Volume 1
Prólogo
Estou encurralado, sentindo sangue morno escorrer por várias partes do meu corpo sem ainda me dar conta do que estava acontecendo diante dos meus olhos. Eu simplesmente não podia conceber a ideia daquilo que estava na minha frente.
Vejo muito sangue e pedaços de corpos daqueles que seriam meus amigos. Amigos nas quais vivenciaríamos inúmeras aventuras, mas agora percebo que não passavam de meras ilusões. Sinto-me como se tudo ainda fosse um sonho, que tudo pudesse ser resetado.
— É só voltarmos para casa, está tudo bem.— digo tais palavras sem sentido enquanto presencio algo que não tem mais volta, me recusando a crer na situação a qual me encontro.
Tanto afinco e trabalho duro para ter minha existência ceifada no primeiro dia. Por que não os impedi? Claramente era uma ideia ruim. Não tinha razões para isso dar certo. Recebemos todos os avisos para não fazermos isso e decidimos agir contra por puro descuido de sermos neófitos.
Vejo um rapaz de cabelo esverdeado, Meio-Elfo, ter o seu rosto esmagado. Seus olhos soltaram para fora, uma cena horrível de se ver. Tínhamos conversado e rido juntos há menos de 10 minutos atrás. Planejávamos comer quando voltássemos para a cidade.
— O que é isso? Isso não pode ser real.
Vejo no meu lado direito algo que provavelmente era uma perna humana. Não sei dizer de a quem ela pertence porque todos meus amigos estão desmembrados na minha frente.
Ainda continuo inerte, sem realizar nenhuma ação. Não sei o que sentir, embora eu esteja com um aperto forte no meu coração. Um incômodo que eu sei que não vai sumir tão cedo.
Na minha frente há uma criatura com dois metros e meio de altura. Preto, fosco e com aparência que lembra vagamente um urso. Suas garras são grandes e com caninos exageradamente compridos que parecem mais um atributo visual do que efetivo. Seus olhos são negros, pois não há vida ali. Não há resíduos como saliva, pois não é um ser vivo. É como se fosse um objeto que existisse unicamente com o propósito de matar.
Monstros costumam ser versões aterrorizantes de animais comuns, me disseram.
Sua pelugem possui listras quadriculadas em toda a extensão do seu corpo. Não é como se fosse possível existir isso em algum animal de forma natural. Parece que foi feito artificialmente por alguém. Há também símbolos que parecem ser alquímicos com círculos e caracteres estranhos em todo seu corpo. Eu já vi outros monstros mais fortes, mas esse é relativamente diferente para mim. Ele é bem diferente dos monstros que costumávamos lutar fora da cidade. Ainda assim, não há nada que eu possa fazer.
Sinto que estou ficando um pouco tonto. Olho para minha perna e vejo que estou com um corte profundo. Deve ser por isso. Essa hemorragia se não for tratada o quanto antes, posso morrer em breve. Pego minha única poção e jogo no local da ferida. Ela não fechou totalmente, mas estancou o sangramento de imediato.
Volto a olhar para o monstro, mas ele parece bem entretido dilacerando meus companheiros. Tenho um sentimento estranho de medo e de vergonha em continuar olhando e não fazer nada. Tudo continua muito surreal.
Um de meus companheiros, Cassil, que tinha tudo para ser um ótimo aventureiro, está sendo mastigado pelo monstro. Apesar de estar sem uma das pernas e o braço ligado apenas a uma fina camada de pele, sinto que ele ainda está vivo, embora já desmaiado. Provavelmente dando seus últimos suspiros.
Tento me movimentar só um pouco para mudar de posição, mas uma dor agonizante aflige minhas costas. Algo está de errado com minha coluna. Essa dor me acordou do meu estado de frenesi e surrealidade.
O monstro na minha frente para de dilacerar meus amigos e lentamente vira seu rosto inexpressivo para mim.
— É o meu fim. — falo em voz baixa o bastante para que ninguém conseguisse ouvir o que eu tinha dito. Eu não posso emitir um som alto. Monstros são seres muito sensitíveis a sons e reagem ao menor dos estímulos.
Ele se mostrava estar tão obstinado a matar meus amigos, mas aparentemente refletiu seu olhar para mim. Talvez ele já tenha se divertido o suficiente e não valho a pena a distância percorrida, porém isso demonstrou ser um engano, pois ele começa a vir a minha direção lentamente. Sinto dores estranhas em todo meu corpo. Acho que quebrei alguns ossos e perdi muito sangue.
Definitivamente é o meu fim.
