Our Satellites Brasileira

Autor(a): Augusto Nunes


Volume 2

Epílogo: A Solidão de Shiroyama Hideo é Retomada.

Enquanto me dirigia ao ponto de ônibus, meu sentido de aranha notou alguém conhecido se aproximando de mim.

Ao me virei, me deparei com Yonagi. Ela ainda segurava os livros de Hisashi Masayoshi contra o peito.

— Achei que ia passar despercebido... — expressei, tirando a minha máscara ao vê-la.

Se tornou quase um hábito fazer aquilo quando estava apenas nós dois, mas não interagíamos tanto assim, o que fazia a ocasião ainda ser rara.

— Não de mim, ao que parece... — comentou Yonagi.

Sua expressão era a mesma, como esperado. Ou será que ela sempre foi fria assim comigo desde o início? Desde que me lembrava, isso nunca mudou.

Mesmo que tivesse me desculpado com Himegi, não tive a chance de falar com ela sobre não ter ido ver o filme. Parando pra pensar, será que ainda estaria com brava? Não cogitei que tinha se irritado com isso, pra começo de conversa.

Como sempre, não conseguia entender o que se passava em sua mente.

— Eu soube o que aconteceu com Kumiko... — disse Yonagi.

Provavelmente, nossa disputa se acirraria mais de agora em diante, visto que Kumiko não iria nos deixar em paz.

— Ah, sim... isso...

— Parece que você foi envolvido nesta nova confusão dela, de algum jeito... — indagou. — Imaginei que todas aquelas idas dela à biblioteca fossem completamente intencionais, mesmo...

— Ela tentou armar um jeito de me expulsar novamente, mas acabou falhando. Não sou tão simples de se livrar assim.

— Verdade... parando para pensar, tem razão.

Era raro ver Yonagi concordando comigo em alguma coisa. Parecia que divagava em algo, como se a conversa foi apenas um pretexto para tal.

— Devo presumir que os planos dela deram errado de novo e você apenas ficou na sua, querendo aparecer.

— Hum... aparecer? Não exatamente... — disse, confuso.

— Isso ao menos nunca mudou em você.

— Ei, não foi eu que foi falar com a professora apenas por achar que não levei a sério essa disputa... — retruquei a ela.

— Conversei com a professora Harashima por notar a sua falta de interesse. Ou você achou desde o início que isso era algo fácil de se fazer?

— Eu nunca achei nada desde o princípio. Essa ideia toda... foi algo que demorei pra digerir e por isso não consegui agir.

— Não aja como se fosse culpa dos acontecimentos. As pessoas devem ter o raciocínio rápido. Pensei que isso era algo óbvio para você já que diz querer tanto almejar o topo.

Eu cerrei meus dentes. Aquilo já estava indo longe demais.

— Desde sempre, tudo esteve ao seu favor. Não era isso o queria? Eu não quis interromper isso, sinto que fiquei curioso pra ver até onde isso iria.

— Curioso? Do quê, exatamente? Quais são os seus verdadeiros interesses? — questionou ela. — E as coisas só estão ao meu favor pela questão inteira estar unilateral ao meu lado! Se você não quer participar desta disputa, apenas diga logo pra me poupar trabalho!

Aquele era o momento de aliviar o sentimento dentro de mim sobre ela durante todo esse tempo? Minha mente ficou branca, mas de uma coisa sabia: eu estava pronto para isso.

— Yonagi, estar neste clube nunca foi meu desejo. Ficar com vocês foi apenas uma consequência. Não gosto de forçar ninguém a interagirem com quem não querem. É difícil admitir, mas não sou o tipo de pessoa que se adequa em qualquer grupo que se reúna e fale sobre qualquer tipo de coisa. Não sou a melhor opção de se manter próximo dos outros.

— É assim que você está enxergando as coisas? Ou é como você quer que as coisas sejam?

— O quê...?

— Tudo é mais justificado quando se for como imagina, isso é algo que todos...

— Eu não quero nada... não preciso me justificar de nada, por que nunca tive de me justificar pra ninguém... — intervi, amargurado.

— Você mesmo disse que queria ganhar status... suas ações não se relacionam com suas intenções.

Rangi os dentes e punhos.

— ...nunca tive interesse em permanecer dessa forma. Eu...

— É por isso que não consigo entender as suas intenções... — interveio ela. — Qual o seu interesse, afinal?

— Este nunca foi o ponto. O motivo de não querer participar das atividades, de querer sair mais cedo do horário, de procurar um trabalho pra distrair a cabeça... foi tudo para dissipar esse sentimento de repulsa...! — e ressaltei: — Este é seu grupo e não estou incluso nele.

Yonagi exasperou e coçou a testa, seu rosto exibia pura frustração.

