Our Satellites Brasileira

Autor(a): Augusto Nunes


Volume 3

Capítulo 4: O Desenho de Shiroyama Hideo ④

Eu a segui até a escadaria, em que poderíamos falar a sós.

Tirei minha máscara pela ansiedade estar me sufocando. Meu coração batia tão forte que parecia um tambor!

Não conseguia vê-la nos olhos, e o mesmo parecia dela comigo.

— Por... por...

Ouvi algo sair de sua boca, à medida que tentou formar as palavras.

— Por... por que você me desenhou? Aquela era eu, não é?

Fiquei em silêncio durante um momento, e suspirei. Minhas mãos tremiam, mas reuni toda a coragem possível e disse:

— Naquele... naquele dia... depois do cinema, quando reagiu à Himegi... pude entender muito bem o que sentiu. Não sei nada sobre sua vida, mas não consigo explicar a razão pela qual consegui compreender o que te aconteceu.

— ...

— Desenhar expressões... qualquer um pode fazer isso. Entre traços e rabiscos, um sorriso acaba saindo em um desenho. Só que, compreender o sentido por trás de uma reação complexa é muito mais difícil. Enquanto que todos ali possam entender o que era um desenho feliz, algo mais reflexivo é profundo demais, não é?

Mudando de assunto, o que importava era que nem todos entenderiam o sentimento colocado naquele quadro. Não, você pode dizer que muitos irão supor algo sobre mim ou minhas vivências, mas ninguém saberá da verdade.

E ninguém precisa saber.

Mas, não era aquilo que Yonagi quis saber.

— E... a razão por ter sido você... não sei dizer qual.

— Não... sabe?

— Isso me passou pela cabeça desde a conversa que tivemos na biblioteca. Apenas fiquei com aquela imagem em minha mente e quando dei por mim, já estava com o desenho pronto.

É até um tanto irônico, mas a imagem surgiu na mente sem nenhuma dificuldade após acalmar meu coração. Na verdade, não foi um desenho criado especialmente para aquele momento. Toda vez que treino rostos femininos, o resultado sempre saía parecido como aquele.

Quer dizer que não saí da zona reflexiva? Não pude dizer isso com clareza. Só que diante das vivências atuais, minhas expressões artísticas ficaram parecidas com o rosto de Yonagi.

Porém, senti algo estranho dentro de mim. Mas ganhei o concurso e a aposta, já que venci Chinatsu.

— ...acho que isso deve ter parecido algum tipo de trapaça, não é?

Yonagi não me respondeu. Na verdade, manteve o rosto virado sem saber como reagiu... apesar de imaginar como se sentia...

— Eu... confesso que fiquei surpresa. Não... não imaginei que... alguém faria um desenho de mim... e falaria disso com tanto orgulho.

Após dizer aquelas palavras, finalmente entendi a situação ali. Meu rosto enrubesceu, mas não teve jeito.

— Foi... foi você que me disse para mostrar dedicação, não foi? — retruquei, engasgando nas próprias palavras.

Sério, quero morrer.

O que é isso? Nunca vi Yonagi daquele jeito. Era como se fosse outra pessoa do que costumava ser...

Não. Não foi isso. Definitivamente não foi isso.

Ela sempre foi daquele jeito. Mas nunca revelou aquele lado dela para ninguém. Aquele foi seu lado que conheci no meu primeiro dia de aula naquela escola.

Esse seu jeito me deixou completamente vulnerável, a ponto de comentar sobre a inspiração do desenho com tanto afinco que a deixou totalmente sem reação.

Mas, estar vulnerável daquele jeito por alguma razão não me fez sentir ruim.

Ela finalmente virou seu rosto, totalmente vermelho. Ficou embaraçada demais. Minha vontade era de sair correndo e não voltar, mas algo dentro de mim insistia ainda mais em permanecer ali.

— Bem, sim... eu te disse que era pra se dedicar. E você fez isso de uma forma que eu nunca esperaria...

— Sabe o que também não esperei? — divaguei. — ...que realmente fosse gostar do desenho.

— Ei, ei... espera. Por que falou uma coisa dessas sorrindo desse jeito?! — Yonagi titubeava. — Isso... não é nada engraçado, Shiroyama!

Não soube da razão, mas ri. Estou feliz, de uma maneira que não esperava. Yonagi tentou me impedir de continuar rindo, o que pareceu que estávamos fazendo alguma dança esquisita.

