Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Volume 1 – O Orfanato

Capítulo 2: Amanhecer dos Sinos


 

【Orfanato, dez anos atrás】  

 

— Will? O que tá fazendo aqui no jardim? 

Mark se lembrava do encontro repentino quando era uma criança. Lágrimas de Will escorriam pela calçada do orfanato feito uma cachoeira. A criança com cabelos brancos se segurava para não emitir um único som. 

— Um dia. Um dia. Você terá que... ir embora. Você foi o primeiro a chegar. Acabarei sozinho.   

Ei, ei! Não fala isso, porque não vou te deixar sozinho fácil, você é mais velho que eu. Por que tá assim? 

Suas ações de quando era criaça não eram de um irmão mais novo, era um conselheiro novato. Se sentou ao lado e segurou o ombro dele com força. Os esforços não melhoraram as lágrimas, o pesar na garganta o forçou a continuar: 

— Você não está errado, um dia talvez eu tenha que sair desse lugar, mas... mas... eu... tentarei ficar com você! E farei o possível para você ficar comigo. 

A mente vacilou, as palavras não saiam. Um medo atingiu seu peito feito pedra. Almejou evitar as palavras que temia: sempre e nunca. Sentimento medonho o atingia, uma criança com fobia de certezas. No final, se esforçaria para se manter. Era muito melhor. Evitaria parte do pesar quando aquilo falhar miseravelmente, afinal, nunca afirmaria "para sempre" ou "nunca mais". 

 

 

Com o passado marcado na cabeça, abriu o armário que continha o espelho, viu uma foto que estava junto de Maria, Martia e Will. Tinha um imenso valor emocional, suas mãos apertaram o objeto. Não queria soltar. Respirou fundo e aproximou a lembrança ao peito. 

— E se eu... não quiser sair daqui?  

Hesitou por um segundo, porém, finalmente guardou a foto e pegou o uniforme escolar. Antes de sair do quarto, virou o rosto com uma atenção de última hora; pegou sua blusa azul e ficou satisfeito. 

— Mark! Mark! Tá demorando, hein, você tá me deixando mais... 

— Nervoso?

O irmão nervoso comentava no outro lado da porta, que foi aberta por Mark e os fizeram sorrir um para o outro. Seguiram para o banheiro que era no começo do corredor. Will tremia rapidamente, colocou a roupa de qualquer jeito para terminar primeiro. 

— E se eu esquecer? Tô muito nervoso... Ai, ai, ai... e agora? — Sacudiu as mãos. 

— Ontem mesmo estudei com você. — Enxaguou a boca. — E acertou quase todas as questões, não tem com o que preocupar. Fica tranquilo. Pelo que lembro, tá favorável. 

Tinham o mesmo uniforme, porém tinham símbolos ligeiramente diferentes. Mark já havia feito a prova e tinha facilidade com a matéria — não dominava, mas era digno de dar o apoio. 

Seu irmão brilhava os olhos, que acenderam chamas. Sem explicações, o calor se apagou e seu semblante desmoronou. Novamente, amassou os cabelos com as mãos — uma confiança que durou incriveis meio milissegundos 

— Faz assim: você está nervoso por estar com medo de errar, então, invés de pensar nos erros, pense no bolo que você vai ganhar como recompensa. 

— Não vai funcionar!  Se eu esquecer até de colocar o meu nome e... 

A pegada no ombro direito o fez arrepiar, era a maneira mais sincera de Mark tentar buscar confortar a ansiedade que consumia o irmão de criação.

— Will, nós passamos tanto tempo juntos que já treinamos até o clichêzinho de completar as frases um do outro. Eu estou dizendo que você não deveria se preocupar... Acredita em mim, certo? 

— S-sim! — A luz refletiu no punho estendido. — Vou ir bem e vou deixá-las felizes!  

Mark sentiu realizado, o seu irmão não estava mais abatido. Passou os dedos nos cabelos dele, tentou manter a ordem elegante que foi destruída pela inquietação anormal. 

 

 

O agir desajeitado do órfão, que descia as escadas de dois em dois degraus, mostrava a ideia boba com a mochila nas costas.  

— Bom dia, atrasadinho — disse Martia ao se aproximar, calmamente.   

— Bom dia. Eu terminei de me arrumar primeiro do que o senhor pânico, tá? 

Martia ainda estava no sofá, de folga. Se levantou e foi dar um abraço no garoto. Os dois estavam sorridentes de forma recíproca. 

— Aonde Maria tá?  

— Depois que ela te acordou, foi ao mercado comprar o que falta para a cozinha. 

Já era o bastante. A empregada mexia em suas roupas e mochila, averiguava cada detalhe. Mark ficou incomodado, a moça fazia caras estranhas, até que o encarou de frente. 

— Ah, é mesmo, tá faltando a merendinha. Que milagre não ter esquecido nada.