— Quem imaginaria que você faria tal coisa...

— Não me venha com essa. Desde o começo, sempre pareceu agir como se nunca pudesse corresponder às suas expectativas.

— Nunca tive, pra começo de conversa. Você que tem esse péssimo hábito de agir apenas sobre si mesmo.

— Você fala isso, mas continua me encarando da mesma forma, achando que não tenho chances de superar seu páreo!

— Porque você continua a agir indiferentemente! Se alguém te leva a sério, você deve fazer o mesmo! Por que não consegue entender isso?!

— É você que não está entendendo... tenho meu ritmo, não preciso agir de acordo com seus padrões.

— O que entendi e está claro é que estou encarando um preguiçoso que mesmo sem fazer nada, insiste em me subestimar!

— Há! Então, a melhor opção pra mim seria te superestimar? Que tentador...

— Seu...!

— Não preciso disso... de nenhuma medida desesperada pra provar que posso ser melhor que outra pessoa, seja ela quem for.

— Como assim?

— Seja você a melhor de toda a escola e eu o mais ofuscado, não vou mudar! Não vou mudar quem sou pra ser considerado digno por alguém!

— Pare de achar que é interessante por apenas achar!

— Se sou ou não, pouco importa! Eu tenho meu jeito e tempo de agir, poder tomar esse caminho faz parte do meu objetivo desde o início!

— Você apenas envolveu todos nesse ideal mesquinho, de novo...

— Ou talvez vocês que nunca perceberam meus ideais, até então...

Nós dois exasperamos ao mesmo tempo, e então...

— Como você pode ser tão estúpido?!

— Como você pode ser tão autoritária?!

Nós agarramos o colarinho um do outro, revelando expressões de fúria. Havíamos chegado ao nosso limite.

— Você arrumou um trabalho de meio-período apenas para não ver o filme conosco! Sabe o quão triste Himegi ficou?

— Eu já me desculpei com ela. Não a envolva...! — adverti. — Eu não sou obrigado a querer participar das interações do seu grupo. Eu tinha a total liberdade de querer ir ou não por não ter dito minha opinião.

— Se isso não importa... então pra quê arranjar esse trabalho do nada? Não tem cabimento algum!

Desde muito tempo fiquei absorto em muitas ideias, querendo cumpri-las. Dificilmente agia sem motivos. Ela tinha razão nesse sentido, foi uma ação totalmente irracional.

— Eu sei muito bem disso. Nunca houve uma razão... por isso criei uma.

— Como...?

— Claro, uma coisa levou a outra... no tempo que fiquei observando Kumiko, surgiu outros assuntos no meio. Apenas os alinhei aos meus interesses.

— Assuntos? Interesses? Não consigo imaginar algo que chame sua atenção, vendo pela maneira como age...

— Não investiguei Kumiko sem ter motivo, Yonagi... — grunhi, amargurado. — Mas..., nesse meio encontrei algo interessante que poderia me distrair de tantas perturbações me assolando.

Sob ombros tensos, proferi aquelas palavras. Durante aquele instante, Yonagi suavizou suas feições diante de sua aparente surpresa e disse:

— E o que isso... seria?

Ao cogitar em dizer o que guardava, vacilei. Meu corpo estremeceu e senti uma profunda repulsa em todo meu âmago. Foi como esperava... não havia uma maneira de me expressar pensando em palavras certas, pois o sentido seria o mesmo.

— Gosto muito de escrever e desenhar, tentei me destacar nas duas coisas durante todo esse tempo e falhei. Tem noção de como me sinto? — disse, me amaldiçoando. — Nisso, percebi que era melhor parar de pensar nos outros e focar em mim mesmo...

O tropeço nas palavras era tão aparente que parecia até um exercício de trava-língua. No entanto, precisava conter minha natureza de desviar do olhar daqueles à minha frente... não era o momento de fitar o céu como sempre fazia à noite pra conter minha ansiedade, e sim de encarar meu próprio coração.

— ...portanto, vou seguir meus desejos. Se ninguém quer saber do que consigo fazer, então só preciso mostrar para quem queira... essa foi a razão de ter aceitado o trabalho. Talvez com o dinheiro compre um telescópio ou algo assim.

Yonagi me encarou, incrédula. Fitou os arredores, como se pudesse encontrar uma resposta. Nada veio.

— Não consigo acreditar nisso...

— Mas é a verdade. Por mais egoísta que seja...

— Decidiu se afastar dos outros por causa... disso? — grunhiu a garota. — É isso que chama de criar um motivo?!

— E o que tem isso? Todos simplesmente resolveram fazer o que quiseram. Tenho o direito de fazer o mesmo.

