Volume 1
Capítulo 1: A Análise de Yonagi Kaede ③
Por mais que tenhamos aprendido muitas lições de vida há muitas coisas que aprendemos por maneiras que não queremos. E acredite, elas são as que menos queremos lembrar, mas que nunca esquecemos.
Lembro que algo assim me aconteceu no penúltimo ano do ensino fundamental em que tive que participar da organização do Festival Cultural com os meus colegas de classe e, em algum momento uma das minhas colegas disse em voz alta: — Por que o Shiroyama veio também?
Mesmo não tendo respondido àquela pergunta retórica, não reagi a nada do que foi dito. Apenas continuei seguindo o fluxo sem perceber que estava causando desconforto aqueles ao meu redor.
Acordei no dia seguinte com aquela memória em minha mente, o que me fez ter calafrios. Aquilo era algo que não queria lembrar com tanta facilidade.
— Que irritante... sinto que já perdi o meu dia...
Resmunguei me preparando para tomar banho. Após isso desci e preparei algo para comer. Meus pais saíam para trabalhar cedo, então nunca os via o dia inteiro.
Tomei meu café da manhã e segui para a estação de metrô. Ainda estava com aqueles pensamentos em minha mente, por isso resolvi colocar os fones de ouvido e pus uma música agitada para me fazer esquecer daquilo temporariamente naquela manhã.
Tive de conter minha frustração naquele momento já que sabia a razão por lembranças como aquela estarem tão vívidas em minha mente: — quando se é submetido à doença chamada “ingenuidade”, pode contrair sintomas como remorso pessoal, apelidos estranhos e complexo de inferioridade.
Mais do que tudo era ter certeza de que aquele caso não deveria ocorrer de maneira alguma. Sabia que teria que analisar em como lidar com as atitudes daquela Yonagi. Só de pensar no trabalho que seria prestar atenção nela me fez suspirar de cansaço, isso por ainda não ter conseguido dormir direito novamente e não tinha sido por causa de querer observar o céu noturno.
— Sinto que vou ficar mais cansado agora do que quando ficava preso naqueles deveres...
Além disso, ainda havia a questão da supervisora. Devia ser pelo fato de ser uma escola de elite que todos os profissionais quererem que os alunos dessem o seu máximo em um nível superior que os das escolas normais?
Ao chegar na escola me sentei no meu lugar, mas o grupo do Takahashi me chamou com um gesto de mão. Ei, o que é isso? Eu não sou um cachorro, sabia? E vocês não sabiam meu nome? Que tipo de saudação descompromissada é essa?
— Hum... o que foi?
— Parece que o Miyamura realmente achou sua redação incrível. Parabéns — comentou Takahashi. — Você está bem? Você tem vindo de máscara todo dia...
Assim como a professora Harashima tinha alertado antes as pessoas iriam achar estranho o fato de estar indo para a escola de máscara todo dia a partir de algum momento.
Mas tinha uma saída para aquele problema.
— Estou tendo que estudar bastante desde que entrei aqui e por isso não estou com uma aparência muito boa, mas não estou doente. Apenas uso a máscara por conveniência.
Não deixaria qualquer um ver o meu rosto, custe o que custasse.
— Se é assim não tem problema — disse Nana, a garota de cabelos cinzentos. — Não sabia que podia escrever tão bem, estou surpresa. Parece que o título de “zumbi escritor” coube bem a você.
Eu soltei uma risada abafada para aliviar o meu estresse.
— Não que eu tenha decidido esse apelido, sabe.
Não fiquem dando títulos para os outros! Quem é que gostaria de ser chamado de “zumbi escritor”? Parece alguém que está sendo muito maltratado por um editor! Eu pareço ser explorado tanto assim?
Deixando de lado aquela frustração do nome fiquei surpreso por terem me chamado por algo como aquilo. Takahashi parece que notou a minha expressão de dúvida já que me olhou pensativo: — Geralmente, não há tantas pessoas que se empolguem a fazer esses tipos de redações. Eu pessoalmente tiro sarro de tudo isso, mas é raro encontrar alguém que se equipare a mim. Estou impressionado.
O que há com esse ego inflado dele? E eu que me achava orgulhoso...
— Oh, vou me lembrar disso... — respondi com um sorriso irritado. — Talvez tenha me destacado demais com o que eu acabei escrevendo até com as pessoas mais inesperadas...
— Eu não me preocuparia com isso se fosse você – expressou Takahashi. — Esse tipo de situação é o que faz as pessoas te conhecerem melhor do que com apenas palavras de cumprimento. Somos considerados como a elite por causa desta escola, mas o que realmente nos torna especiais são as ações que realizamos, não é?
Por mais que aquelas palavras fossem superficiais não senti nada por trás. Não havia nem mesmo mais traços das reações deles sobre em ser um aluno transferido, então já poderia ser considerado como uma “pessoa normal” aos seus padrões.
Só que Takahashi havia visto através de mim a respeito das minhas intenções de querer ser popular com minhas habilidades e não apenas querer tirar notas boas... aquele “elite” era assustador.