Martia se virou para trás e caminhou para a cozinha. O órfão suspirou de olhos fechados. Ao abrir, deu uma olhada em volta. Tudo era mudo, menos os passarinhos que tinham toda a atenção da sala enorme, cantando pelas janelas. A luz do sol começava tocar sua pele, tingia sua blusa e tocava o rosto atento.  

— Enfim, paz. — Se espreguiçou. 

Puxou uma cadeira da sala para perto da janela e se sentou, observou o céu e estigou os braços, estalou os dedos e comentou inocentemente:  

— O dia vai ser lon… 

Um zumbido vinha de longe. O cantar dos passarinhos não estava mais claro. O jovem coçou o ouvido por reflexo. O ruído aumentou o volume, buscou procurar a fonte do som tão desagradável e apenas sentia calmamente...

Como se.

O.

Cérebro.

Fosse.

Pular.

Para fora. 

A visão se tornava turva. Algo acontecia, mas o que ele não via? Coçou a cabeça mais forte. Abriu os olhos, coçou de novo. Fechou os olhos, queria afundar os dedos na pele, tentando tampar os ouvidos. Dor queimava, queimava e latejava.

Arhg! 

O zumbido o ensurdeceu, sua visão e nada tinham a mesma definição. 

— O-O que. Ah! 

Sem perceber, o impacto do chão frio veio ao seu corpo. Onde estava o chão? Sentiu um gelo esquisito tocar suas roupas, um vento congelava seu consciente com velocidades incríveis. A mente capturou algo, uma luz vinha do centro, uma chama de cor ciano. Ela aumentou de tamanho e Mark, deitado, foi engolido vivo.  

As mãos foram aos ouvidos e sangue escorreu pelo nariz, agora podia entender o zumbido, eram sinos que criavam a melodia da dor. 

Desespero, a função exponencial do medo, provava os seus sentidos naquele tão curto milissegundo. Pouco a pouco, o cenário surpresa moldava ao redor: Montanhas cobertas de neve com ventos fortes que balançavam as capas de um grupo reunido. 

As roupas estavam mais pesadas? Não. Uma neve o cobria, o deixava imóvel a ponto de estar quase enterrado. 

Não conseguia distinguir os rostos, apenas via as costas de quatro pessoas que usavam um manto azul e permitiam enxergar características resumidas: mulher alta com um cabelo vermelho que atingia o chão; homem de cabelo liso, brilhoso, lilás e longo, que envolvia um cajado comprido que carregava; outro com cabelo curto, verde e espetado, que parecia muito inquieto; e o último completamente escondido pelo manto e capuz. 

— Uh! Meu! O quê? Quê? Ah. 

Sinos, escutava muitos sinos. Com uma dor aguda em sua cabeça. Sacudiu a neve e o pior do frio envolveu sua barriga, estava a beira de um precipício.  

A neve o engoliu, trouxe seu subconsciente ao nulo. Os ossos doíam e seus gritos viraram sussurros. 

Visão escureceu... Como um sono rápido, o calor da cadeira o despertou. Se assustou e caiu da cadeira de novo. Levantou do chão e se apoiou na jane... os passarinhos, estavam todos lá ainda. 

— Mark? — chamava alguém que se aproximava pela escada. 

Tentava retomar a postura com uma cara aterrorizada. Era difícil ver alguém naquele estado. Will saiu de seu quarto rapidamente, apressou ainda mais o seu passo para encontrá-lo. As empregadas eram cuidadosas demais para isso acontecer sem um motivo importante.  

— O q-que aconteceu? — perguntou, muito mais nervoso. 

— Eu... eu não sei, só uma dor de cabeça forte... eu acho, acabei caindo, da cadeira... eu acho. 

O peito ia e voltava com ímpeto, o folego não passava pelas narinas de jeito nenhum. 

— Só isso? Mesmo? — Balançou seu irmão. 

— E-estou bem... Vamos terminar de nos ajeitar! Não podemos atrasar hoje.  

A respiração desacelerou, olhos corriam a cada centímetro da sala para provar para si mesmo que ainda era o orfanato. Deu um passo e se virou à janela novamente. “Espera, o que aconte...” 

— Se tiver algo que acha preocupante, é bom avisar logo. 

Tinha muitas dúvidas, somente entendia que não havia tempo para discutir isso, já que estar nervoso na frente de Will era o pior cenário. Engoliu saliva e coçou o ouvido. Decidiu ignorar. Ignorar. Ignorar. 

Os dois ficaram a postos na frente da porta. Assim que a abriram, Martia havia chegado na mesma hora. 

— Não esqueceram de alguma coisa? 

— Martia!   

O jovem de cabelos brancos só falou com Maria naquele dia, havia passado o resto do tempo preocupado com a prova de química que, para ele, era o mesmo que o apocalipse. 

