Volume 2 – Dispensando a Burocracia
Capítulo 50: Caminhos Unidos
Num piso limpo e liso, um soar de um salto-alto em rápida sequência propagava uma delicada e indesejável presença. Um aeroporto vazio, ou quase vazio. Guardas pessoais faziam a escolta de uma mulher que usava um vestido branco.
O cabelo encaracolado fechava qualquer dica do seu rosto de costas. Carregava sem problemas uma bolsa cinza, balançando com o gingado.
Hologramas, pedindo para as pessoas ficarem reclusas até a segunda ordem, eram ignorados pelo grupo. O destino dos que não continham medo do perigo saia para o céu aberto, aproximando de um jatinho, o único veículo a postos para voar naquele dia.
Calendários de voos estavam vazios. Mas a mulher não contava com isso, pois havia um piloto a sua espera mesmo assim.
Subiu as escadas e foi abordada pelo serviço de voo, que ofereceu o mais luxuoso acento para a já luxuosa aeronave particular. Pegou o celular da bolsa e procurou pelos contatos até encontrar o desejado, um que tinha apenas “V” como nome.
Ligou, dando risadinhas.
— Tudo bom? Sua situação é qual?
— Estou quase virando uma planta aqui!
— Digo sobre o objetivo...
— O branca-de-nevo de antes saiu daqui há três dias. O cristal já foi entregue a mim.
— Magnifico! Pode carregá-lo como desejar, só tome cuidado com o mais forte deles...
— Rá! Você tem muita graça.
— Ligo novamente quando encontrar com o “G”, tchauzinho.
Conversou com uma voz rouca e desligou prontamente. Aconchegou no banco e iniciou a viajem com um pedido carinhoso:
— Me traz um vinho por favor, meu docinho.
Cama fria, lençol frio, travesseiro frio, roupas frias, pele fria, ar frio... Sensações familiares correram no corpo do jovem, que se remexia desacordado no quarto da mansão.
De um lado para o outro, do outro para mais outro. O ritmo acelerava junto da respiração. Era como se tentasse correr para alcançar algo.
— Neve!
— Neve?
Mark levantou o corpo, estendeu a mão para cima para apontar o fato que o inconsciente mostrou durante o sono. Esfregou o rosto e piscou algumas vezes, a visão turva e escura ganhava a verdadeira nitidez lentamente. Ao seguir a direção da voz que ficou confusa, conseguiu enxergar a origem.
— Passa um dia inconsciente e me diz “neve”?
— Um dia? Espera... o que aconteceu?!
— Fala mais baixo, hahaha... Finalmente consegui retribuir o que ela fez no hospital.
Sentado numa cadeira, o irmão mais velho, Will, levantou a sobrancelha devido a primeira palavra ouvida. Logo, apontou para o outro lado do cômodo, que tinha uma pequena menina morta de sono numa poltrona. A pequena babava muito, escorria a saliva por todo o chão.
Mark procurou a janela mais próxima e ainda estava de noite. Mexeu no cabelo, confuso pela perda da noção do tempo.
— Nirda... Tipo, o que aconteceu?
— Réviz e o tal Feites me falaram o que houve. Ainda fico nervoso em pensar que tudo aquilo é completamente real. Até o seu poder, “energia”, é? Luri também se juntou pra explicar tudo pra mim... Tão querendo achar uma pessoa e parece que você se tornou uma chave pra chegar até ela. É-é até o mesmo motivo da gente tá aqui, da gente, da gente.... Ih!
— Calma, Will, você ainda não me disse o que houve.
Mark segurou o irmão logo quando notou que iria entrar numa outra crise de nervosismo, deu um tapinha leve na nuca e pediu o esclarecimento. Will estava cabisbaixo, o olhar direcionado ao chão evidenciou que não estava contente com o proceder da viagem.
Respirou fundo e explicou melhor:
— Pelo o que entendi, Réviz conversou sério com o prefeito depois que... bem, vocês “conversaram” ... Os noticiários já se retrataram e o movimento da cidade está sendo liberado de pouquinho em pouquinho. E já vamos viajar de novo, estão só esperando você acordar.
