Paladinos da Noite Brasileira

Autor(a): Seren Vale


Volume 1

Capítulo 20: Caos

— Eu consegui alugar uma casa na parte norte da cidade — Silver contou sua nova vida, feliz.

— Meus parabéns! — Eliott entregou um copo de café para Silver, junto uma presilha vermelha com uma flor roxa. — Isso é pra você.

— Eu me lembro disso, eu usava muito quando estudava em Paladi.

     Eliott riu discretamente.

— Isso foi o ano passado, e você fala como se fosse há trinta anos.

— Pra mim foi o ano passado, mas para você foi há trinta anos atrás.

— Qual alcunha recebeu?

— Paladino das Correntes.

     A diferença de idade entre ambos era de sete anos, Silver havia sido designado para ficar ao lado do Paladino Azul. Em missões, Paladinos sempre andaram em duplas ou trios. São necessários dois para parar um único vampiro de classe especial.
      Silver havia brigado com família; os Benedetti eram Paladinos de elite por séculos. Essa família formou grandes guerreiros. Com o desaparecimento de Daniel, a matriarca temia que a linhagem principal fosse extinta e tentou assim forçar Silver a se casar.

— E seu irmão?

— Ele ainda está desaparecido, mas deram a ele a alcunha de Paladino das Chamas. — Os olhos turquesas de Silver transpareceram tristeza no momento em que se recordou de seu irmão gêmeo. — Todas as vezes que fui humilhado dês de criança, ele era meu defensor, não deixava ninguém falar mal de mim, ele fazia o típico valentão.

— Eu que o diga, ainda guardo a cicatriz que ele fez em mim, mas ele vai voltar, não se preocupe. — Eliott tentou confortar Silver.

       Uma jovem de longos cabelos ruivos, caminhava a passos largos com uma expressão nada amigável. Ela olhava para os lados, segurava uma sacola de papel, possivelmente repleta de objetos esotéricos.

— É ela? — Silver perguntou ao ver a jovem se afastar.

— É sim, vamos, não podemos perdê-la de vista. — Ambos passaram a segui-la. — Aja naturalmente.

— Tudo bem! — Silver virou o pulso, onde havia um relógio, que marcava 22h00. — Tenho que ir cobrir as férias de um colega essa noite.

       Silver trabalhava em uma lanchonete como balconista. Ele ganhava o suficiente para se manter. Haviam vários planos na vida de Silver. Ele quer fazer vestibular e cursar história, sempre fascinado pelo passado e afim de entende-lo. Casar e ter filhos não estavam nos planos de Silver para o futuro, sempre pensou que ninguém ficaria com ele por muito tempo.

— Droga! — Eliott percebeu que perdeu a mulher de vista.

— E agora?

— Va para seu trabalho. Quando sair me avise. Vamos procurá-la, não pode passar dessa noite, amanhã é halloween.

   Silver confirmou com a cabeça e seguiu caminho oposto a Eliott, enquanto acena para o amigo.

— Até mais!

     Assim que o turno de Silver na lanchonete terminou, ele avistou Eliott, que dormia sobre o volante. Seu semblante era cansado e seu sono parecia pesado. Silver bateu na janela para acordar o amigo.

— Eu estava lhe esperando! — Eliott destrancou a porta do carro para Silver entrar.

— Você esta bem?

— Estou! — Eliott abriu o porta-luvas e retirou um óculos de grau de lá. — Achei até meus óculos! O Martin havia pego.

— Espero que tenha achado nossa “amiga” ritualista também!

— É complicado. — Eliott deu partida no carro. — Achei, ela mora em um prédio no centro da cidade.

— Então vamos lá e queimamos o grimório dela!

     Ambos chegaram rapidamente ao prédio e bateram na porta. Um homem com aparência peculiar os recebeu, com tatuagens pelo corpo e a cabeça quase raspada e pintada de vermelho.

— Olá! A senhora Samanta esta? — Eliott perguntou.

— Quem quer saber?

— Só estamos investigando. — Eliott hesitou e pensou nas suas próximas palavras, mas não foi presciso falar muita coisa.

— Ela saiu. Foi acampar com o moleque — Ele fez sinal para que eles entrem na casa. — Eu até queria ir, mas ela não deixou, disse que era algo entre ela e o nosso filho.

— Acampar onde?

— Nas montanhas.

Eliott deu um longo suspiro.

