Volume 1
Capítulo 3: A Gentileza de Himegi Kyouko ③
Naquela tarde decidi ir para a biblioteca. Vendo a situação pelo dia anterior, Yonagi trabalhou duro para achar as referências certas e sem ajuda nenhuma. O prazo era curto, então imaginei que seu rendimento escolar despencaria, mas logo desconsiderei tal coisa. Afinal, era de uma garota talentosa de quem me refiro. Parte de mim não quis ir até lá para não a atrapalhar, mas quero saber a opinião dela sobre aquela situação e sobre Kumiko Horie.
Eu também posso pedir os detalhes para a professora Harashima, mas senti que aquilo só iria complicar as coisas. Se tem uma coisa que aprendi nos meus anos de treinamento solitário era que um assunto entre alunos deve ser resolvido entre alunos. Isso que era uma atitude madura para os tornarem adultos... se você envolver adultos em um assunto entre jovens as coisas fogem de controle já que as opiniões dos mais novos são desvalorizadas pelos mais velhos.
Assim que cheguei na porta da biblioteca, no entanto, ouvi vozes conhecidas além das de Yonagi. Engoli em seco, era a voz de Senjou Hana e Kumiko Horie!
Encostei o rosto da porta para ouvir o que conversavam. De todo jeito queria saber mais da relação entre Kumiko e Yonagi, seja direta ou indiretamente. Mais cedo ou mais tarde tal discussão tinha que acontecer!
— Não acham que deveríamos parar logo com isso? — era a voz da Senjou Hana. Parecia estar aflita.
— Você deve saber muito bem que essa daí não dá o braço a torcer, né? — retrucou Kumiko, deveria estar falando de Yonagi.
— Não diga asneiras sobre alguém que está presente na conversa... — proferiu Yonagi, curta e grossa. Pela voz calma, notei sua falta de interesse na conversa pelo tom de cansaço. — Se não tem nada a dizer vou pedir para que se retire. Estou muito ocupada para ficar perdendo tempo com qualquer tipo de discussão inútil.
— Hein?! Perdendo tempo?! — exclamou Kumiko, irritada. Ouvi uma batida na mesa em seguida.
— Ei, acalme-se Horie! — expressou Senjou.
— Você sempre foi assim! Uma ignorante e egoísta!
— Sim e você não mudou nada também. Devo dizer que dessa vez você está sendo um incômodo muito irritante, sabe.
Suei frio. Yonagi realmente sabe ser assustadora! Fiquei aliviado por não ser seu inimigo já que provavelmente me afundaria em um abismo sem fim com suas palavras.
Kumiko Horie soltou uma risada desdenhada.
— Você deveria admitir sua derrota! Não tem como você satisfazer o desejo de todos da escola por conta própria! Nós estamos em maior número e nosso planejamento está quase pronto! Seu prazo está se esgotando, querida. Não tem como você fazer tudo sozinha!
Após as palavras cuspidas de Kumiko, finalmente entendi a situação. Pelo rumo daquela conversa ela queria tirar o posto de imponência de Yonagi da escola usando os próprios alunos ao seu favor.
— Você não está vendo o quão falho é esse plano... — entoou Yonagi, calma. — É impossível você conseguir o apoio de todos os alunos e, mesmo que consiga a maioria os ideais de todo mundo são divergentes. Entrar em um consenso é puramente um milagre.
Ouvir aquelas palavras me fez sentir extremamente aliviado por ter sido colocado no clube de literatura em vez do de jornalismo. Fiquei imaginando como seria o contrário... em qual lado eu ficaria?
Afinal, aquele lado dela realmente era irritante.
— Ora, mas tem muitas maneiras de fazer isso acontecer... — continuou Kumiko, com voz arrogante. — Eu vou tirar esse rosto confiante de você com louvor.
— Você realmente vai deixar isso acontecer, Senjou? — indagou Yonagi à presidente do outro clube que havia permanecido quieta até o momento.
— Eu... eu...
— Diga o que quiser, mas há muitas pessoas aqui que precisam ter os melhores resultados para alcançar seus objetivos! — interveio Kumiko. — Diferente de você, aqui há pessoas que precisam se esforçar o dobro ou o triplo para conseguir se manter, não nos subestime!
Senti uma profunda frustração que me fez levantar e querer sair logo dali. Gostando ou não já havia conseguido a informação que queria.
— O que tem a dizer sobre o Shiroyama Hideo, o garoto que competiu com você nas redações?
Aquela nova abordagem de Kumiko me fez parar de andar e até mesmo de respirar. Meu corpo congelou.
O que iriam falar de mim? Ei, há algo que deveriam falar de mim? Espere, espere. Não, não há o que dizer, certo? Eu não estou tão envolvido tanto assim, então não tem como haver críticas. Fui abandonado de um lado e recusei o outro, então por que Kumiko Horie perguntou de mim para Yonagi?!
— O que tem ele? — perguntou Yonagi com voz imutável.