Senti que deveria sair dali para não ter de estender nenhuma conversa arrastada, então inventei de procurar algo para beber. Minha garganta havia ficado seca pelo diálogo repentino e resolvi comprar uma bebida gelada, que me deixou com a garganta doendo pelo resto do dia. Que dureza.
Quando as aulas terminaram, a professora Harashima me esperou no corredor e me entregou um amontoado de folhas: — Entregue isso para a Yonagi. Considere isso como sua primeira atividade do clube, Shiroyama.
— Ah, certo — peguei aquela papelada e vi que eram todas folhas de redações. — Vamos praticar escrita, então?
— Ah, não. Não é bem isso — A professora deu uns tapas no meu ombro e se afastou. — Deixo os detalhes com ela. E tira essa máscara!
Ei, você não está deixando tudo com ela? Isso lá é jeito de dar uma resposta para um aluno?
E não vou tirar minha máscara!
Não estava em meus planos manter o uso diário de máscara naqueles próximos dois anos, ainda mais sobre o que tinha ocorrido no dia anterior e ainda ecoava em minha mente.
Tinha uma ideia de como iria contornar a realidade da qual havia criado no instante em que passei a frequentar aquele lugar e tudo dependeria de como lidaria com as questões escolares, mas este é um assunto para outro momento. Tinha que entregar aquela papelada para Yonagi.
Ao pensar nela novamente, respirei fundo. Apesar da noite mal dormida não tive de precisar fazer dever de casa. Claro que meu rosto morto ainda era o mesmo, mas isso não me faria baixar a guarda pela falta de sono.
Me dirigi para a biblioteca já que agora era o meu lugar resignado por ser membro do clube de literatura. Como o ambiente era um lugar aberto para que qualquer um pudesse entrar ali, considerava que as chances seriam iguais, apesar de não ter visto ninguém no dia anterior lá. Quer dizer, quantas pessoas que não tinham clube ficavam na escola nos horários dos clubes para ir à biblioteca? Não fazia o menor sentido.
Quando deixei de ter aqueles devaneios inúteis já me encontrava frente a porta da biblioteca. Respirei profundamente após recitar um mantra e a abri ficando inerte perante aquela atmosfera silenciosa. Yonagi Kaede estava do mesmo jeito que o dia anterior perto da janela aberta e concentrada em seu livro.
Eu me prendi em sua imagem estática da mesma forma de ontem, até ela tirar a atenção do livro marcando a página e me dirigir um cumprimento simples.
— Bem...oi. A professora Harashima me pediu para entregar isso a você e disse que isso seria uma atividade do clube ou algo assim — proferi ao deixar a papelada em cima da mesa. — Se bem que, hum, ainda não entendi direito o que ela quer que nós façamos.
Yonagi olhou para mim, confusa.
— Você está mesmo empenhado em ficar de máscara, né? Desse jeito as pessoas vão ficar pensando que você vive doente... espere. Você está mesmo doente?
— Não estou doente... — retruquei ao ver que ela estava afastando sua cadeira da mesa. — Você já sabe da razão. Enfim, aqui estão os papéis.
Yonagi soltou um suspiro de frustração e se levantou, separando a papelada em dois montes deixando um deles comigo.
— Ela quer que nós façamos um artigo para o jornal da escola. O tema é este que está na margem da folha. Teremos que entregar artigos neste ritmo todo dia.
Aquela explicação dela foi muito clara e mesmo assim havia algo que não tinha entendido ali.
— Hum, por que temos que escrever para o jornal da escola? Isso não faz o menor sentido para mim.
— Bom, isso é simples — começou Yonagi, indiferente. — O jornal da escola está com problemas ligados a falta de reconhecimento. Como a professora Harashima foi envolvida nele de certa forma precisa gerar resultados. E para isso este clube, no caso de nós dois, teremos que ajudar a reerguer o status informativo da escola com o que sabemos colocando em palavras para este jornal.
— Hein, isto me parece complicado demais! — indaguei, inconformado. — Isso não é apenas uma atividade de clube, estão nos colocando peso extra, não é?
Após dizer aquelas palavras, notei que havia sido evasivo demais. Porém, continuei a falar: — ...e quanto ao clube de jornalismo? Há um clube de jornalismo aqui se há o jornal da escola, certo?!
O ato de ter que manejar a produção de um jornal sem custos e contra a vontade poderia ser considerado como exploração estudantil?
Yonagi segurou o próprio braço e desviou o olhar, contendo sua própria frustração: — Sim, há um clube de jornalismo. E isso está sendo um trabalho conjunto entre os dois clubes. Infelizmente já foi decidido que será desta forma e apesar de poder cuidar disso sozinha como você apareceu e os professores gostaram do que escreveu...
Ah, então é isso. Em vez de darem lugar para um único bode expiatório resolveram acrescentar mais um desinformado para aliviar o peso dos dois lados. Que situação desagradável...