— Vamos, Silver, a noite vai ser longa.

     De volta ao carro, Silver começou a falar.

— E agora? Vamos para as montanhas procurar por ela?

— O dia das bruxas é amanhã. Temos um dia para revirar as montanhas até encontra-la. É melhor nos prepararmos.

— Vou ligar para um colega me substituir no trampo.

     Ao amanhecer, a dupla de Paladinos finalmente chegou à base da montanha, onde densas árvores formavam uma floresta ao seu redor.

— Procure por sinais. — Eliott mexeu nas folhas no chão. — Ela deve ter deixado algum sinal para as outras a encontrarem.

— O que vai acontecer aqui?

— A bruxa que estamos procurando é uma bruxa ritualista. Ela é filha da rainha das bruxas. Para conseguir mais poder, ela vai sacrificar o garoto e comer o coração dele.

— Isso é horrível!

    Eliott encontrou um pentagrama desenhado na árvore, e assim até chegarem a uma construção antiga onde somente o chão estava conservado. Ambos seguem o som de uma voz feminina que cantarolava.

— Samanta! — Eliott disse ao ver  a mulher sentada de costas, sobre um tronco.

— Paladinos! — Ela somente mexeu a mão, os dedos pretos e roxos com desenhos de olhos e estrelas chamara atenção de Silver. — Eu já vi o que aconteceu e o que vai acontecer. Ele me mostrou!

— Quem te mostrou?

— O homem com a máscara de coelho. Ele vai restaurar o mundo. Não sermos mais caçados. — Assim que ela fechou a mão em punho, uma forte presença assustou os dois ali.

     Era uma sombra negra que pairava sobre o local, o que causou em Eliott e Silver um arrepio na espinha.

— Eliott! — Silver olhou para Eliott e colocou a mão no nariz que sangrava.

— Um demônio! — Eliott colocou a mão no bolso interno do sobretudo que usava e retirou de lá um pequeno frasco com sal, o suficiente para ele desenhar um círculo em volta de si e do Silver. — Sabia que iriamos vir.

— Sabia, por isso arrumei as coisas para o demônio comer vocês vivos. — Ela disse e foi  em direção a eles, levou o pé até o sal na tentativa de desfazer o círculo, mas seu pé foi queimado.

— Silver, procure o santuário e desfaça os pentagramas que ela utilizou para invoca-lo. Eu vou manter o demônio distraído enquanto você faz isso. — Eliott colocou os pés para fora do círculo. — Se algo der errado, volte correndo para o círculo e peça reforços.

     Eliott apontou a cruz dourada para a sombra negra e correu floresta a dentro, foi assim perseguido pela sombra. Enquanto isso, Silver pensava em uma maneira de despistar Samanta e sair do círculo. Uma fumaça preta vinda da floresta chamou atenção de Silver o que indicou o santuário da bruxa. Samanta percebeu para onde Silver olhava e correu em direção a fumaça. Silver correu na tentativa de alcançá-la.

— Volta aqui! — Silver alcançou a moça dentre as árvores.

    E lá estava o santuário que Samanta usou para invocar o demônio que perseguia Eliott. Pentagramas, velas pretas e até a cabeça de um cervo compunham o macabro santuário que precisava ser destruído antes que Eliott se machucasse. Silver fez menção de levar a mão até os pentagramas para desfaze-los mas Samanta cortou a mão dele com um graveto.

— Vocês, Paladinos, sempre se metem no que não lhes diz respeito!

— Se ameaça inocentes, nos diz respeito sim! — Silver pegou sua corrente, que estava enrolada e pendurada em seu cinto.

      Ele olhou para o topo da árvore onde havia uma gaiola pendurada, e dentro dela uma criança, aparentemente dormia. Silver percebeu que Samanta não o deixaria desfazer o santuário nem salvar o garoto. Samanta ainda segurava o graveto quando Silver girava a corrente, ele acertou a mão dela e queimou a pele com o contato, puxou a corrente na tentativa de derrubar Samanta. Ignorando as queimaduras que se criava em seu braço, a moça puxou a corrente e derrubou Silver, enquanto Silver estava no chão, Samanta pegou um machado que estava cravado no tronco. Ao levantar o machado para cortar a cabeça de Silver, Samanta se assustou com Eliott, que correu em direção a ela segurando um cristal negro nas mãos.

— Você arrancou o coração dele! — Samanta disse assustada.

