Volume 1
Capítulo 2: Confronto Noturno.
17 de setembro(10:00 horas).
Martin pressionou a campainha de forma frenética, causou um estridente som que ecoou pelo interior do apartamento. A porta se abriu, e ele se deparou com um garoto sorridente, cujo rosto irradiava alegria.
— Irmão!
Martin tinha um lindo sorriso na face, resultado da alegria ao ver o irmão mais novo.
— Martin! Pensei que só ia sair da prisão no próximo mês.
— Terminei mais cedo lá. — Ele adentrou o apartamento e lançou olhares os redor, à procura de alguém. — Steve! O papai voltou!
— O Steve está na loja com a vovó!
O delicioso aroma de chocolate encheu a sala, seguido por um leve "tin" vindo do forno. Ao ouvir o som, Johnny se retirou por um instante e retornou em segundos com uma bandeja repleta de biscoitos recém assados.
— Nesse caso, estou indo para lá.
— Mas acabou de chegar — tentou argumentar Johnny.
— Voltarei a noite para o jantar.
Martin encheu os bolsos com vários biscoitos. Antes de dar as costas para Johnny, ele disse: — Até mais tarde, irmãozinho!
O sino pendurado na porta da loja de conveniência soou e sinalizou a entrada de mais um cliente, Rose a atendente sorriu e perguntou: “Bom dia, no que posso ajudar?” Ela demonstrou estar atenta. Logo percebeu que se tratava do Martin, seu velho conhecido.
— Eu vim ver ... — Martin olhou para os lados em busca de Steve. — O Steve, ele está por aqui?
Rose levou a mão à boca e soltou um alto assobio. Um cachorro vira-lata preto com as patas caramelo entrou em disparada na loja. Ao ver o cão, que correu em sua direção, Martin sorriu alegremente.
— Esse tempo todo que estive longe, eu senti tanta sua falta! — Martin pegou um dos biscoitos que trouxera e entregou para o cão. — Tinha para você também, mas acabei comendo.
Martin disse à garota, mas antes que ela falasse algo, ele deu as costas ao mesmo tempo que gritou: — Vovó! seu neto favorito está aqui! E não é o Johnny!
A figura de uma senhorinha de cabelos grisalhos, pele enrugada e uma postura aparentemente séria entrou no local. Com cuidado, ela colocou o óculos de grau, que até então estava pendurado no pescoço, para ver o rosto do Martin de forma nítida.
Seus passos foram lentos, mas determinados, e seu olhar revelou uma mistura de sabedoria e curiosidade. O ambiente pareceu silenciar levemente à medida que ela avançou.
— Seu pai falou que você vinha! — Ela foi até o caixa, pegou um papel e entregou para Martin. — Ele lhe mandou isso.
— Vamos ver! “Dois quilos de arroz ...”
Antes que Martin terminasse de ler, Rose disse: — Acho que a vovó entregou a folha errada. — A garota foi até o caixa e pegou o papel certo.
— É só uma missão de reconhecimento — disse Martin, ao ler as instruções — A propósito, você vai jantar conosco hoje, Rose!
— Isso foi uma pergunta? — disse Rose confusa, enquanto viu Martin sair.
☆☆☆
Martin olhou encantado pela janela do carro as estrelas e a lua cheia que brilharam no céu. Repentinamente, o celular que ele segurava tocou e retirou do transe que as estrelas o colocou. O som indicou que ele havia chegado ao destino.
— Pode parar por aqui, por favor — comunicou Martin, educadamente ao motorista.
Ao descer do carro, ele avistou uma densa floresta que pareceu não ter fim. Martin então soltou um longo suspiro apertou a cruz dourada em seu pescoço.
— Vamos lá! Livrar o mundo de mais uma dessas criaturas — disse a si.
Ele adentrou na floresta e avistou uma trilha morta de ratazanas e servos. O mau odor que exalou aumentou à medida que explorou a floresta. Martin sentiu uma presença monitorando cada paço que deu.
Seu coração acelerou, a pele arrepiou e as pupilas dilataram, o medo ou um sentimento de sobrevivência tomou conta do corpo do Martin, e ele puxou a arma do seu coldre, mantendo-se alerta.
Ao seguir o caminho pela floresta, Martin deparou-se com uma cabana suja e surrada. Ele olhou por uma das janelas quebradas e avistou velas acessas lá dentro. Martin deu um passo par trás e colidiu com alguém.
Ao virar-se, deparou-se com uma criatura roxa com chifres e garras negras que seguraram três ratos pela cauda. Os animais ainda vivos se debateram e emitiram sons. Talvez os ratos também estivessem com medo, talvez sentissem que seriam abatidos pelas garras da criatura, assim como Martin. Mas a algo que diferenciava Martin dos animais: sua consciência, que lhe deu instinto de defesa.
