Pôr do Sol Brasileira

Autor(a): Galimeu


Cidade Flutuante – Destino Flutuante: A Entrada da Cidade

Capítulo 28: Cidade Flutuante

A madrugada do primeiro setor foi estranha. Dúvidas e aflição corriam feito um alarme noturno no outro lado da cidade, e muita dor corria deste outro lado, um lugar afastado pelo deserto, onde o horizonte fazia os pequenos prédios da cidade como uma ilusão do sofrido calor.

Rastros de pegadas nas dunas conduziam ao monótono ritmo de amargura. Um passo, um tempo grande, mais um passo. A velocidade lenta na areia era preenchida com o realçar das gotas de sangue e a fina trilha da ponta da lança.

A manhã cruzou a vista. Os raios de luz refletiram no solo e deixaram claro feito o próprio sol. Por um momento, os passos fizeram uma pausa, o ligeiro som de metal a colidir apareceu e o fino traço desapareceu da caminhada pelo mar de nada. Logo, voltou a seguir o rumo desconhecido.

Vulax cambaleava em meio ao deserto que não tinha fim, estava muito longe da cidade. As dunas imensas afastaram qualquer ser vivo enquanto as marcas dos pingos de sangue criavam a cena de um crime. A maquiagem começou a se desfazer e, incomodado, passou o dedo e notou a tinta soltar da pele.

— Graça, sim. Uh…

Exatamente. O rapaz, que andava com muita dor, pressionava o braço com muita força para segurar o fluido vermelho que escorria pelo membro adormecido. Continha seus pensamentos com passos lentos e olhar fixo ao horizonte. A lança, que esteva ativada desde então, foi colocada no bolso após voltar a forma de um simples pincel.

Virou a direita, virou a esquerda; repetiu muitas vezes. Percorria um caminho invisível no oceano de areia. Mesmo atordoado pelo confronto anterior com Dourres, havia uma ligeira confiança no andar vacilantes. Os olhos coloridos não piscavam, fitavam um objetivo que atravessava as dunas altas. 

Encolheu o passo e ergueu o corpo. Levantou a mão sutil para frente do rosto e fez uma sequência como se acertasse um teclado. Enquanto escrevia no ar com o indicador, raiva atiçou o sorriso nervoso. A cena de ver o inimigo a frente e com a convicção o fez salivar em desprezo. Barulhos de teclas surgiam a cada movimento num tom acelerado, como se cada deslize carregasse o rancor que descontava na senha que ninguém podia ver.

Quando parou, o corpo ficou ereto. Um chiado surgiu e revelou uma maçaneta que deixava sua silhueta flutuar pelo nada. Vulax segurou o objeto, no mesmo momento, o chiado desgovernou e intensificou pelo ar, dando vista a uma porta que não tinha paredes de apoio, apenas suspensa em meio ao deserto. A entrada, que surgiu em meia piscada de olhos, foi aberta e mostrou o interior para o andarilho machucado e raivoso.

Escadas num espiral que pareciam não ter fim. Degraus escuros e misteriosos, que levavam para um ponto luminoso que dava esperança para a infinita descida. O lugar desafiava a lógica, e Vulax nem ligou.

A porta fechou sozinha e fez tudo um breu completo enquanto as provas de existência da entrada retornavam ao nada, no lado de fora. Desceu cada degrau, aguentou as dores com barulhos desconfortáveis. As pupilas coloridas tremiam ao navegar pelo escuro. Até que, enfim, chegou em uma caverna imensa.

Aquele lugar clamava por estranho em todos os sentidos, porém, como se esperasse por ele, a luz se multiplicou em outras que acenderam. Pode notar o caminho claro numa passarela que parecia… flutuar por tudo. Uma travessia que pairava sobre a caverna de um abismo imensurável.

No final da passarela, logo depois da última luz acender, duas silhuetas de homens idênticos surgiram. Vulax resfolegou em alívio, mas rangeu os dentes, feito o arrependimento de um pensamento impulsivo. Quanto mais prosseguia, mais definido era as silhuetas. 

