparem do hospital.

// — // —

No estacionamento do bunker, Matheus estava escorado em um pilar de braços cruzados, escondido pelas sombras do começo do anoitecer, observando um carro estacionar e iluminar sua figura. Quem saiu dele foi ninguém menos que Kasumi e ela apenas, até agora usando seu uniforme de enfermeira manchado.

Conseguimos escapar, mas tive que matar quatro deles.

Estou vendo… E a garota?

Dei dinheiro pra ela e o número da Sagiri. Depois disso, fomos até a casa dela e pegamos sua mãe... Ela está muito doente.

Mãe doente, mundo do crime… As coisas fazem mais sentido agora. De qualquer modo, elas nunca mais poderão ter uma vida normal. — Matheus virou seu rosto para trás do pilar onde estava e continuou — Viu só o que eles fazem? Sequestro, estupro, assassinato, inclusive das famílias de quem mexe com eles… Sente-se mais decidida, Chikuma?

Do outro lado, Mutsuki estava mordendo os lábios e cerrando seus punhos, com um olhar tão odioso que poderia queimar o mundo.

— // — // —

Tem vontade de escrever, mas não sabe ao certo o tema e como desenvolve-lo? https://discord.gg/9VmnbQmJk2

Pra quem quiser contribuir: https://nubank.com.br/pagar/6psyw/8wjFKDf3X1



Comentários