Volume 1

Capítulo 6: A Verdadeira Protagonista

Eu queria dar um soco no Leon do passado.

Me achei demais quando falei que poderia ajudar a Oliva nos estudos, deveria ter checado o quanto a menina sabia antes. Mas não tem como colocar toda a culpa em cima de mim — foi ela que disse que estava tendo dificuldades em entender a matéria!

O resultado foi...

— Não consigo entender essa parte. Sei que mudando a ordem do encantamento é possível alterar a magia para...

Não havia mais ninguém na biblioteca. Eu estava lá, estudando sozinho com uma garota, pensei que aquela seria uma experiência agradável na vida de um adolescente. Porém, eu não sabia o que fazer, suor frio não parava de escorrer pelas minhas costas.

O motivo? A Olivia era esperta demais.

— Então... Sim. Isso significa que... — Usei o conhecimento da minha vida passada misturada com o que estudei naquele mundo e, de alguma forma, consegui explicar de forma vaga.

Milagrosamente, a minha resposta pareceu impressionar a Olivia. — Sim! Acho que é assim mesmo. Pelo visto os livros não estão sempre certos. Pensei que havia algo errado porque essas teorias não batiam com o que eu sentia quando usava magia. Muito obrigado pela ajuda, Leon.

Deu ruim... a menina começou a marcar erros que encontrava no livro.

— B-bem, não ‘tá tudo errado. Acho que ainda é importante saber o que esses textos têm a dizer.

— Concordo. Parece que um quinto das informações desse livro estão erradas, mas o resto ainda é muito util.

 

 

Era fácil de ver que aquele livro já foi muito usado. Será que ela já havia lido tudo? A matéria do ano inteiro? As aulas tinham começado a apenas três meses! E o material da academia era difícil, a maioria dos nobres não entendiam nada sem a ajuda de um professor.

Tentei manter meus estudos em dia para ir bem nas provas, no entanto não dava para dizer que eu sabia tudo. Minhas notas nas aulas de magia eram sempre medianas.

Fique o tempo todo rezando para que tempo passasse logo enquanto estudávamos. E quando vi uma oportunidade, falei: — B-bem, acho melhor pararmos por hoje, já ‘tá ficando tarde.

— Nossa, é mesmo. Passou tão rápido que nem percebi — disse Olivia, com um grande sorriso no rosto.

Rápido? Para mim, foi como se o relógio tivesse parado...

Hm... Você poderia me ajudar de novo semana que vem?

Quando vi aqueles olhos de cachorrinho tive vontade de responder na mesma hora. “Sim, mas é claro!” Porém, eu não queria passar por tudo aquilo de novo.

Enquanto meu cérebro trabalhava ao máximo para inventar uma desculpa, acabei lembrando do meu objetivo na academia: conseguir me casar! Aquele lugar servia para nobres encontrarem parceiros...! Aquele mundo era tão distorcido que eu podia dizer, de forma honesta, que o foco da escola não era aprender.

— Desculpa, mas semana que vem eu tenho que preparar algumas coisas para a próxima cerimônia do chá.

Ah, não, é... Fui eu quem pediu um favor! — disse Olivia, com o rosto vermelho. — Não precisa se desculpar. Perguntei sem pensar muito. É claro que você vai estar ocupado.

Sim. Eu estava muito ocupado.

Ver ela pegando seus materias com aquele rosto triste me fez sentir um pouco de culpa. Mesmo assim, não podia esquecer da minha missão. Encontrar uma esposa gentil que aceitasse ter uma relação de negócios comigo. Mais tinha um problema, eu estava na base da pirâmide e aqueles no topo também queriam as garotas com boa personalidade. E claro, essas meninas tinham que pensar em seus próprios futuros, e no das suas casas, então era óbvio que iriam atrás daqueles com ranques maiores. 

Ah, aquele mundo era mesmo cruel. Espera um pouco. Não era quase a mesma coisa no Japão?

— Mesmo assim, obrigado por ter me ajudado hoje. — Quando a Olivia sorriu para mim, todo o seu rosto pareceu brilhar. A luz era muito forte para um merda que teve que mentir para fugir de uma sessão de estudo.