Mais perto, mais claro, mais silhueta eram. Aqueles dois homens não eram homens. Estavam parados como manequins de loja, aguardando a chegada de Vulax, com braços cruzados nas costas.

Criaturas esquisitas, que eram parecidas com humanos, estavam no final do caminho. Ao notar a percepção final do visitante, se afastaram do meio e deixaram a vista o que estava atrás deles: um telefone sobre uma mesa muito pequena perto do final daquele chão suspenso.

Não tinham boca, olhos, nariz e nem ouvidos; a definição de silhuetas ambulantes. Sua forma era instável, se deformavam ligeiramente como se fosse um líquido agitado ou como chamas ao vento.

Outra luz, estando atrasada, resplandeceu e retirou das sombras a cadeira ao lado da mesa. Os seres foram para perto do machucado, porém, foram negadas pelo movimento ligeiro como se espantasse moscas que Vulax executou.

Se sentou na cadeira, e o telefone começou imediatamente a tremer. O toque ecoou pelo todo escuro da caverna, uma música similar a de um celular de brinquedol, mostrava uma foto totalmente preta e com a letra “A”. Ao pegar o telefone rapidamente, atendeu o chamado:

— Foi o oposto do que imaginei.

— Pra variar… Afinal, conseguiu? — Uma mulher com a voz abafada perguntou, curiosa.

— Sim, Amanda… HaHaha. Consegui, uh... — Ignorando as dores, o sorriso anormal surgiu em Vulax.

A chamada possuía um chiado que podia incomodar qualquer alma no silêncio daquele lugar desprovido de qualquer sinal de vida. Após a resposta, as silhuetas entreolharam, receosos, e voltaram a posição de manequins.

— Curem.

As criaturas começaram a se mover de novo, foram até o braço adormecido do estranho e deixaram suas mãos unidas sobre a ferida. Um pequeno brilho tímido em ciano apareceu. 

— Como sabe?

— Adivinhei. Enfrentou, cheio de si, quem nem é o mais forte e saiu como um cachorro com rabo entre as per… — disse, brincando.

— Minha bateria estava praticamente no fim! Sabe o quão complicado é recriar um cenário inteiro e simular tudo! Não é um holograma barato… e… E. E eu não podia matá-lo! — Levantou da cadeira. — Pelo menos, ele demostrou que tem graça. — comentou, irado.

A feição ressaltava o poder da maquiagem, um palhaço sem paciência que não aguenta e é desprovido de paciência para as piadas dos outros. Bastaram alguns segundos para o corte sumir da existência, deixou apenas as marcas de sangue que estavam presas à roupa.

Hehe! — Colocou as mãos no rosto depois do sorriso voltar. — Espero que ele vá para lá mesmo.

— Deve. Dourres é a chave para o ritual… Aguarde mais comandos quando a festa acabar. Preciso começar a carregar o cristal. Precisará de dedicação para se manter vivo contra Cortax.

Vulax passou os dedos sobre a mesa e averiguou a limpeza do lugar. Antes que fosse falar, uma gota de água caiu sobre seu olho amarelo.

— Ah!? — reclamou, furioso. — Não vou ficar plantado numa caverna! E aquela telecinese de meia tigela é nada para mim!

— Relaxe. Aproveite para passar o plano ao resto. Com sorte, o Feites sairá da jogada, queridinho. Retorno quando recolher a energia da Cidade flutuante. Até mais, vuvu.

O celular foi desligado. Vulax tentou usar o dispositivo, que não ligava mesmo com tantos toques. Numa função exponencial, a paciência esgotou e arremessou, para as profundezas do abismo da caverna, o celular inutilizado. 

— Mencione essa cópia desgraçada de novo e você é a próxima a morrer, vadia.

Arregalou os olhos com que tinha visto: uma das criaturas esticou seu troco até seus braços recolherem o telefone no ar e trazer de volta para a mesa como um elástico extremamente fino.

— Pelo menos, espero que aproveitem bem.