Pude notar que Yonagi estava sentindo a mesma coisa pela sua expressão, mas insisti em querer saber mais a respeito: — E... há outros membros do clube? O que eles estão fazendo? Um clube de literatura deve ter mais do que apenas a gente, certo?
Yonagi fez uma expressão de dor pior que antes.
— Sim, havia mais pessoas..., mas eles saíram do clube. Alguns se uniram ao clube de jornalismo justamente por não terem habilidade o bastante para planejarem estes artigos. Sinceramente, não os culpo. Eu prefiro ficar sozinha se for para trabalhar em conjunto com pessoas que não encontram o seu lugar. É isso o que significa ser uma pessoa de elite.
Novamente aquele papo de “pessoa de elite” ...
Naquele momento tive um puro desconforto de estar presente ali. Sinto que estava deslocado de onde deveria estar como, por exemplo, indo para casa. Sem saber fui envolvido em uma discussão que não fazia ideia que existia e não sabia se teria vontade de querer me envolver.
Não era exatamente da minha conta toda aquela situação entre aqueles clubes para ser reconhecido pela elite ou algo assim. O que Yonagi dizia a respeito dos ex-membros poderia ser até verdade, mas não os conhecia para ter um balanceamento dos fatos.
Minha única certeza ali era que Yonagi Kaede estava na mesma posição que eu e estranhamente me sentia atraído em querer entendê-la.
— Há! Isso não é nada! — falei, ávido. — Quer dizer que os responsáveis não estão e nem estarão presentes em nossas decisões aqui.
— Bom, mais ou menos...
— Eu sou bem teimoso com o que acabo me metendo, sabe? — Continuei: — E podemos usar isso a nosso favor.
— Como assim? — questionou Yonagi.
Antes que pudesse responder, a porta da biblioteca se abriu e a professora Harashima apareceu esboçando um rosto carinhoso e forçado.
— Meus amados estudantes! Vejo que estão se dando bem, não é? Já estão discutindo como fazer as redações?
— Você não disse nada sobre esse problema entre clubes antes de me botar nele! — retruquei contra ela. — Não acha que tem alguma responsabilidade por me envolver nisso, não?
— Neste momento eu o estava testando para ver se ia correr com o rabo entre as pernas após ver a situação em que estamos a mando dela... — proferiu Yonagi com o mesmo olhar indiferente de sempre.
Fiz uma cara de espanto... céus, como ela soube daquilo se foi uma mera possibilidade passageira? Ela sabe ler mentes? Isso foi muito assustador...
— Oras! É claro que não ia fazer isso! Eu tenho meu orgulho, entende?
— Seus olhos de zumbi dizem outra coisa, Shiroyama — expressou a professora desapontada.
— Você é a última pessoa de quem quero ver essa cara de reprovação!
— Já estava quase desistindo ao meu ver — ressaltou a garota, me encarando com aqueles olhos gélidos. — Você aparenta ser um livro totalmente aberto para mim mesmo escondendo seu rosto com essa máscara.
Com aquele comentário havia me equivocado sobre a personalidade de Yonagi Kaede. Ela não era apenas uma garota bonita, era um monstro que via através das pessoas! O que restava apenas era ela tirar um Psyduck da Pokébola ou se revelar como o próprio Mysterio!
Todavia, não quis mudar a minha decisão.
— Mesmo sabendo desses problemas não posso ficar simplesmente calado quanto a isso.
— Sabia que diria isso, Shiroyama. Era justamente o que estava esperando — expressando a professora estufando o peito. — Você me parece o tipo de pessoa que diria algo assim.
— Será? Acho que ele está apenas fazendo pose — provocou Yonagi, me encarando com um sorriso desafiador.
— Quem sabe? Não sou a melhor pessoa para responder a isso porque sou péssimo em me comunicar, pelo visto. Mas, isto é algo que será decidido pelas palavras que iremos escrever nesses artigos.
Acho que soou mais egoísta do que queria, mas enquanto suava frio por ser observado com aqueles olhos frios de Yonagi e preocupado com a seriedade daquele problema, resolvi falar aquelas palavras para motivar a mim mesmo.
— Que orgulho barato. Vamos ver do que é capaz, se aguentar — expressou a garota.
Enquanto o pôr-do-sol aparecia pela janela e pintava a biblioteca de filtro laranja me despedi das duas após enfiar várias daquelas folhas de redação na mochila. Após sair da escola me lembrei daquele sentimento de manhã. Algo que achava pior do que ser tratado como um lixo era, sem dúvidas, ser subestimado.
E algo pior do que se sentir assim é ver uma pessoa com um pensamento similar se sentindo desta maneira. Isto me fazia ter dor de cabeça só de pensar.
Enquanto parava para pensar naquilo havia notado que tinha aceitado aquele desafio com muita facilidade, onde estava com a cabeça?
Dentro de mim desejei em participar disso apenas para tirar essa repulsa que estava sentindo naquele momento, tentando pensar nisso tudo como apenas um benefício próprio. Poderia daquela forma me aproximar da intenção que desejava?