Olho para trás e vejo que estou na beirada de um precipício. Como estamos numa caverna, achei estranho existir esse precipício. Ela aparenta ser mais profunda do que eu imaginava, mas isso não importa no momento, pois estamos de frente para a morte.
— Droga…Vou morrer.— digo já não me importando com a altura de minhas palavras.
Eu jamais imaginaria que pereceria tão rápido assim. Logo após todo esforço e ajuda que recebi daqueles que cuidaram de mim. Suas mortes e a minha logo em seguida. Soa como se tudo que vi e senti e tudo que eles fizeram por mim no final das contas fosse irrelevante. Sem honras, vitórias ou sorrisos, tudo não passou de um lapso de segundos quando decidi entrar nessa caverna contra minha vontade, mas por não querer aparentar ser chato na frente de meus novos amigos, decidi relevar. A atendente da guilda nos avisou de antemão. Com certeza não fomos os primeiros, mas não importa mais pensar nisso porque a única certeza que aparentemente há nesse mundo é de que morrerei em breve.
O monstro por alguma razão anda lentamente, como estivesse tentando me reconhecer. Me pergunto se algo há algo de anormal nessa criatura. Foi-nos ensinado que monstros agem sem hesitar, pois não sentem ou possuem emoções. São como autômatos, um objeto que existe somente para matar. Ele apenas obedece a seu invocador, porém, isso é claramente um sinal de hesitação. Provavelmente vou morrer devido aos meus ferimentos, mas acho que devo me agarrar ao fio de vida que resta e arriscar pular no precipício.
Quando reflito sobre isso, observo que no outro lado, uma das minhas companheiras está viva ainda. É a Ari. Parece estar melhor do que eu, ela ainda pode fugir e espero que consiga. Ficaria feliz se isso acontecesse. Talvez fugindo, consiga me achar depois de pular no precipício ou que ao menos chame reforços.
Ela aparentemente está acordando devido a um desmaio. Se me lembro bem, ela foi arremessada contra a parede no outro lado. O monstro ainda não reparou sua presença, pois ainda vem em minha direção. Isso é um alívio.
Começo a rastejar meu corpo em direção a borda, mas imediatamente percebo que o monstro parou de aplicar sua intenção assassina em mim. Olho novamente para trás para entender o que aconteceu e vejo que o meu algoz já está dando toda sua atenção a última sobrevivente do meu grupo.
— Por que ele desistiu de mim? — me questiono sentindo dor em meu coração, pois sei que será difícil para Ari fugir.
Ari ainda tem muito pelo o que viver. Ela é linda e bem-humorada. Seria uma grande esposa, embora não tenha pensado nisso antes, penso agora porque somos pessoas que provavelmente não terão um futuro, então vale a pena pensar em um agora, eu acho.
Droga, estou divagando. Não sei se isso é consequência da perda de sangue. Sem falar que está difícil me manter acordado.
Enquanto caio em meus devaneios sobre minha condição mental, percebo que ela está olhando para mim. Há uma pressão enorme de sua visão em direção aos meus olhos. Estamos a uma distância considerável, mas é como se estivéssemos nos olhando fixamente. Há um olhar de medo e de incerteza. Uma feição de surpresa e de tristeza ao mesmo tempo. Sinto-me mal por não fazer nada.
Estou imponente. Isso não era para estar ocorrendo. Ela me encara com um olhar como se estivesse dizendo: “e agora, podemos fazer algo?”. Vejo seus olhos irem em direção a seu irmão despedaçado, Cassil, que está desmembrado, ainda sangrando e consigo ver uma movimentação em sua caixa torácica. Ele ainda está respirando, isso significa que ainda está vivo. Ari percebeu o mesmo, mas não sabe o que fazer. Apenas colocou suas mãos em sua boca em choque. Não é como se largar seu único irmão fosse uma opção.
Doce ingênua. Ela deveria correr com todas suas forças enquanto tinha tempo. Antes fosse possível ainda, quem dera. Eu daria minha vida se pudesse, mas infelizmente não é caso. Cassil, embora esteja ainda respirando, é fatal. Ele definitivamente vai morrer. Parte de suas tripas estão para fora, sem o braço esquerdo e a perna direita. Seu torso está com ondulações estranhas, provavelmente todo quebrado por dentro e não há magia que possa curar isso. Sinto muito por Cassil, viveu até o presente em função de proteger a irmã. E se não fosse por isso, ela teria sido a primeira vítima do monstro.
Um sentimento pressão em meu peito se intensifica e não sei se isso é em decorrência aos meus ferimentos ou sentimentos de arrependimento.
