Volume 1
Capítulo 27: Esquecer
— Já existiam caçadores, eu apenas os nomeei de Paladinos e os reuni. — Duque desviou o olhar.
— Então você lembra!
— É claro que lembro, eu lembro de tudo, mas queria esquecer! — Duque disse, alterando a voz. — Vou voltar pra minha cela!
Duque saiu do quarto furioso e no corredor se chocou com Silver.
— Você tá bonito hoje. — O humor de Duque mudou ao ver Silver; ele sorriu, deixando suas presas à mostra.
Silver olhou para Duque, sorrindo discretamente.
— A Rose me avisou que os garotos acordaram.
— Ah é, eles estão lá enchendo o saco.
— Ela me contou também que você a salvou.
— Eu não queria que ela se machucasse; se não, você ia se machucar também. Ela não te contou mais nada?
— Não. Tem mais o que ser falado?
— Não sou eu que descido. — Duque acenou para Silver enquanto saia.
— Se precisar, estarei na minha cela.
Silver entrou no quarto e foi logo abraçar seu filho. Ele estava feliz por seu garoto finalmente estar bem, sem imaginar o que viria. Ele sorriu alegremente.
— O tio Daniel já chegou também? — perguntou Rose, ríspida.
— Já, está com o Eliott terminando de ler os relatórios dessa noite.
Assim que terminou de escutar Silver, Rose saiu com uma feição seria, o que deixou todos curioso. Ela caminhou em silêncio. Um mix de sentimentos tomou conta da garota, não sabia o que sentir: raiva, tristeza ou compreensão. Ela bateu na porta da sala de Eliott, escutando um “entre".
— Senhor Eliott, posso falar com o tio Daniel sozinha? É assunto de família.
Rose finalmente descobriu o que sentiu. Era raiva por ter sido abandonada, por ele ter voltado e não ter contado nada para ela, e por Silver ter escondido isso.
Eliott percebeu a face nada amigável de Rose e se levantou da cadeira, dizendo: “Tudo bem", enquanto saiu.
— O que foi agora? — Daniel disse, escrevendo em um papel.
— Por que não me contaram? — Rose bateu com as mãos na mesa, descontando sua raiva. — Por que vocês não me contaram que você é meu pai biológico! — Rose alterou a voz. — A porra da Carmila sabia! — disse Rose, com os olhos cheio de lágrimas.
— Me desculpe! — Daniel largou a caneta sobre a mesa. — Não queria que descobrisse dessa forma. Na verdade, não queria que tivesse descoberto. Você se parece com sua mãe, e isso me irritou. Te encarar machucava de mais.
Rose arremessou todos os papeis da mesa longe, deixando as lágrimas escorrerem por seu rosto.
— Então por que voltou? — Rose perguntou com raiva.
— Eu queria te ver, ver como você estava — Daniel tentou se aproximar de Rose, mas ela se afastou. — Era meu dever te proteger, mas não pude. Me desculpe!
— Não! Não vou te perdoar, nem ao Silver...
— Ele não sabia! Por favor não o culpe.
— Eu ... Eu te odeio! — Rose saiu correndo enquanto chorava.
— Parabéns Daniel! — Daniel disse a si.
***
Johnny estava jogado no chão, contemplou o céu azul acima enquanto as cigarras cantaram suavemente naquela tarde. Seus olhos refletiam um sentimento de tédio e melancolia enquanto ele permaneceu em silêncio, imerso em seus pensamentos.
Nesse momento, Sam se aproximou e, sem dizer uma palavra, sentou ao lado do Johnny. A presença silenciosa de Sam trouxe uma sensação de conforto e compreensão, permitindo que Johnny soubesse que não estava sozinho em seus sentimentos.
— Minha “Família” agora está um caos. Descobriram que o tio Daniel é pai biológico da Rose. — Sam entregou uma caixa de suco para Johnny. — Eu disse para o Silver que saímos da lá com ajuda do cachorro, pra não causar mais problemas.
— Tudo bem! — Johnny retirou o canudo da caixinha, perfurando no local indicado. Sua face nada surpresa intrigou Sam.