— Entendi. É... não sei nem o que dizer, estou boiando na maior parte do assunto deles, fui jogado a força no meio.
— Nos deram duas opções.
— Opções?
Will se levantou e foi até Nirda, que dormia desajeitada. Pegou um cobertor separado no braço da poltrona e estendeu sobre a menina, que sorriu involuntariamente pelo calor surpresa.
— Luri disse que podíamos ficar aqui nesta mansão até tudo acabar ou continuar sobre a guarda deles.
— Só que, mas, e... raaaf... — Suspirou.
— Mark, me confirma um trem. Quando saímos pra escola e o ônibus caiu, os bombeiros disseram que sai coincidentemente ileso demais. E-eu lembro bem da sensação de sair voando pela janela, ai, ai. — Esfregou o cabelo.
Após deixar a irmão confortável, retomou ao seu posto, deixando a cadeira mais perto de Mark, que ainda estava confuso com as coisas todas ao colocar a ponta dos dedos sobre os olhos.
Na verdade, tentou disfarçar um pouco da tristeza que sentiu. Apesar de Will apenas ter destacado as opções, foi como se já tivesse ouvido uma resposta — uma resposta que ia ao contrário do sentido de serem os últimos a terem sido adotados, depois de tanto tempo.
— Você realmente me curou naquele dia?
— Sim. Curei... Will?
— Então a gente tomou a decisão certa!
Bastou menos que um segundo para seu irmão reagir, um abraço o envolveu num aperto forte que baniu as suspeitas das repostas que sentiu no coração. Seu irmão sorria de orelha a orelha, feliz com o que ouviu.
— Vai ter perigo por todo lado...
— Besta! Nossa promessa não era ficar geral junto? Nirda foi a primeira a dizer sem pensar, ela insistiu pro Réviz levar todo mundo!
— Tem certeza?
— Óbvio! Se tem caras maus por todo lado, então é melhor estar perto do Réviz, da Luri, agora do Feites e ainda é melhor estar perto de você! Olha! Parece até protagonista, fiquei embasbacado no início, mas meio que tô aceitando. Tem até um modo tutorial numa forma de fantasma! Isso é-é incrível!
— Que-que bom! “Tutorial”, é? Bem que me lembra aquele jogo de parkour que jogamos.
Mark limpou uma lágrima que escorreu sorrateiramente dos olhos. No entanto, passinhos leves como pena avançaram numa impiedosa investida, finalizada num pulo que virou um abraço ainda mais forte que o de Will.
— Eu vou chorar! Buaaa!
— Falta de ar! Tô sentindo falta de ar! — Mark levantou os braços, depois de ser pego pelo fofo golpe aniquilador.
— Agora que ela sabe que você sabe se virar quando machuca, aí que ela não desgruda mesmo!
— Me ajuda, Will, não era pra ela tá dormindo? Me ajuda, me ajuda, me ajudaaaa...
— Merece isso, ajudo naum!
Assim, o irmão mais velho dos três ex-órfãos foi torturado com imenso carinho.
Um toque rítmico veio na porta, que abriu em seguida e revelou o grupo de usuários de energia, satisfeitos em ver Mark acordado.
— Alô, bela adormecida! — saudou Luri.
A viagem da Cidade Flutuante tinha suas horas contadas. Um grupo de empregados ajudou Mark a restabelecer os ânimos. Era o último dia que passariam naquela mansão, Feites ajeitou seus deveres e redistribuiu as funções para manter a casa em funcionamento. Frederico recebeu o cargo de chefe temporário da propriedade, mantendo o contato direto com o prefeito.
Uma viagem estava marcada e os outros empregados terminavam os preparativos para a longa viagem. Com o dono da mansão indo junto, fizeram questão de colocar muitas comidas e doces no porta-malas, fazendo Feites ficar com vergonha por passar a imagem de uma criança muito querida — ou mimada.
Luri passou momentos brincando com Nirda, que desistiu de ficar chateada com a mulher que tanto tentou agradá-la. No meio tempo, Réviz reservou tempo para manter a ordem com os filhos mais velhos, reverenciou e pediu perdão diversas vezes.