Ao menos se eu pudesse fazer algo a respeito, não posso simplesmente ser egoísta nos últimos minutos da minha vida. A tentativa de pular o precipício ainda é possível, mas seria o mesmo que abandonar a Ari e não posso morrer sabendo que não tentei ao menos salva-la. Mesmo que eu venha a morrer, isso me daria paz de espírito, eu acho. Pelo menos fiz algo de útil nesse mundo. Cassil me agradeceria por isso, acredito. Preciso fazer com que ela sobreviva.
Por um instante me lembro do que o pai me ensinou que em momentos de vida ou morte, qualquer ser vivo consegue impulsionar mais força em todo seu corpo por um curto período de tempo. Isso se dá pelo o uso de mana em que conseguimos utilizar em quase sua totalidade. É um pouco diferente dos Homens Lagarto quando entram no seu modo Beserker, mas o princípio é relativamente parecido. Não sei se isso era uma magia ou não, mas isso veio à minha memória agora.
Preciso mover meu corpo em direção ao urso para salvar a Ari. O monstro está a poucos metros dela. Não entendo porque ela não está correndo. Será que está ferida? Será que está tão aterrorizada que não consegue se mexer?
Não, agora eu entendo. Consigo entender o que Ari está fazendo. Por que não percebi na hora? A resposta era tão simples. La está ela, imóvel, ainda observando seu irmão no chão. Provavelmente refletindo sobre todos os momentos que passaram juntos. É o que as pessoas fazem normalmente. Eu sei porque fiz o mesmo com minha família.
Mesmo que seja em vão, preciso tentar alguma coisa.
— Mesmo que eu morra…— sussurro tais palavras para mim mesmo antes de agir.
Grito afim de chamar a atenção da criatura, porém ele me ignora completamente. Uso toda minha força para tentar me levantar. Ouço sons estranhos vindo de minhas articulações enquanto me levanto, mas estranhamente me sinto um pouco melhor devido a poção. Provavelmente ela agiu em algum grau em todo meu corpo.
Corro da forma mais desconexa possível – cambaleando – tentando me apressar para ao menos conseguir segurar o urso por alguns segundos para que a Ari possa fugir.
Com o que restou de minhas forças, grito mais uma vez com o que restou também das minhas cordas vocais para ela: — Ari, Corre! Vá para a saída!
Ela, que ainda estava encarando o corpo de seu irmão despedaçado, retoma consciência. Arregala os olhos e olha diretamente para mim tentando distrair o monstro. Ari tenta correr para o caminho de volta, provavelmente entendeu minhas intenções, mas vejo a tal criatura levantando suas garras preparando-se para um golpe certeiro.
Não há tempo.
Eu aplico todo meu instinto assassino nessa criatura que está a poucos metros de mim. Criatura que feriu alguém que eu não queria que sofresse. Já fui fraco o suficiente para ver a morte da minha família e não pude fazer nada a respeito. E aqui estou, sendo fraco mais uma vez, vendo uma outra pessoa querida ser morta diante dos meus olhos. Me sinto responsabilizado apesar de todos saberem os riscos, eu podia ter evitado de alguma forma. Eu tinha prometido para mim que não iria permitir que isso acontecesse de novo.
Me concentro, acumulando todas as forças que ainda restam em meu corpo, aplicando toda mana que consigo para acelerar o processo. Estico meu punho em direção às costas dessa criatura abissal.
Conjuro uma magia de fogo, uma das poucas magias ofensivas que conheço.
—『Ignis PilaBola de Fogo』!
Um pequeno círculo mágico é formado em volta da minha mão, apontada para as costas do monstro. E em menos de 2 segundos uma bola de fogo é arremessado com toda velocidade em sua direção. A bola de fogo atinge a nuca do monstro em forma de urso, mas ele não reagiu de imediato, aparentemente. Uma cortina de fumaça é formada e sem parar para analisar o monstro, corro em direção a Ari.
— Você está bem, Ari? Está ferida? — digo enquanto analiso Ari, procurando por ferimentos em seu corpo ou qualquer coisa do tipo. Não sei porque fiz isso, mas foi algo instintivo.
— Eu… Eu acho que sim. Mas meu irmão… — diz Ari tremendo em pânico enquanto encarava o corpo de Cassil.
Seguro sua mão e me apresso em correr em direção a saída. — Eu sei, mas precisamos sair daqui.
Começamos a correr em direção a saída da Caverna. Em resposta, o monstro grita e um estrondo enorme é gerado. Num único pulo, tal criatura salta sobre nós e aterrissa grosseiramente em nossa frente. Impacto foi tão forte que chegamos a sentir o tremor em sua aterrisagem. Isso foi como receber um sinal em nosso corpo de que há algo muito forte e perigoso na nossa frente e que é preciso fugir o mais rápido possível.