— Quem você pensa que é que pra usar isso como pretexto?! — exclamou ela. — Achar a melhor solução pra todos ou pra si... era o que cada um de nós deveria fazer desde o começo!

— A verdade é que apenas fizemos o que quisermos, na real... — intervi. — Essa disputa foi algo totalmente autoritário posto à nossa frente para sermos individuais em agirmos da maneira que julgamos correto.

— Pode até ser, mas não é algo imparcial a tal ponto!

— Yonagi, resolvi agir de maneira diferente da sua justamente por estarmos em posições diferentes... — indaguei.

— Posições diferentes?

— Sua base sempre se manteve sólida, mesmo durante a questão do clube de jornalismo você não se abalou... — suspirei. — E ver isso me fez perceber que não estou na mesma sintonia, mesmo que usasse as mesmas táticas não teria o mesmo resultado. Qual seria o intuito nessa disputa se fizermos a mesma coisa?

— De que a melhor execução seria usada! Era isso o que acreditava que seria feito! — esbravejou a garota. — Estamos querendo aprimorar nossas habilidades de comunicação, não as tornar um problema ainda maior!

— ...não vejo as coisas assim.

— O quê?

— Para mim, essa disputa é claramente uma briga interna contra nós mesmos. Posso ter chamado atenção da professora Harashima para competir com você, mas ainda há muitas coisas me assolando... — grunhi, frustrado. — Não queria ser submetido a isso em primeiro lugar, as coisas já estavam injustas contra mim.

— Pare de achar que é alguém especial! — Yonagi me encarava, furiosa. — Se acha que a situação é injusta, então...

— Sou quem sou pelas minhas habilidades, então não vou parar... — disse. — Assim como levei meu tempo pra me acostumar a rotina da escola, farei isso com seu desempenho. Mesmo tendo mais expectativas, você ainda é alguém que possui seus gostos como qualquer pessoa.

— Não me coloque no mesmo nível que você! Você faz tudo pelo seu ego, mas tudo foi conversa!

— Ego ou não, nunca foi mentira que não neguei a disputa. Eu irei te vencer neste jogo, custe o que custar.

— Não vou esperar pra que resolva suas questões, pois ninguém me esperou pra isso! — exclamou Yonagi, suas mãos tremiam. — Se for desse jeito, alguém assim não é páreo para mim!

— Uma coisa é certa, você é forte... — permaneci imóvel. — Mas não é invencível. Não serei o tipo de pessoa que queira que deseja apenas por querer.

— Você tem certeza disso?

— Eu lutarei à minha maneira, foi o que já decidi. Vou suportar toda sua raiva, como um ofuscado. Terei meus resultados fora do que queiram planejar até o fim.

— Você realmente acha que vencerá com esse tipo de pensamento?

— Vou, pois decidi me fortificar antes de abordar os outros. O que pode ser algo inútil pra você... não é para mim.

— Se... fortificar? O que está...

— Você já deve saber disso... eu e você temos maneiras diferentes de decidir as coisas.

— ...

— Se você decide subir tendo os outros por perto, eu farei isso sozinho. Esta é minha maneira de resolver as coisas. Se pra isso tiver que mirar em mim mesmo durante um tempo, pode ter certeza que exibirei melhor minhas habilidades.

— Você...!

— Eu decidi ir contra o peso do mundo inteiro. Você sabe do que estou falando, certo?

Aquela era uma das falas do protagonista do livro de Hisashi, da qual ele lutou para encontrar sua própria paz indo para o espaço, saindo do peso que o mundo inteiro tinha sobre seus ombros.

— Você... realmente prefere estar deste lado mesmo?

— É o lado que escolhi ficar. Apesar de tudo...

Me contive no que iria dizer. No rosto de Yonagi exibia tristeza e desentendimento, algo que pesou em meu peito. Havia algo entalado em minha garganta, querendo sair. Mas, contive aquele desejo. Não tive o momento certo antes para dizer aquelas palavras e após esse confronto, senti que não teria nenhuma chance de dizer até o final.

— Então, você está saindo? Diga com suas próprias palavras! — prosseguiu Yonagi, de cara fechada.

— Estou. Sem nenhuma influência por perto, lidarei com você do meu jeito.

Ela soltou meu colarinho. Yonagi virou-se para o local do evento e tornou a caminhar de volta.

— Shiroyama... eu entendo seu ponto de vista, mas é algo que não quero e não vou tolerar. Esteja preparado, vou tirá-lo desse pensamento distorcido e te dar uma bronca daquelas!

— Tente, então. Não se pode querer tirar a impressão do que a sociedade te moldou ao mundo, de qualquer jeito. Tudo o que sonhava e desejava, a sociedade destruiu. Estar sozinho foi tudo o que me restou... e é desta forma que lutarei, pois sempre machuco aqueles próximos a mim. Essa é a única decepção que carrego por ser assim.