O vice-líder ficou curioso com a muvuca que os empregados criaram perto do carro, tentavam encaixar tudo de forma a ter espaço para mais uma pessoa acompanhar a viagem. Num simples aperto de botão na chave, o carro literalmente cresceu. Assentos apareceram e mais compartimentos surgiram no carro que ficou irreconhecível.
De um esportivo levemente largo para um SUV completamente espaçoso.
Bocas ao chão — assim como no orfanato.
Réviz não conseguiu desfazer o orgulho do seu carro nada humilde.
No amanhecer do dia seguinte, estava o grupo inteiro a postos no lado de fora da grande mansão. O caminho morto já não tinha um olhar tão morto assim, afinal, não conseguiam descrever exatamente o que viria pela frente.
— Peço a atenção. O prefeito nos enviou uma encomenda que gostaria de mostrar.
Um empregado entregou um pacote a Feites, que chamou por todos. Quando abriu, cada um fez questão de averiguar com os próprios olhos.
— Relógios? — Questionou Will.
— Medidores da bateria de energia desenvolvidos recentemente na ODST da passagem. Ernec fez questão de usar suas conexões para passar exemplares a nós.
— Nossa, é bem útil... só aparece dez por cento para mim — destacou Mark.
— Isso é devido ao seu esforço nesta semana. É árduo o trabalho de mentalizar nossa capacidade de usar a energia sem sentir os sintomas diretos no corpo. Mark é a prova para este dispositivo ter sido enviado a nós. Com ele, podermos quantificar e determinar com precisão o momento antes perdemos a força ou... perder a consciência.
— É que nem exercício! Se parar de praticar, vai conseguir usar menos. Se praticar bastante, vai estender o uso. Mas, se exagerar, vai conseguir usar menos ainda. Aí mais demora pra recuperar e blá, blá blá... Me dá aqui, xô vê o meu.
Luri se adiantou na palestra e apanhou um dos exemplares, sedenta pela curiosidade para ver o quanto ainda podia usar.
— Oitenta e sete! Até chegar lá, já é cem certeza!
— Noventa e quatro.
— Ahhh! Só você mesmo.
Réviz colocou o dispositivo no pulso e comentou inocentemente o valor observado, a confiança da líder em recuperar grande parte da sua energia depois de dias estressantes desmoronou completamente.
— Tem exemplares extras... creio que é um agrado para fortalecer o ego do prefeito.
— Posso testar? É... acho que fica meio bugado com quem não tem energia... tá mostrando cento e um por cento pra mim.
— O meu tá quebrado, moço! Nem ligou pra mim.
Quando os terceiros níveis testaram suas capacidades, Will e Nirda tentaram experimentar os dois últimos que restavam, ficando chateados com o resultado absurdamente esperado.
— Frederico, agradeça-o por mim posteriormente. Confio em ti para remediar o local.
— Seu desejo é uma ordem, meu neto.
— Com isto, encerramos os preparativos. Senhor Réviz, agradeço por permitir que eu vá junto.
— Você é a prova que temos que esperar por qualquer ameaça. Sua ajuda é valiosa. Tudo indica que não poderemos ter auxílio de nossa ODST e, embora seja uma contramedida amarga, o prefeito parece realmente buscar nos apoiar no lugar.
Réviz e Feites fizeram um aperto de mão e firmaram o acordo. Os objetivos se alinhavam perfeitamente.
O segundo puro precisaria corresponder os pedidos do prefeito enquanto se tornam a prova viva da profecia. Os terceiros níveis continuariam sua busca por pistas de uma desaparecida e investigariam a relação com os cristais que conheceram o poder sanguinário contidos neles.
— Ernec me proporcionou mais detalhes para encontrar o informante das Terras Exiladas, será um caminho extenso.
— Vamos agora mesmo!
Luri abriu as portas do veículo e indicou para que o grupo já se posicionasse para passar um logo tempo sentados. Os ex-órfãos e o anfitrião ficaram na última fileira, e os líderes do Segundo Setor formaram a parte da frente dos assentos.