    Em segundos, sua expressão apavorada desvaneceu e a raiva e ódio tomaram conta do rosto da moça, ela então levantou o machado e foi  em direção a Eliott.

— Silver! O demônio ainda não está morto! — Totalmente ferido, Eliott se escorou em uma árvore na tentativa de  ficar em pé, enquanto Samanta se aproximava com o machado em mãos.

    Ao perceber que Eliott estava em perigo, Silver puxou o pé da Samanta, o que fez ela cair sobre o machado que segurava. Sem verificar se a moça estava morta ou viva, Silver correu para desfazer o santuário antes que o demônio voltasse atrás de seu coração.

— Ela morreu? — Eliott perguntou ao ver a poça de sangue que se formava debaixo do corpo de Samanta.

     Silver virou o corpo de Samanta, constatou assim sua morte.

— Eu matei ela! — Silver disse incrédulo e apavorado.

— Não foi você, foi o destino agindo contra o caos. — Eliott apontou para a gaiola com o garoto. — Retire o “caos” de lá, tente não acordá-lo.

     Entre as bruxas, há o que é chamado de caos. O caos surge entre as bruxas, apenas nas que possuem sangue nobre, como a rainha das bruxas ou suas filhas. Nesta geração, o caos nasceu em Bartolomeu. O poder de controlar o caos seria dividido entre várias bruxas, através da ingestão do coração do Bartolomeu.

    O pequeno garoto abriu os olhos sonolentos e olhou em volta para tentar entender onde estava. Ao não ver sua mãe, o garoto começou a chorar e  esfregar os olhos.

— O que acontecerá com ele agora? — Silver perguntou enquanto preenchia uma ficha ao lado do Eliott.

— Ele vai ser enviado para Ordem. Farão alguns experimentos, provavelmente vão mantê-lo preso por lá.

— E se ele estiver supostamente morto?

— Então as bruxas não o perseguirão mais. Ele não se tornará um rato de laboratório da Ordem e vai viver uma vida aparentemente normal.

— Você pode fazer um relatório da morte dele? — Silver entregou uma folha para Eliott.

— E depois? — Eliott estacionou o carro no acostamento da estrada pra escrever.

— Depois, eu terei um filho chamado Samuel. — Silver pegou o garoto no banco de trás e acalmou seu choro.

— Tudo bem, mas e o caos dentro dele?

— Não vai acontecer nada se ele não souber que existe.

— Se acredita que pode controlá-lo, tudo bem.

      Um ano se passou, Silver consegui ser aprovado no vestibular. Ele ainda morava e trabalhava no mesmo lugar, mas agora tentava conciliar trabalho, estudos na faculdade e cuidados com Sam, que já tinha três anos.

— Sam! — Silver correu para pegar o garoto, que se pendurou na dobradiça da janela. Ele colocou Sam em um cercado de almofadas no centro da sala. — Fique aqui!

    Silver foi até a porta e a abriu, deparando-se com Martin, que segurava um peixe dourado.

— Martin! — Silver abriu caminho para o garoto entrar. — O que faz aqui?

— O papai disse pra você ir até o santuário azul. Ele quer conversar com você, e pediu pra não levar o Sam.

— Tudo bem, eu vou me arrumar. Espere aqui e vigie o Sam.

     Enquanto Silver vestia seu quimono florido, Martin pegou um copo de vidro transparente e encheu de água, colocou o peixe dourado lá.

— É pra você! Eu ganhei ontem no parque de diversão. — Ele disse a Sam.

— Martin, você pode me dizer o que seu pai quer falar comigo em um domingo à tarde? — Silver acendeu um incenso e o colocou perto da porta.

— Ouvi ele falando ao telefone, é sobre o Paladino das Chamas.

— Tudo bem! Não abra a porta para ninguém, mesmo se for alguém conhecido.

Martin confirmou com a cabeça.

— E não deixe a bicicleta jogada no corredor!

— Tudo bem, tio Silver!

    Silver se aproximou de Eliott, que estava sentado em um banco, contemplando as rosas azuis do jardim.

— Você queria falar comigo? — Silver sentou ao lado de Eliott.

— Daniel foi visto na menção da Carmila  — Eliott disse sem rodeios. — Vamos buscá-lo.

— Agora?

— Quando quiser, você liderará. — Eliott se levantou do banco e se dirigiu à saída, seguido por Silver.

— Vamos agora então, o quanto antes melhor.



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