-

O clima de preparo era constante no leste e oeste. Os caminhos deviam se cruzar inevitavelmente. Os destinos deviam se encontrar. O futuro, uma hora, podia finalmente se mostrar como verdadeiro; mostrando o pôr do sol das montanhas. Preparo de um plano. Sim, uma tentativa de resgate a um possível vítima e uma viagem para o lugar que mais atraia visitantes na época das férias numa missão de investigação. 

O dia já instaurou a presença por completo. O sol iluminava o caminho, e os viajantes eram revelados pela luz entre as árvores que davam boas-vindas para aqueles que percorriam a estrada.

— Eis a Cidade Flutuante — anunciou Luri, animada ao ver o horizonte dentro do carro.

O brilho nos olhos azuis ressaltava uma inquietação de uma criança, Nirda estava da mesma forma. Vendo a paisagem imensa com campos verdes e reluzentes junto à flores brilhantes, Will pegou seu celular para mandar uma foto. Gravou o horizonte que mostrava a gigante cidade que parecia, de fato, flutuar. Era a primeira vez que os órfãos viajavam tão longe de carro.

Olhem isso!

Nossa! Que belo passeio esse, hein.

Maria mantinha os olhos capturados pela tela do celular de Martía, que também apreciava ao lado. Uma Ilha sem água. A cidade foi construída sobre um local rodeado por um desfiladeiro que separava do campo verde em volta. Quatro vias imensas ligavam aos respectivos pontos cardinais, deixando claro as muitas pessoas que transitavam no momento. Uma fila para passar pela estrada. Guardas estavam revistando alguns carros que passavam pelo pedágio.

— Quem é essa moça? — perguntou Martía ao apontar para Luri na foto.

— Será que é a esposa do senhor Réviz?  — Examinou Maria, curiosa.

— Que nada! Essa mulher nem apareceu pra pegar os três! 

Um questionamento desagradável. As duas se olhavam e tentavam adivinhar o que uma pensava. De fato, foi a mesma pergunta:

— E se for? — disseram juntas.

Os dedos frenéticos delas disputavam o controle do celular para mandar uma mensagem. Cada uma tentou iniciar perguntas diferentes, entretanto, nenhuma de fato conseguiu enviar nada.

No outro lado da tela, Will analisava feito uma criança, embora, quando o olhar aterrissou em Mark, sentiu uma agonia ao ver o rosto corado no vidro e abatido como se não existissem motivos para aproveitar o momento. Antes que seu dedo fosse tocar o irmão que agia estranho, a atenção foi rouba por quem abordou o carro:

— Com licença… — Um guarda se aproximou do veículo.

Os três toques suaves no vidro foram suficiente para Réviz mostrar desprezo. Abaixou o vidro e cumprimentou com uma gentileza anormal, digno de ator preparado:

— Bom dia!

— Desculpem o transtorno, podem ao menos me dizer quem está entrando?

Pergunta incomum, nenhum policial tinha essa curiosidade sem qualquer nível de desconfiança. O líder olhou em volta e notou outras filas sobre o mesmo processo. Notou tal comportamento, ações de quando as autoridades esperavam o reconhecimento de alguém especifico. Estreitou a vista e prosseguiu com o jogo:

— Tudo bem. — Virou o corpo e começou a indicar. — Estes são meus filhos adotivos: Nirda, Will e Mark. Esta ao meu lado é minha esposa, Luri.

— Hãn? Pera aí. — Luri soltou, envergonhada.

Os dois irmãos tinham sorrisos amigáveis, e a menininha tinha o rosto grudado no janela — como uma mosca que colidiu sem sorte —, admirando as cores vibrantes do lugar que nunca viu.

— Ah, bom, tanto faz. Podem passar. — Fez o sinal para a cabine à frente. — Tenham uma boa viagem.

— Para você também — disse Will.

— Acha que o policial vai viajar também hihi? — Mark deu um toque no ombro de Will.

Envergonhado pela confusão gerada por apenas uma tentativa de ser educado, Will encolheu a cabeça. A mulher na frente o confortou ao passar a mão por seu cabelo. Mas virou a Réviz, ainda com bochechas vermelhas.

— Precisava ter dito aquilo?

— Sim. Manteremos as aparências normalmente sem causar qualquer sinal daquele problema.