Portões abertos, caminho livre. Empregados se enfileiraram perto da saída da mansão, desejando uma boa viagem em tons de choro e tristeza. Apenas Frederico, que ficou na entrada, fechou os olhos e fez um pedido com um livro em mãos:
— Que a profecia mostre o verdadeiro pôr do sol.
O carro já tomava as redondezas dos campos mortos, tremendo com o solo que era apenas pavimentado com terra e poeira. Mark, que estava no centro dos bancos traseiros, arregalou os olhos por um instante.
— Réviz, teve um vislumbre no dia que viu minhas memórias?
— Sim. Uma mulher que arrasou um pequeno vilarejo saqueado.
— Eu não entendi direito.
— Não é a primeira vez que a vejo... A vimos no jardim da minha casa semanas atrás.
— Sério? É aquela que tava entregando armas para um pessoal? Mas... já que você me viu por estes vislumbres e me encontrou, então...
— Existe a chance de darmos as caras, sim.
— Tá aí algo que eu não deveria me esquecer.
— Menos um!
Réviz mostrou a evidência clara que haveria mais a ser discutido sobre as aparições dos vislumbres. No entanto, Luri abriu o porta-luvas e afanou um pacote de biscoitos, começando a contagem de petiscos para a chegada do destino.
No gabinete do prefeito, Ernec caminhava de um lado para o outro, aflito sobre o proceder do grupo que deixava a Cidade Flutuante. A preocupação escalava os ombros, que remexiam sem parar.
Segurava um celular, apoiando no ouvido ao dizer impacientemente:
— Sandir, quero que siga eles. Sim, leve ela junto. Beatrice vai apoiá-los assim como você, ela tem um cargo muito especial no nosso plano. Os cristais são só a metade do assunto.
— E o tal do receptáculo? Não era pra eu falar com ele?
— A Amanda mexeu os pausinhos com relação a ele. Ela é contra nosso plano com os cristais, mas ainda está no exato planejamento quanto a usar o receptáculo. Os outros terceiros níveis vão ser a isca perfeita... hahaha! Vai alinhar certinho no fim! Os cristais serão impedidos e o senhor estátua estará sobre meu controle.
— Você me dá medo as vezes. Podia ter contado logo o que houve com a Quiral ao sacri...
— Proteja Beatrice. Fique de olho nos puros e, no momento que as coisas esquentarem, retire-se. Ah! Lembra de dar um chute na bunda gorda da Amanda depois. Ela tem que pagar caro pelo desacordo do festival. Terei que desligar, cuide-se, Sandir.
Um telefone fixo, em cima da mesa, começou a tocar. Ernec apressou o paço e se sentou na cadeira, remontando sua pose digna de alguém que queria passar a impressão de uma nobreza, nariz levantado e pernas cruzadas.
— Bom dia, senhor prefeito, os guardas das rodovias identificaram o receptáculo.
— Que belo timing.
O aviso foi dado por um policial familiar, que estava feliz em transmitir a mensagem. Ernec escutou três toques em sua porta logo no fim da mensagem, fazendo um sorriso maldoso se instaurar como uma tatuagem. Apertou um botão diferente em baixo da mesa que destrancou a porta, logo, permitiu duas presenças dentro da sala.
— Beatrice. Onde ela está?
— Nem dá bom dia para seu amigo querido, Dourres. Sentem-se! E tá tão bonita como sempre, Still.
Esperando por uma resposta, Ernec levantou uma sobrancelha pelo silencio edificado pela mulher com cabelo cor de vinho.
— Amo o seu gelo! Assim certo, vamos discutir o que houve nos últimos dias, é certo que irá gostar de saber o responsável pela algazarra do seu e meu setor, he...
O prefeito apanhou o celular e procurou na galeria uma imagem que foi mostrada ao líder do terceiro nível do Primeiro Setor: uma foto de Mark tirada durante sua fuga na prefeitura. Um parte do suposto vídeo adulterado foi reproduzido no holograma que surgiu do celular.
— E se eu dizer que encontrei um dos líderes da Estrela Sorridente? A Beatrice foi atrás dele. E você? Vai querer ir também?
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Vejo vocês no próximo capítulo, ou melhor: o novo prólogo de Pôr do Sol, a missão 117.