Um silêncio abrasador nos envolveu, mesmo à distância. Não pude mais visualizar o rosto de Yonagi, por isso não sabia dizer se ela ainda estava irritada ou triste.

Quando você mesmo se coloca no nível mais baixo, os argumentos terminam. Não queria dialogar daquela forma com ela, por isso foi a maneira que encontrei de encerrar aquele assunto. Palavras não eram mais necessárias, nós éramos completos opostos.

Se continuasse naquele grupo, iria me comprometer com todos e em algum momento iria ferir alguém. Esse sentimento de não poder se adequar a um lugar me corroía por dentro e quis cortá-lo, encerrando o ciclo. Eles não precisavam mais ter de interagir comigo por ter de estar lá, não mais.

Não queria comprometer Yonagi com seus métodos, esse tempo todo a apoiava discretamente e — mesmo não querendo admitir — não intervi em suas abordagens. Essa foi a única maneira de provar que ela estava errada sobre mim.

Porém, fazer isso me deixou submetido a enturmar com aqueles que poderiam não me querer ali e tal possibilidade me entristeceu, fiquei desconfortável e amargurado.

Desta forma, a promessa de ver o filme em conjunto não passaria de uma simples interação entre pessoas conhecidas, sem nenhuma outra intenção por trás.

Uma habilidade que os solitários possuem que sempre achei louvável — poucos da sociedade usam —, é a de oferecer espaço. Nunca quis forçar interações sociais, por isso não as fazia. Se sentisse que estivesse deslocado onde me encontrava, me afastaria. Era isto que fiz naquele momento, ofereci espaço para Yonagi.

Não sabia se aquela discussão comprometeu sua animação de interagir com os outros, mas isto não era algo que precisava ver e saber.

— Amanhã te entregarei o formulário de transferência. Não precisa mais aparecer na sala do clube, então.

— Entendo. Era como as coisas deveriam ser, mesmo.

Yonagi ficou alguns instantes sem me dizer nada, até que por fim falou:

— ...por que continua a se afastar dos outros? Seu insensível.

E se dirigiu ao interior da construção, em que logo não pude mais vê-la. Não sabia em que sentido ela disse aquilo, mas não é como se pudesse compreender claramente.

Esta disputa ocorreria sem contato com o oponente e o espaço entre nós aumentaria, como foi quando nos conhecemos. Deste jeito, ninguém se importaria um com o outro e o resultado não criaria manchas profundas. Aquela disputa por si só já era cruel a esse ponto.

Desde sempre, meus pensamentos me fizeram escolher esta opção. Se as pessoas escolhessem proteger o mundo inteiro da dor iminente, então todas deveriam ser solitárias. Nada é mais desafiador do que enfrentar a si mesmo e enfrentar toda a sociedade.

Torne-se forte consigo mesmo e lidará com a solidão. Nós éramos o tipo de pessoa que resistia as piores situações por nossos corações serem resistentes.

Mas no fim, apenas teríamos que pensar em nós mesmos?

A influência não importava, se seu status fosse especial. Você poderia chegar em qualquer lugar se a sociedade te considerasse importante. Se Yonagi pensava que era quem liderava nesse quesito, eu a tiraria da sua posição.

Diante disso, contive as palavras que pensei em dado momento em dizê-las. Não soube dizer em qual ocasião pude enxergar com clareza, mas da mesma forma que me vi solitário como um satélite, eu a visualizei do mesmo jeito, por circunstâncias diferentes.

— Você também enxerga o enorme peso do mundo sobre nossos ombros, não é?

Aquelas palavras não ditas tinham um grande peso sobre mim mesmo. Achei que Yonagi pudesse me entender, mais do que qualquer um daquela biblioteca.

“Você sempre irá se afastar dos outros, os machucando. No fim das contas, apenas pensará em si mesmo quando for tomar decisões. É isso que o torna nesse ser desprezível”.

As palavras ditas por aquela pessoa ressoaram em minha mente. Era tão agonizante que incrustei minhas unhas contra a nuca, em prol de tentar esquecer aquele pensamento.

— Não... não posso voltar atrás com o que disse. Daqui pra frente, não posso mais me arrepender, mas...

Desde sempre, a sensação de estar solitário esteve comigo. E eu carregaria esta vontade até o momento decisivo.

— ...só porque tomei essa decisão, não quer dizer que não me cause dor.

Voltei em direção ao ponto de ônibus, ciente das palavras que disse.

O meu eu solitário andou pelo pôr do sol, deixando tudo o que aconteceu para trás.



Comentários