Nirda avançou para o meio com olhos cintilantes e felicidade que estava prestes a gritar como um balão completamente cheio.

— Que legal! Então posso te chamar de “mamãe”?

Não importava mesmo. Luri foi encurralada por todas as direções. Virou o rosto para a paisagem, escondendo sua expressão sem graça com a franja. Ignorando esse fato, os outros dois estavam frios com a situação. Mark e Réviz sabiam do verdadeiro problema da viagem. Bastava que alguém soubesse da conexão com o Segundo Setor para que tudo ficasse extremamente difícil na Passagem.

Era assim que Mark pensava, porém, abaixo do retrovisor interno do carro, onde encarava seu pai, caminho e a descida se mostraram ser grandes. Na parte da tarde, finalmente chegaram dentro do perímetro daquela vasta cidade. Os campos de flores brilhavam ainda mais em cor branca; uma iluminação natural aproveitada de forma incrível.

Passavam por vários caminhos que levavam para os entornos da região, a parte urbana começava ali, embora a existência de várias fazendas e fábricas em volta, dava a impressão de outras mini-cidades fragmentadas em volta. Só que uma em específico tinha bastante destaque.

Mark vidrou a atenção na entrada que as flores estavam apagadas — mortas e sem quaisquer brilho. “Esquisito”, pensou. Mark sentiu algo familiar; esfregou a cabeça, insatisfeito. “O que tá acontecendo comigo?” Arqueou as sobrancelhas sem perceber nenhuma clareza nos sentimentos que podia descrever: aprendizado acelerado, sensações de nostalgia, calma e… seriedade. 

Reconheceu que não agia de forma coerente desde que tudo começou. “Acho que tenho que engolir seco, sorrir e acenar”. Tinha esperanças de que este lugar pudesse trazer respostas.

Momentos depois, entraram no centro de tudo. Era tudo muito vertical. Prédios que alcançavam os céus — coisas que os órfãos nunca viram tão aglomerados. O campo de visão era derrotado pelas grandes construções. Os únicos espaços livres davam a vista completa do maior de todos: o parque, um local que parecia uma pequena ilha que pairava constantemente enquanto desafiava a física. Maquinas enormes faziam o enorme pedaço de terra permanecer no ar, estático.

Foram em linha reta, seguindo as ruas que levavam ao parque, mas viraram para ir a um hotel. Nirda bufou, decepcionada com a sequência. Uma criança impaciente, logicamente, iria espernear com a decisão sem a aprovação delas, porém, a menina de cabelos verdes apenas cruzou os braços. 

Não demorou muito. Se instalaram no hotel para descansar durante toda a viagem. Os três órfãos foram ao quarto com as expectativas ao alto e… exato mesmo cômodo, que nem a casa de Réviz e a ODST.

— A gente deve ter pegado uma maldição! — Will amassava os cabelos.

E, de novo, precisou comandar a arrumação. Nirda e Mark apenas realçaram seus rostos vingativos, prontos para começar uma guerra contra a falta de organização que queriam.

Deveria ser uma noite normal no apartamento. Luri pensava que seria o extremo contrário. Estava sozinha com seu amigo no quarto que deixaram os pertences,, inquieta com a falta de explicações:

— Não vai nem me dizer o próximo passo?

Via Réviz arrumar suas roupas, que não pareciam de quem ficaria em casa. Seu traje que parecia de caçador via o lado de fora. A moça apoiou na porta, preocupada.

— Tá pensando no quê?! Vai inventar de ir lá? — Não obteve nem um olhar direto, o outro apenas continuava a se trocar como se nada estivesse por perto. — Rèviz! Por favor! Corta essa!

— Fique com eles, averiguarei uma… preocupação. Prefiro te ver ilesa. — Sem a menção de retornar, passou por Luri e saiu do quarto. 

Deixou sua colega com o coração apertado de novo. Luri tinha medo daquele homem, que cresceu junto, nunca mais pudesse aparecer. O som da porta, a qual viu fechar sem hesitação, atingiu não só os ouvidos, mas também o peito.

— Tão… tá — sussurrou.



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