Paladinos da Noite Brasileira

Autor(a): Seren Vale


Volume 1

Capítulo 4: Sombra do Destino

    Com os olhos vermelhos de tanto chorar, Johnny deteu-se diante da porta do apartamento. Hesitou por um momento antes de entrar, consciente de que não havia alternativa. Com um movimento decidido, girou a maçaneta e deparou-se com o caos que o lugar se transformou.

     Assim que Johnny colocou os pés na sala de estar, seu pai aproximou-se rapidamente e expressou profunda preocupação em seu olhar. Ele observou o filho e avaliou sua saúde física com cuidado. Sem pronunciar uma única palavra, Johnny foi envolvido em um abraço caloroso à medida que as lágrimas continuaram a escorrer, carregadas de um sentimento culposo palpável. Eliott, que enviou Martin para aquela missão, compartilhou do peso da responsabilidade.

    A noite caiu, e a melancolia de quem acabou de retornar de um funeral estava estampada nos rostos do Johnny e Eliott.

    Ao adentrarem o apartamento, ambos avistaram Steve, o cão, que aguardava ansiosamente, na esperança que seu dono entrasse pela porta acompanhado do Johnny.

— Ele não vai mais voltar. — Johnny se agachou e passou a mão na cabeça do cão. — Você não entende, não é mesmo!

     Johnny colocou a coleira no cão e o puxou em direção à porta.

— Vou levá-lo para tomar um ar!

— Tudo bem! Não demore — disse Eliott em tom autoritário, ao mesmo tempo que retirou o sobretudo preto e o jogou sobre o sofá.

    Ao abri a porta para sair Johnny se deparou com Rose, que estava prestes a tocar a campainha, mas parou ao ver o garoto.

— O Senhor Eliott está?

    Johnny confirmou com a cabeça e manteu a porta aberta para a garota entrar.

   Rose se deparou com várias armas e adagas em forma de cruz espalhadas pelo chão, ao mesmo tempo que o cheiro forte de incenso tomou conta do local.

— Queria falar comigo? — disse Eliott, enquanto limpava uma de suas armas — Só fale logo, tenho trabalho a fazer.

— É bem ... — Rose hesitou em dizer, ela temeu entrar no assunto, mas o faz — Eu ouvi uma conversa do meu pai e do tio Daniel. Eles disseram que, como o Martin está morto, eu vou ser a próxima Paladina Azul.

— Eu sei, foi escolha mútua.

— Mas eu não posso!

— Por qual motivo? —  perguntou Eliott, curioso.

— Eu nunca vou ser forte o suficiente para me igualar ao senhor ou ao papai!

    O Paladino Azul transmitiu seus poderes de geração em geração, como um símbolo supremo de liderança, ao enfrentar corajosamente as criaturas da noite. Sua simples presença bastava para afugentar as criaturas mais poderosas.

   Durante décadas, a Ordem dos Paladinos nunca viu uma mulher ser escolhida para portar o poder do Paladino Azul – até Rose. Ela se tornará não apenas a primeira mulher a receber essa honra, mas também um símbolo inspirador de liderança e coragem. Rose não apenas assumirá o papel de Paladino Azul, mas também se transformará em um ícone do feminismo dentro da Ordem, para deixar um legado marcante para as futuras gerações.

— Não se preocupe com isso, você receberá o devido treinamento.

— Mas e meu irmão ou o Johnny? Um deles pode ser o Paladino Azul!

— Seu irmão, que foge da reabilitação a cada mês? E o Johnny nunca estará pronto para isso!

— Mas eu estou?

— Seu pai garantiu que sim. Agora, volte para casa, esta tarde para você “zanzar” por aí.

   Rose andou pela rua e olhou para o céu e percebeu que a chuva estava prestes a começar, ela correu para chegar logo em casa.

— Onde estava? — perguntou Daniel, ríspido.

    Daniel estava elegantemente assentado no degrau da casa, com as costas meticulosamente apoiadas na parede, dedicado a seu celular. Vestia uma camisa social branca, uma escolha inusitada para seu estilo geralmente mais descontraído. Usava uma calça preta o que complementou a escolha da camisa e ressaltou ainda mais sua opção pouco convencional.

     Daniel, irmão gêmeo do pai da Rose, compartilhava apenas a cor do cabelo e dos olhos com ele; as semelhanças entre eles, contudo, terminavam aí. Daniel era conhecido por sua impressionante força e habilidades de luta impecáveis, o que contrastava com a preferência de seu irmão por armas e poções para enfrentar desafios.

— O que o Sam fez agora? — Rose sentou ao lado do Daniel, para observar a chuva que começou.

— O que não fez, ele “vazou” da reabilitação de novo.

— Está de castigo! — A voz doce e aguda do Silver soou como uma melodia, mesmo ao repreender alguém. — Sua pivete! O Eliott me mandou uma mensagem!

    Silver ajustou os longos cabelos loiros e em seguida abriu o guarda-chuva preto que contrastou com o quimono florido que ele usava.

—  Até mais! E nada de pizza.

     Assim que Silver deu as costas, Daniel disse: "— Esta a fim de comer uma pizza—" o que contrariou o irmão.

— Se eu disser que “sim”, amanhã você vai me fazer correr em volta do quarteirão!

— Ah, que isso, amanhã é domingo, e seu irmão está aí. Quem vai correr envolta do quarteirão é ele — Daniel se ergueu dos degraus ao mesmo tempo em que bocejava. — Vou buscar a Sueli no aeroporto.

— Você não pode sair, o papai disse ...

— Se comporta! — Daniel interrompeu e deu as costas sem escutá-la.

— Ótimo! — Rose entrou na casa e fechou a porta atrás de si. — O que está fazendo aí, seu come e dorme!