A presença dela o fez esquecer por um momento o tormento que Mark havia sentido.  

— Que bom que não preciso mais me preocupar... Toma, esses são os lanchinhos que fiz para os dois, tentem fazer durar o dia todo! 

— Valeu, Martia! — responderam, em uníssono. 

A mulher entregou duas sacolas de papel e soltou um sorriso ao acenar como forma de adeus; as preocupações dos dois foram banidas de suas mentes. 

Mark estava na porta com os braços cruzados, onde recebeu uma das sacolas de seu irmão. Os dois, que foram para o lado de fora do orfanato, andaram pela estrada do jardim em direção ao portão preto, alto e gradeado. 

Quando chegaram à calçada, Will pegou de seu bolso um relógio verde.  

— Já são seis e quarenta e quatro.  

O ônibus estava muito próximo de chegar. A rotina do jovem nervoso dizia que, em dias ensolarados onde o trânsito estava normal, o transporte chegaria entre seis e quarente e cinco e seis e quarenta e sete.

— Esse seu relógio ainda funciona, né? — perguntou Mark ao olhar para o objeto. 

— Você pergunta isso quase todo dia. Eu zelo com minha vida. — Guardou o relógio, sério. 

Um barulho grave foi emitido do ônibus que acabou de parar na frente do orfanato, esperava os dois entrarem. Se sentaram no último assento, o lugar de costume deles.  

— Mark, olha! — exclamou Will após apontar para rua. 

Viam uma moça que tinha sacolas na mão: Maria. Os dois acenaram, e ela respondeu igual. No entanto o movimento carinhoso de Mark foi impedido de repente. Havia algo estranho, sentiu a espinha gelar, entre uma ligeira piscada, pode ver alguém totalmente branco atrás dela, feito uma alma penada. 

 Você, uma voz rouca ecoou em sua mente como um gutural, mas ele não conseguiu a perceber ou ouvir de fato.

Mais Tarde, no mesmo dia】 

— Alunos! Quero avisar que não preciso que todos fiquem na aula. Os nomes que eu citar aqui já estão liberados para suas férias, pelo menos, nesta matéria — disse a professora na sala. 

Mark não dava atenção para a maior parte, estava com a cabeça apoiada em cima da mesa e se concentrava somente no relógio que estava na parede, entediado. 

— Mark... 

Ao escutar a professora dizer o seu nome, ergueu o seu corpo por reflexo e colocou a mochila nas costas, se retirou da sala ainda com a cabeça baixa.  

Seus pensamentos estavam mergulhados em tensão, tentava decifrar o que aconteceu mais cedo, o rosto se contorcia a cada passo sem alcançar uma resposta. Seguiu pelo corredor e passou pelo mural, deu um pulo para trás após virar o rosto, atento; reconheceu a sala que acabou de passar.

Na mesma hora, se lembrou da prova. Isso despertou sua curiosidade, foi direto olhar pela janela da porta e procurou pelo irmão. Ao encontrar, viu que era um dos poucos alunos ainda na sala.  

O notou estar com uma cara tensa, encarava a folha de papel feito um inimigo mortal. 

— Não nos decepcione — sussurrou, esperançoso.  

Voltou a andar pelo corredor até chegar no pátio da escola, foi até uma das cadeiras próximas a uma árvore. Terminou de relaxar ao se espreguiçar, porém, logo em seguida, viu uma figura estranha andar pelo pátio.  

Um adulto que chamou a sua atenção assustadoramente. Havia algo de estranho, muito estranho. Sua espinha arrepiou com o fato tão simples que não podia tentar disfarçar.   

Aquela figura... trouxe uma sensação esquisita semelhante a uma lembrança horrível, não conseguiu explicar para si mesmo o porquê de suspeitar tanto de um desconhecido num colégio.  

— Deve ser o pai de alguém — comentou ao olhá-lo. 

Percebeu que, essa pessoa, começou a ir em sua direção. 

Com calafrios, contraiu todo o corpo pelo ato inesperado que, de alguma forma, o alertou como um perigo iminente. Não era o suficiente para tom de ameaça repentino. As coisas que sentiu em um dia, como isso acontecia? Como? Seus dentes prensaram com força, sentiu algo familiar daquele sujeito. O medo instaurou no seu coração. 

Por que Mark estava assim? Alucinações? Fobias? 

Atrás daquele homem, estava a silhueta turva. Uma alma penada que viu horas atrás. Piscou, piscou de novo. Sua mente ficou incrédula com o fato de que essa presença estranha tinha a mesma aparência que a sua. "Que porcaria é essa?" Viu o seu eu fantasmagórico apontar para o sujeito estranho que se aproximava.

O olhar que vinha do sujeito trazia uma energia negativa que nunca sentiu. É ELE!”, soou uma voz rouca na sua mente, mas ele não pode a ouvir outra vez. 


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