— Mas estou falando a verdade... eu gostei, sério mesmo.

Após repetir aquelas palavras, Yonagi parou de mover seus braços e seus olhos tremiam.

— Você não gostou? Não soube da sua opinião...

A garota de rosto vermelho me fixou perdida, até dizer:

— ...eu também gostei.

Ela recuou alguns passos, sem olhar pra mim.

— ...desde que vi seus desenhos, percebi o quanto é bom. Apenas... te provoco por você ser exibido e atrapalhado... sim, apenas isso!

— Ah, não esperava uma confissão dessas... — cocei a nuca, sem jeito. — Ei, agora sou atrapalhado? Me dá um tempo...

— Sempre foi... gagueja pelos cantos e se enrola pra falar com os outros. É um completo atrapalhado, entendeu? — Ela pigarreou e se recompôs. Seu rosto voltou ao normal. — De qualquer forma... Shiroyama, você realmente me surpreendeu. Apesar do seu jeito, fico contente que nos recuperamos...

Não, não. Quem ficou surpreso fui eu.

— Mas... se você fizer isso de novo, ao menos me avise antecipadamente...

— Gh! Desculpa! Na próxima vez, eu aviso!

Por sorte, a ocasião não a incomodou. O resultado foi incrível e ela pareceu estar satisfeita.

Pedi desculpas e ela sorriu. Por ora, estávamos bem.

— A propósito, como nos entendemos... — Ela pigarreou, em seguida socou meu braço de repente.

— O... o que foi isso? — titubeei, surpreso.

— ...quando você falou sobre seu interesse de trabalhar pra comprar um telescópio, quis te bater.

— Ah, isso... — grunhi, nervoso. — ...foi algo que andei cogitando de fazer em algum momento, mas como andei sem dinheiro, então...

Massageei onde ela socou... que força!

— Quer dizer que agora o fará, certo? — Yonagi pareceu curiosa, ainda corada. — Então, também usarei isso como crédito.

— Hein? Crédito?

— Considere isso como uma punição por ter faltado à noite de cinema, que mesmo fora da escola ainda foi uma atividade do clube... — A garota virou o rosto. — Todos vão poder usar esse telescópio, também... talvez. Não sei... se vão querer, mas...

— ...

Se ela queria tanto mexer num telescópio, não era apenas ter me dito desde o início? Não que tivesse comprado um, ainda...

Logo, ouvi passos se aproximando. Passos apressados. Coloquei minha máscara rapidamente e num instante surgiram Himegi, Kuroi e Teru.

— Você... Você desenha monstruosamente bem! — exclamou Teru. — Seu...! Você podia ter me dito que sabia desenhar quando fomos ajudar a montar a exposição!

— Achei que era um autorretrato de Yonagi! — exclamou Kuroi. — Ficou incrível!

— Seu desenho foi um dos mais lindos de todos os expostos! — expressou Himegi, emocionada.

Ah, verdade. Me lembro de algum momento ter pensado: “não mostrei meus desenhos para o clube de literatura. Mas acho que não ia valer a pena.”, algo assim.

Parece que cometi um grande erro, mesmo.

Ver aquelas expressões surpresas me gerou um sentimento de satisfação incrível, do qual não consegui expressar quanto.

Não tive palavras para descrever, simplesmente.

Himegi soltou um pigarro e se recompôs. Após isso, entoou:

— Parabéns, Shiro. Você... você conseguiu passar no desafio!

— PARABÉNS!!!

Todos os calouros exclamaram juntos.

Aquilo me surpreendeu profundamente.

Ao ser rodeado por eles, comentando todo tipo de coisa, Yonagi chamou minha atenção.

— Shiroyama... aí está algo que você não percebeu desde o início. Finalmente consegui compreender o que me falou antes.

— Hum? Algo que não percebi?

Olhei para ela sem entender o significado daquelas palavras.

— Uma vez, você me disse que entrou em um grupo por nada menos que coincidência e que não se sentiu bem por estar em um lugar onde não era desejado. Mas isso nunca foi verdade.

— Ei! Isso é sério?! — Himegi me deu um soco no ombro. — Como pôde pensar em uma coisa dessas e nem quis falar a respeito?!

Porque elas sempre insistiam em bater em meus ombros?

— Você não está errada em exigir uma resposta dele, Himegi. Mas... — Yonagi interpôs. — ...ele não compreendeu os próprios sentimentos, também.