— Um humano! — O sorriso que revelou as longas presas amareladas logo se desfez ao ser ameaçado por uma arma.
— As suspeitas do papai estavam certas, há um vampiro nessa floresta! — Martin engatilhou a arma que segurou firmemente.
— Duque! Meu nome é Duque. E você é um Paladino? — Ele analisou Martin e tentou encontrar algo familiar. — Curioso, os Paladinos se vestem assim agora?
Duque ignorou a ameaça do Martin e entrou na cabana. Ele logo colocou os ratos em uma gaiola feita de gravetos, ao mesmo tempo que cantarolou: “Um lanchinho para mais tarde.”
Martin entrou na cabana, irritado por ser ignorado, mas logo esse sentimento deu lugar à curiosidade ao ver vários livros espalhados pela cabana, muitos religiosos, outros de ciência e geografia. No entanto, o que realmente chamou a atenção do Martin é um pequeno caderno com uma letra ilegível. As poucas palavras que se entenderam carregava o significado ao lado, como um dicionário.
— Há quanto tempo está aqui?
— Cem. Para ser exato, setenta e nove.
— Você sobreviveu esse tempo todo bebendo sangue de animais?
— Mas é claro que não, duzentos! — Duque acendeu uma vela que iluminou a escadaria da cabana.
— Você tem quantos anos?
— E você é o quê? Algum tipo de retardado que não entende números?
No andar de cima, havia vários livros junto com alguns mapas rabiscados. Duque procurou por algo no meio de todos aqueles livros, seguido por Martin.
— Por que está me seguindo? Não tem mais o que fazer? — Duque arremessou alguns livros longe, na tentativa de achar o que procurava.
— Cadê! Cadê!
— Eu tenho que te eliminar em nome da Ordem dos Paladinos.
— Não é a primeira vez que ouço isso, e sinto que não será a última. — Duque virou‐se para Martin e desistiu de sua procura. — Você não viu por aí o meu dicionário?
— Aquele caderno com uns garranchos?
— Garrancho! Aquela é minha caligrafia, anoto todas as palavras novas que aprendo. Quando eu voltar a ser um humano, tenho que estar atualizado.
Martin não deixou de rir do que Duque acabou de dizer, um riso sutil que logo desapareceu.
— Então é por isso que tem todos esses livros? Está tentando achar uma cura? Você não está doente, simplesmente não é mais humano. Uma vez que provou de sangue ou carne humana, não há como voltar.
— Acha que não sei disso? Por mais sede ou fome que eu sinta, tenho que me controlar, e um dia poderei voltar a ser um humano.
— É engraçado. — Martin escorou-se na parede, cruzou os braços e olhou para Duque com curiosidade. — Ainda se lembra como é? Ver a luz do sol, ver além da escuridão, sair dessa cabana e conhecer o mundo, ser ...
Martin foi interrompido por Duque.
— Ser livre? — Duque caminhou até um dos mapas e admirou os diversos lugares no papel. — Você é livre?
Martin ficou em silêncio, ele pensou no que iria responder. Certamente, responderia “sim”, mas a liberdade é um conceito complexo de mais. Até onde vai a liberdade? Você é livre para fazer o que quer ou seria a liberdade somente uma ilusão?
— Os humanos estão sempre presos a algo ou alguém; ter a consciência que existe liberdade é o que nos prende.
— O que você era na sua vida como humano? Pois fala como um filósofo — disse Martin, em um tom de deboche.
— Não me lembro da minha vida antes de me tornar isso. Nem mesmo do meu nome me lembro, somente me recordo de uma voz a me chamar de “Duque”.
A curiosidade na face do Martin era evidente. Era a primeira vez que ele conversava com um vampiro que não queria devorar os humanos. Nem mesmo Martin acreditava no que disse.
— Preso aqui, você não vai encontrar uma cura. Esta a fim de ver como o mundo mudou?
Os olhos laranjas do Duque transpareceram alegria e felicidade, assim como seu sorriso amarelado. No entanto, em questão de segundos sua alegria se esvaiu quando avistou uma luz forte vindo em direção a Martin. Sem hesitar, Duque reagiu, empurrou Martin para o lado e foi atingido pela explosão.
Martin ergueu-se do chão e gritou: — Duque! — ele rapidamente retirou os escombros de cima do Duque.
Ambos olharam para o rombo que havia sido causado na parede, e a escuridão da noite trouxe consigo um ser vestido de branco com uma máscara de lebre em seu rosto.
— Corre! — gritou Duque.
Martin correu até as escadas, mas parou ao ver que Duque não o seguia. Ao olhar para trás, avistou Duque caído no chão sem uma das pernas, ao mesmo tempo que rastejou para escapar de seu algoz.