Sua cabeça está em chamas, mas ele ignora como se nem causasse algum tipo de dano. De relance, vejo o sangue de meus amigos fervendo em sua boca devido ao calor.
Estou sem opções, não tenho condições e nem mana para realizar outro ataque mágico. Sem possibilidade de atravessar o monstro, seguro forte o pulso da Ari e começo correr na direção oposta. Ari, que inicialmente não entende, se deixa levar por minha decisão e me acompanha.
Passamos por cima dos corpos de nossos falecidos amigos. Ari fecha os olhos nessa parte e continuamos correndo sem olhar para trás.
— É a única possibilidade.— digo em voz baixa, tentando ganhar o mínimo de confiança possível em minha decisão.
Olho para trás e percebo o quão perto de nós o monstro está. Ele é muito rápido e nós estamos feridos. Não há o que possa ser feito. Não conseguiremos alcançar o precipício a tempo. Quando penso em ficar no caminho para dar tempo para a Ari pular, alguém segura a perna da criatura. Alguém que não tinha forças, poderíamos dizer que ele apenas tocou no monstro. Mas em sua condição atual isso seria como se estivesse aplicando todas suas últimas energias nesse último ato desesperado. Isso foi o suficiente para chamar atenção do monstro.
Foi o Cassil quem segurou a pata. Em seu rosto não há emoções, seus olhos estão fechados, seu cabelo cobre um pouco seu rosto. Não dá para interpretar seus sentimentos. Não tenho tempo para dizer nada, apenas assentir com essa deixa. Ele entendeu o que eu tenho em mente, talvez. Fico feliz que Ari não tenha visto isso. Provavelmente teria feito ela parar de correr.
Ao nos aproximarmos da borda, Ari percebendo o meu objetivo, começa desesperadamente a tentar soltar-se de mim para não pular junto comigo no precipício. — Ei!? Não vamos pular isso! Vamos morrer!
— É o único jeito, não tem saída, pelo menos lá em baixo temos uma chance.
— Deve ter monstros mais fortes ainda!
— É um risco que devemos tomar.
— Droga.
Sem muitas delongas, nos demos as mãos e pulamos.
Sinto que passou um tempo considerável. Não sei se foram minutos ou horas. Abro meus olhos e não consigo ver nada ao meu redor.
— Estou cego? — me questiono.
Penso em levar minhas mãos aos meus olhos, mas já percebo que meu braço direito está inutilizável. Tateio com minha outra mão e percebo uma forma irregular, em S, claramente quebrado em vários pontos. Não sinto dor, mas o sinto dormente. Tento recobrar minha consciência dos últimos fatos e me recordo da Ari.
— Ari! Cadê você!? — grito, mas percebendo que isso poderia atrair mais monstros, começo a chama-la sussurrando de alguma forma.
Ninguém responde. Talvez ela tenha ido procurar ajuda, pensei. Ela talvez não quisesse me acordar, ou achou que eu estava morto e seguiu para a entrada. As possibilidades são inúmeras. Minha mana está quase no zero e mal consigo me manter acordado. Seria impossível lançar uma nova bola de fogo de novo, mas uma magia doméstica talvez seja possível.
—【Perpetual Light】— lanço a magia direcionada a uma pedra leve o bastante para que eu possa levar comigo sem prejudicar minha locomoção.
【Perpetual Light】é uma magia da aba doméstica que serve para iluminar lugares escuros. Ela é direcionada a um objeto e o objeto brilhará enquanto a mana residida no objeto existir. A pedra escolhida começa a radiar uma luz branca forte o bastante para deixar incomodado qualquer um que estivesse horas numa caverna com seus olhos já acostumados com a escuridão local.
Observo a minha volta e não há nada, absolutamente nada.
Estou encostado em pedras e aparentemente só tem um lado para seguir, pois o outro lado é sem saída. Verifico a integridade do meu corpo e vejo que estou totalmente quebrado. Minha perna esquerda forma um ângulo esquisito e meu sangramento, apesar de lento, voltou. Há uma absurda dificuldade de respirar e de me manter acordado. Embora não esteja sentindo dor, o que é estranho, a única coisa que sinto é sede. Passo a mão no meu ombro e sinto uma quantidade considerável de sangue fresco, mas não vejo nenhum ferimento significativo para isso. Viro-me para trás para checar….
— Ahh não… — solto essas palavras automaticamente sem medir a altura do som.
Em reação, levo a única mão boa que consigo mexer para minha boca afim de abafar minha voz.