— Você sabia, né?
— Foi o que eu li no computador dele. Ele havia escrito uma carta para ela, mas nunca enviou.
— O Silver está bravo com ele também, mas não o suficiente para matá-lo ou parar de falar com ele. Já a Rose, não olha mais na cara do tio Daniel.
— Uma hora ela esquece e o perdoa. O tempo cura todas as feridas.
— Diz isso por si mesmo? — perguntou Sam, curioso.
— É diferente. Não vou conseguir me curar enquanto o Lebre Branca caminha sobre essa terra.
— Sam! — gritou Yuri, de longe, segurando uma caixa. — Sua encomenda chegou.
— Sério! — Sam se ergueu do chão rapidamente e limpou
a poeira da roupa. — Vem, vamos lá. — Ele estendeu a mão para Johnny se levantar.
Yuri largou a caixa sobre o chão, para abri-la. Dentro, havia várias tintas de cabelo e descolorante.
— O que vai fazer com isso? — Johnny perguntou curioso.
— Vamos mudar o visual do Duque.
— Nós inscrevemos o Duque em um app de relacionamento, e o Sam disse para o Silver também se inscrever e, agora eles têm um encontro.
— E o Silver não sabe que é o Duque.
— Quando ele descobrir, vocês estão ferrados.
— Ele só vai descobrir na hora em que chegar lá.
— Vai lá buscar o Duque, leve-o para o dormitório.
Sam misturou diversos produtos em uma vasilha, enquanto o forte cheiro químico fez seus olhos lacrimejarem.
— Você vai ficar lindo! — Sam entregou a vasilha para Johnny. — Termina aí!
— Mas, eu não sei o que fazer — disse ele, confuso
— Só passa isso no cabelo dele.
Johnny colocou as luvas, olhou para os longos cabelos de Duque em seguida olhou para a tesoura sobre a cama.
— Por que estão demorando tanto? — Duque perguntou impaciente.
— Já vai acabar! — Johnny passou a tesoura nas longas madeixas de Duque, fazendo um novo corte.
Johnny analisou o cabelo de Duque e sentiu como se estivesse falando algo, passou a tintura que Sam havia preparado em algumas mechas, deixando-as pretas.
— Acho que agora terminei!
Ele olhou para o lado e viu Sam, passando vários produtos na cabeça de Yuri, o que fez suas madeixas borbulharem
— O que você está fazendo?
— Ele tá fazendo mecha vermelhas para mim. — Yuri disse sem ver o que aconteceu em seus cabelos.
— Acho que não é bem isso que ele está fazendo.
Yuri passou a mão em seu cabelo e percebeu que uma grande quantidade de fios caiu em suas mãos. Ele correu para o banheiro, desesperado para lavar os produtos químicos que foram aplicados em suas madeixas.
Ao sair de lá, Johnny e Sam não conseguiram segurar o riso ao verem a aparência dos cabelos de Yuri. Sua textura parecia palha, com partes pretas, outras laranja e outras amarelas. A situação era tão constrangedora que Yuri ficou sem palavras ao ver seus amigos rindo daquela cena inusitada.
— Não se preocupe, vamos arrumar isso.
— E você consegue? — perguntou Sam, rindo.
Enquanto os garotos riam e brigavam, Duque se olhou no espelho.
— Gente! Como eu estou em?
— Legalzinho. — Johnny disse, misturando vários produtos na mesma vasilha suja de descolorante. — Vamos arrumar o cabelo do Yuri agora.
— Vão acabar deixando ele careca. — Duque se ergueu da cadeira. — Tenho um encontro hoje à noite, então até mais!
— Careca — balbuciou Yuri, vendo Johnny se aproximar segurando toda química.
Sam olhou para a mão tingida de vermelho, ele logo se recordou do tom laranja e preto que havia tomado conta de seus dedos. Ele piscou os olhos várias vezes e tentou esquecer o que havia acontecido.
“Eu sou um Paladino” era a única coisa que passou pela mente de Sam naquele momento. Seus pensamentos foram cortados por Yuri, que bateu a porta do quarto.