— Ele, hum... — começou Senjou, mas Kumiko interveio novamente: — Aquele garoto estranho sabe escrever bem, apesar de apresentar um ponto de vista distorcido e parecer um doente estando sempre de máscara. Espero que ele não tenha contraído uma doença séria por ter ficado tanto tempo ao seu lado. Não ficou triste por ter visto seu único aliado desta situação te abandonar?
Ei, sua...! Não me use para provocar a Yonagi! Quase entrei ali para dizer algumas coisas àquela maldita, mas sabia que me arrependeria pelo resto da vida se o fizesse. Porém, não precisei fazer nada do tipo, quer dizer, não agi.
— Ele nunca foi meu aliado... — expressou Yonagi com voz calma e serena. — A professora Harashima que o colocou aqui. Ele não é o tipo de pessoa que entraria num conflito sem sentido como esse por outra pessoa que nem conhece. E não insulte uma pessoa que nem está presente. A única aqui que parece doente é você.
Aquela voz melancólica e calma me atingiu. Será que a ideia de ser um aliado dela passou em sua mente alguma vez? Aliás, aquela última resposta dela me arrancou um sorriso em meu rosto sem querer.
Já que de fato Kumiko parecia uma pessoa doente...
Porém, isso me lembrou a possibilidade que fez aquela garota perguntar a respeito: eu recusei seu convite de participar do clube de jornalismo. Aquela atitude poderia muito bem significar que estava do lado de Yonagi.
— Finja o quanto quiser que de todo jeito você perdeu a única pessoa que talvez poderia te ajudar a vencer. Bom, na verdade como aquele garoto foi escolhido e não você, foi usado contra o seu favor. Você permaneceu sozinha desde o começo! — debochou Kumiko, se recuperando da resposta de Yonagi.
— Vou te dizer apenas mais uma vez... — disse Yonagi, assumindo um tom de voz mais frio. — ...não importa que meios use não irá me vencer, não me atingirá, não vai me magoar e nem mesmo me fará importar. Sem provas, não posso agir contra você, mas... alguém que usa métodos baixos como os que fez não tem como ganhar de alguém como eu.
Soltei um sorriso desdenhoso e tornei a andar pelos corredores. A posição imponente de Yonagi era a sua maior arma. Se você intimida o agressor que está te perturbando quer dizer que possui uma medida para combatê-lo ou que possui confiança para permanecer firme.
Bom, como sempre fui contrariado por aquela sociedade tinha o mesmo pensamento, por isso que a entendi muito bem. Naquele sentido, não éramos tão diferentes assim. No entanto, isso me motivou a prosseguir com o que iria fazer em breve.
Em uma comédia romântica, você apoiar uma garota em suas decisões e a encorajar a encarar seus problemas poderia te fazer se aproximar dela consideravelmente. No entanto, havia me motivado a fazer isso por uma pessoa inspirado por outra.
— Acho que realmente não posso escolher um lado, afinal...
Sim, era desse jeito que resolvo as coisas. Sem escolher um lado posso agir entre os dois e sair isento de ambos, afinal, tenho uma carta na manga que me permitirá anular qualquer efeito emocional de algo ou alguém. Este é o verdadeiro poder do coração das cartas!
Eu não me importo com as pessoas, mas suas emoções mais sinceras são itens importantes que nos fazem tomar decisões e ações não por si mesmas, mas por um bem maior. Isso era o que Himegi se referiu ao me pedir aquele favor com os olhos lacrimejando. Aquilo não foi um ato de gentileza, mas puro egoísmo.
Não que odiasse tal intuito.
Qual era o problema de querer que todos se deem bem? Claro que tinha muitos problemas, mas neste caso o que precisavam não era de uma solução. O que queriam ali não era uma resposta que resolvesse o desentendimento entre aquelas duas pessoas. Yonagi Kaede e Kumiko Horie nunca serão amigas e isso ficou claro como água.
Mesmo assim, Himeki Kyouko me pediu para encontrar um meio de não fazer ninguém se ferir. Uma sociedade pacífica não é um estado social em que as pessoas não se ataquem, era apenas uma utopia ridícula de algum ignorante.
Uma sociedade pacífica era um meio neutro de não colocar ideais diferentes na frente de outros tipos de ideais. A coexistência era algo possível apesar de limitada.
Um limite terá que ser imposto ali e isto não poderá ser feito por nenhum dos dois lados. Se for parar para pensar as pessoas se divergem em muitas coisas e um desses casos principais era a definição de leis que devem valer para todos.
Novamente falando... se isto fosse uma comédia romântica estaria jurando lealdade para Yonagi neste exato momento e talvez ficássemos mais próximos.
Será mesmo possível que estivesse tão à mercê da órbita que rodeava aquela garota? Bom, querer agir imparcialmente poderia representar isso indiretamente, mas não me importava.
De todo jeito, apesar de todo esse egoísmo em querer forçar uma coexistência Himegi Kyouko foi muito gentil.