— Não...?

— ... — A fitei, em silêncio.

— Não quero apenas obter resultados em nossa disputa. Quero ver do que você é capaz, do que pode realizar e do que pode nos mostrar. Por isso, vou representar o desejo de todos... nós o aceitamos como membro do clube de literatura, Shiroyama.

Yonagi estendeu sua mão para mim. E não soube como reagir. Não sabia o que dizer. Mas...

Aquilo foi algo que não precisava de uma resposta. Todos sabiam da verdadeira resposta.

Cometi um erro. Pensei que minha presença foi meramente um incômodo para todos e apenas desejei no fim que não me aceitassem. Mas eles nunca tiveram a intenção de me abandonarem, desde o começo.

Os surpreendi e fui surpreendido. Essa foi a moral da história.

A partir daí, não senti meu coração apertado por estar próximo deles. Minha mente não mais cogitou — era melhor você não estar perto —. Sim, assumo esse erro como algo que não pretendo mais cometer.

As circunstâncias que uniram esse grupo foram meramente aleatórias, não uma obra do destino. Afinal...

Coincidências não existem.

Em meio ao interrogatório dos calouros de saberem mais dos meus desenhos, Yonagi se aproximou de mim e cochichou em meu ouvido:

— Tirando a questão do telescópio... eu ainda espero que possamos conversar sobre o que você sentiu, pois imagino que sinta o mesmo, certo?

— !!

Minha mente paralisou naquele instante, porém, não posso me dar ao luxo de travar o que devo expressar. A razão para Yonagi ter se sentido daquela forma foi devido ao seu irmão mais velho.

Por isso, decidi dizer a ela:

— Eu tenho uma irmã. Uma irmã mais velha, que realmente me atormentou muito... — Minhas palavras a surpreenderam. — Acho que, de um jeito ou outro, somos muito parecidos.

Mesmo após saber sobre aquele fato até então desconhecido para ela, Yonagi sorriu:

— Então, teremos muito o que conversar ao que parece. Acho que será um aprendizado muito valioso para nós.

Meu rosto enrubesceu novamente, por isso apenas acenei com a cabeça, realçando um sorriso tímido.

— Aliás, tem algo que preciso fazer com todos aqui reunidos... — entoei na frente de todos os membros do clube de literatura.

Prometi para Himegi que quando aquelas pendências fossem resolvidas, cogitaria mostrar meu rosto a todos. E, portanto, foi o momento decisivo a mim mesmo de não ter mais dúvidas sobre todos os presentes.

Tirei as alças da máscara, que caiu sob minha mão.

— Este... é quem eu sou de verdade.

Nunca gostei da forma como as pessoas olham para meu rosto, mas a história muda de figura quando é com conhecidos... e depois de tantas voltas, compreendi o posicionamento de Yonagi.

Não acho que ficaremos sempre juntos após a escola terminar, mas durante aquele tempo, a convivência é mais do que certa.

Por razão disso, as consequências não serão perpétuas.

Todos ali fitaram meu rosto deformado surpresos.

— Shiro... — murmurou Himegi.

— Olha, por trás de todo aquele mistério... — comentou Kuroi.

— É um rosto... bem normal, até... — completou Teru.

Yonagi suspirou com aquela resposta. Pôde ser desdém, mas também notei um pouco de alívio.

— É... bem normal... — respondi, sem jeito.

— Porque você escondeu isso da gente durante todo esse tempo?! — retrucou Himegi, seu rosto ficou vermelho. — Não faz sentido nenhum!

Desta vez, fui eu que fiquei surpreso.

— Fique brava ou emocionada... apenas escolha um deles... — murmurei. — É que... veja bem, eu também sou tímido, sabe...

— Você é mesmo muito atrapalhado... — suspirou Yonagi.

Himegi me deu soquinhos nas costas, enquanto Yonagi debochava de mim e os dois calouros riam ao fundo... foi tudo tão normal como se tivesse contado uma piada sem graça e logo o assunto se deu como encerrado da maneira mais tranquila possível.

Andávamos pelos corredores, comentando sobre as provas, sobre os desenhos da exposição e dos resultados que virão no dia seguinte. Não precisávamos pensar muito para onde iríamos, pois era algo óbvio.

Estávamos indo ao lugar onde pessoas com desejos em comum se encontram. Em que seus interesses se reúnem em uma estante ou uma mesa.

O caminho da biblioteca retornou para mim.

***



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