Yuri saiu correndo batendo a porta atrás de si. Ele foi até a cozinha e encontra Eliott lá.
— Sam? — Eliott perguntou, refira-se ao cabelo de Yuri. — Peça a Rose que concerte para você, só faça isso logo.
— O senhor acha que o Johnny vai ser um ótimo Paladino Azul?
— Não, o Johnny ainda é inconsequente. Ele age como bem entende. Conheço outra pessoa que seria uma ótima escolha.
— É na cerimônia do Paladino Azul que recebemos uma alcunha? Qual você acha que vou ganhar? — perguntou Yuri, curioso.
— Ainda não tenho certeza.
Johnny adentrou a cozinha com uma mochila pendurada em suas costas. Quase riu do cabelo de Yuri, mas Eliott olhou pra ele com cara fechada, negando com a cabeça.
— Vamos? — Johnny perguntou a Eliott
— Estamos indo para cidade. Você quer vir junto?
Por não ter onde morar, Yuri passava o fim de semana na escola, sentindo-se sozinho. O maior medo de Yuri era concretizado todo final de semana: a solidão que ele tanto odiava. Por isso, ele não pensou duas vezes antes de dizer “sim".
— Vamos aproveitar para arrumar esse seu cabelo no caminho! — disse Johnny, rindo.
— Vai pegar sua mochila, enquanto resolvo algo. — Eliott largou a xícara sobre a pia.
***
O quarto de Rose estava um caos, a garota havia tido um acesso de fúria e quebrado tudo à sua frente.
Deitada sobre a cama revirada enquanto chorava de raiva. Ela escutou uma batida na porta e logo disse: “Vai embora!”
— Depois que conversamos, eu vou — disse Eliott, ao adentrar quarto.
— Qual dos gêmeos traíras te mandou aqui? — perguntou Rose e limpou as lágrimas — Não vou perdoar ninguém — Rose afirmou.
— Nem mesmo seu próprio quarto? — Eliott olhou em volta para os objetos revirados. Eliott entregou uma papel para Rose. — Por que fez isso? Por que mandou uma carta para o conselho pedindo para ser transferida para um monastério?
— Se eu mandasse para o Paladino Azul, a resposta seria não.
— Certamente. O Silver não tem culpa do Daniel ter mentido para você. Dê uma chance a ele.
— Você diz isso porque gosta do papai.
— De onde tirou isso?
— Você sempre esteve ao lado do Silver e às vezes olha para ele com uma cara apaixonada. Teve duas mulheres e não ficou nem três anos com elas, fora a mãe do Johnny, que era sua amante.
Eliott ri sem graça.
— Já até sei de onde você tirou isso, foi o Daniel!?
— Ele sempre falava mal de você quando íamos jantar.
— Só não deixa o Silver preocupado.
Rose desviou o olhar com semblante triste.
Rose olhou para Eliott com os olhos marejados de tristeza. Ela suspirou profundamente e disse: “Eu sei que o Silver não tem culpa das mentiras do Daniel, mas é difícil para mim confiar novamente. Talvez seja melhor eu seguir meu caminho e buscar paz em um lugar distante, longe de tudo isso.”
Eliott se aproximou dela com carinho e colocou a mão em seu ombro.
— Se essa é realmente a sua decisão, eu respeitarei. Mas lembre-se que a porta estará sempre aberta para você, caso decida voltar.
Com lágrimas nos olhos, Rose sorriu de forma triste e agradeceu a compreensão de Eliott. Ela pegou a folha que ele entregou e guardou cuidadosamente.
— Vou pensar no que você disse. — ela respondeu — Mas, por enquanto, preciso ficar sozinha para colocar as ideias no lugar.
Eliott assentiu, compreendendo o momento delicado da garota. Ele se despediu e sai do quarto, deixando Rose consigo mesma.
Enquanto a porta se fechava, Rose sentiu um misto de emoções, mas uma pequena centelha de esperança começou a surgir em seu coração, pensando que talvez, um dia, ela consiga perdoar Daniel.