É a Ari. Ela está morta. De cabeça para baixo, com sua cabeça e pescoço fazendo um L. Definitivamente quebrou o pescoço na queda.
Começo a chorar, mas não ao ponto de fazer barulho ou de mostrar uma digna cara de choro, apenas percebo que há lágrimas escorrendo pelo o meu rosto. Não fui capaz de salvar nem mesmo ela. Seu rosto parecia estar fixamente olhando para mim. Vejo uma perfuração grande na altura da testa e uma quantidade significativa de sangue escorrendo entre as pedras. Ela não merecia esse fim.
Isso tudo me deixa doente, por viver nesse mundo decadente. Eu não tenho mais vontade de viver, nem lutar. Fui um idiota em achar que poderia viver ou ser um aventureiro. Um idiota por pensar que poderia levar uma vida digna. Se eu pudesse voltar atrás, eu refaria minha vida de uma melhor forma. Morrer no primeiro dia, isso parece uma piada de mal gosto. Quando encontrarem nossos corpos e nossos broches, com certeza farão piada. Provavelmente nossa morte servirá de história para futuros novatos sobre os perigos de acessar essa caverna.
Bem como a recepcionista nos avisou. Sinto que embora não haja mais o que fazer, preciso tentar. Preciso fazer algo a respeito disso tudo. Pois, apesar dos pesares, ainda estou vivo. Ainda respiro. Quero poder ao menos levar a notícia para suas famílias e fazer as devidas honrarias.
Sinto-me tão responsável por essa tragédia. Ari, que está morta na minha frente, perdeu seu irmão também. Ela viu seu irmão morrer na sua frente e mesmo assim tentou lutar, enquanto fiquei paralisado quando vi a morte dos meus pais. Eu fico pensando como a família deles reagiria. Cassil era uma boa pessoa também, embora não tenha conversado tanto quanto a Ari.
— Preciso sair. — digo em voz baixa. Me motivando a sair desse inferno.
Acumulo o que restou de minhas forças e tento rastejar para fora da Caverna. Agora sinto dor. Tento ignora-la completamente e arrasto-me no chão como uma cobra, centímetro por centímetro, sem pressa, apenas movimentos contínuos e aguentando a dor. Consigo ver um pouco o que há na minha frente porque prendi em minha roupa a pedra que imbuí de magia agora pouco. Após alguns minutos me arrastando, sinto que meu corpo está próximo do limite e o que já imaginava que fosse ocorrer, aconteceu.
Há 3 pequenos monstros na minha frente.
Dois Bruchus OpificemBesouro Operário e um Slime. São alguns dos monstros mais fracos existentes. Até mesmo uma criança consegue matar um, mas eu estou fraco, não há como eu me defender contra eles.
Eles repararam minha presença e partem em minha direção, sem pestanejar, como se fossem programados com esse único objetivo. Não tem como me defender. Eu também já estou perdendo a consciência. Minha visão já estava ficando turva e agora vejo apenas vultos se aproximando de mim.
Uma leve recordação nostálgica da minha mãe veio em mente. De um tempo que ficou no passado e que não existirá mais, não somente porque morrerei em breve, mas também porque todos aqueles que eu poderia chamar de família já morreram.
— Em breve estarei com vocês...— reflito, desistindo de tudo, começo a fechar os olhos. Dou meus últimos suspiros nesse mundo esquecido por deus, vítima de um destino cruel e que sem piedade ceifa a vida de inocentes.
Meus últimos pensamentos são interrompidos por um barulho não esperado. Quando dedico meus últimos esforços para prestar atenção nos monstros que seriam meus algozes, eles são imediatamente transformados em cinzas.
Uma magia causou a morte dos monstros. Magia sagrada, sem dúvidas. É bem reconhecível o som agudo característico que ela faz. Tento olhar para frente, com objetivo de saber de onde veio a magia e observo, muito dificilmente, a silhueta de 3 pessoas. Provavelmente outros aventureiros.
São reforços, talvez. Que ironia do destino, mas infelizmente já é tarde. Eu sinto minha vida cessando e meu corpo já não me obedece mais. Já não estou mais em condição de viver. E duvido que meras magias de cura consigam reverter meu grau de dano. Sei que magias de cura não recriam o sangue perdido, mas cicatrizam feridas aceleradamente. Eu já perdi sangue suficiente para não me aguentar mais de pé, consciente.
— Eu não aguento mais.— sussurro tais palavras que ninguém provavelmente escutou.
Fecho os olhos e sinto que estou entrando em um sonho. Lentamente vejo meus pensamentos sumirem e escuto um distante: “É, ele?”.
E finalmente morro.