    Rose encontrou Sam jogado no sofá. O garoto encarava o vazio e parecia refletir.

— O tio Daniel saiu, vou avisar o papai. —  Antes mesmo de a garota ligar o celular, Sam puxou o aparelho das mãos dela.

— Não vai incomodar o Silver com isso, o tio Daniel sabe o que faz!

— Mas se o Lebre Branca matar o tio Daniel?

    Rose tentou puxar o celular das mãos do Sam, enquanto o garoto puxava de um lado.

    A campainha tocou e Rose soltou o celular subitamente, o que fez com que Sam caísse sobre o chão. Ao olhar pela janela, ela viu uma bela moça de cabelos ondulados e negros, assim como os olhos. Os lábios pintados de vermelho pareceram ser a única maquiagem que a moça usava.

— É a Sueli, eu sabia, ele não foi buscá-la no aeroporto!

    Com um guarda-chuva rosa em mãos, a mulher aguardou a porta ser aberta, o que pareceu ser uma eternidade, pois Sam e Rose brigaram pela posse do celular.

— Solta! E vai abrir a porta para moça, Rose. Eu vou contar para o Silver que você está sendo malcriada!

    Do outro lado da porta, a bela moça disse: “— Crianças, estou ouvindo vocês!”

— Quem ela pensa que é? — cochichou Rose, e soltou o celular, o que fez o irmão cair no chão novamente. A garota forçou um sorriso antes de abrir a porta.

— Você deve ser a Rose! — Sueli abraçou Rose tão forte que a garota conseguiu sentir o cheiro cítrico do perfume da mulher.

    Antes mesmo de ser convidada, ela entrou na casa e deslizou o dedo pela mesa de centro, para verificar a limpeza do local. "— O que fazem o dia todo? —" indagou antes de acomodar-se no sofá. Seu olhar fixou-se no incenso aceso, e ela incomodou-se com a fumaça que saía dele.

— Dá para apagar?

— Não! O papai disse que é para espantar maus espíritos!

    Sueli levantou-se do sofá e foi até a parede da entrada, onde estavam várias fotos do Sam e Rose quando crianças.

— Olha só como vocês eram fofinhos! — Ela olha Sam e Rose dos pés à cabeça. — Bem agora ...

— Sam! —  gritou Rose ao ver que o irmão colocou uma jaqueta — Onde você vai?

— Sair. Eu vou ali e já voltou.

— Ali aonde? Me leva junto!

— Fica aí com a visita. — Antes de sair pela porta, Sam fez uma cara de deboche para Rose.

— Você quer ver mais fotos? — disse Rose, animada e tentou ser amigável — Vou buscar um álbum de fotos para você!

    Rose retornou com  um grande livro de fotos e lembranças.

— Olha só! — disse a garota.

     As fotos retratavam, Rose e Sam desde que eram bebês e algumas do Silver ainda jovem, o que deixou Sueli confusa era que não havia nem uma foto do Daniel.

— Esse é seu pai? — Sueli apontou para uma das fotos.

— É, esse foi o dia em que ele me achou, o Sam diz que o papai me achou no lixo, mas eu sei que ele fala isso só para me deixar brava.

     Rose falou sem parar. Sueli olhou as diversas fotos e procurou por uma do Daniel ou alguma que Rose citasse ele.

— E o Daniel? Por que não há fotos dele?

— Ele fugiu de casa quando era jovem; o tio Daniel foi amaldiçoado pelo Lebre Branca, então ele fugiu para não pôr o papai em risco.

— Eu preciso ir. — Sueli levantou-se do sofa repentinamente. — A morte do discípulo do Daniel, pensei que fosse só uma coincidência, mas se o Lebre Branca está por trás disso, eu não posso me envolver com um Paladino amaldiçoado.

    Sueli saiu da casa, enquanto Rose sentou-se novamente nos degraus. O relógio do celular da garota marcou 3:00hs. Ela encarou a escuridão e o vazio da rua.

     Um calafrio percorreu seu corpo que a deixou preocupada. Rose ligou para o único número que atenderia naquele horário.

— Johnny!

“— Fala, Rose.”

    Atrás da voz do garoto era possível escutar Duque, que curioso começou a falar e atrapalhar Johnny.

— Quem está aí?

“— Um amigo idiota”

— Você esta bem?

    O silêncio do outro lado da linha incomodou Rose, pois deixou evidente a resposta. Para tentar ajudar o amigo Rose continuou a falar.

— Quer jogar alguma coisa?

“— Eu não posso, estou investigando o Lebre Branca”

— O papai e o tio Eliott já foram fazer isso. É melhor deixar que eles resolvam.

“— Eu estou fazendo minha própria investigação.”

— Só toma cuidado para não ficar igual ao tio Daniel, sedento por vingança e jogar sua vida fora.

“— Diferente do seu tio, não vou fugir. Vou encontrar o Lebre Branca e matá-lo com minhas mãos”

    O celular foi desligado repentinamente, Rose queria acreditar que a ligação havia caído.

— Mas vocês já se igualaram — disse Rose a si mesma ao guardar o celular.

    Daniel se aproximou e com ele veio um forte cheiro de podridão e sangue. Rose pensou em dizer algo, mas desistiu ao ver a feição, como sempre, nada amigável do Daniel.

— Canalizar, não reprimir. — Daniel repetiu o mantra para si o tempo todo.

— Não fala! — disse Ele ao ver que Rose observou com expressão de julgamento — Só fui limpar a cidade das criaturas da noite.

    Daniel passou pelo espelho que enfeitava a parede da sala de estar e avistou a face suja, repleta de ódio e raiva.

— Eu te odeio! — Daniel socou o espelho, quebrou o objeto e feriu assim o punho. — Eu vou te achar, Lebre Branca, e te matar!



Comentários