Se considerasse a vida que tive no Japão, eu era muito mais velho do que ela. No entanto, aqui estava a minha pessoa, mentindo para poder preservar o pouco de orgulho que ainda lhe restava... Tenho vergonha de mim mesmo.

***

Eu, O Daniel e o Raymond estávamos conversando no meu quarto, preparei algumas bebidas e salgadinhos para passar o tempo. A maioria era fritura bem gordurosa, o completo oposto dos petiscos que preparávamos para uma cerimônia no chá. Parando para pensar, aquele mundo era bem mais avançado do que parecia, tinha até refrigerante. Os uniformes da academia também eram bem modernos. Deve ser causa do cenário mal feito, não é?

— Vocês sabiam? — perguntou Daniel, enfiando batatas na boca. — Dois calouros riquinhos já conseguiram suas noivas. E foi logo com duas garotas que eram legais até com a gente, Milly e Jessica... Queria tanto trocar de lugar com um dos sortudos.

O Daniel ficou depressivo ao dizer isso. Raymond tentou ao máximo se manter calmo, porém, dava para ver que ele ficou abalado ao ouvir aquilo. Parecia que lagrimas poderiam começariam a sair de seus olhos a qualquer momento. Não tinha o que fazer, Raymond tinha se apaixonando pela Milly.

— É natural que elas se casem com caras com o ranque maior que o nosso. A gente nunca teve chance... Só espero que a Milly seja feliz, isso é tudo que importa.

Chamei os dois porque sabia que eles estavam meio mal. As mulheres queriam se casar com um homem rico, e, sabendo disso, o grupo dos riquinhos era bem mais proativo. Mas era fácil entendê-los, esses caras também estavam desesperados tentando encontrar uma noiva decente. Agora que a Milly e a Jessica, as parceiras ideais para qualquer homem, se foram, o pessoal iria começar a brigar pelas próximas da fila. E, no final, as únicas que se envolveriam com nós, os pobretões,... seriam as cruéis.

No entanto, as coisas não eram tão ruins para os filhos de grandes nobres — aqueles que vinham de casas com ranque de conde ou maior. A maioria já tinha uma noiva que foi escolhida para eles, como no caso do Príncipe Julius e da Anjelica.

Daniel virou o refrigerante dele de uma vez. — Merda! Agora o pouco de esperança que eu ainda tinha foi pro ralo! Todas as garotas que sobraram no nosso ano são desumanas!

Havia muitas mulheres que desprezavam os homens.

Raymond concordou com a cabeça. — A gente é muito azarado, só isso. Entramos bem no ano em que o Príncipe Julius e um monte de grandes nobres se matricularam. As garotas não vão nem olhar pra a nossa cara com eles por perto.

Aparecia, status social e dinheiro... esses caras estavam em outro patamar. Com uma concorrência tão injusta, era ainda mais difícil para nós, os nobres na base da pirâmide, conseguir atrair a atenção das garotas.

A situação dos personagens namoráveis dava ainda mais inveja, porque, além de possuírem tudo isso, suas noivas já foram decididas antes da matrícula, então não tiveram que se envolver naquela competição de merda... Não é à toa que tinham tanto tempo livre.

— E pra você, Leon, como as coisas têm andado? — Daniel enviou um olhar preocupado para a minha direção. — Ainda continua se encontrando com aquela estudante bolsista? Já desistiu desse assunto de casamento?

Tomei um gole do suco e respondi: — É claro que não. Continuo enviando convites sem parar, mas todas as garotas estão recusando.

— Quem mandou querer dar uma de bonzinho — criticou Raymond. Ele podia parecer meio grosso, contudo, eu sabia que só falou assim porque também estava preocupado. — O problema é que você está passando muito tempo com a estudante bolsista. Acho melhor se afastar dela.

Lucle tinha dito a mesma coisa. E ainda contou que alguns veteranos eram forçados a aceitar casamentos com condições ainda piores — como deixar que noiva tivesse outros amantes que não fossem servos demi-humanos — por não ter conseguido achar nenhuma parceira antes da formatura. Colocando de uma forma mais simples. “Vou te dar um herdeiro, mas você vai ter que bancar a mim e todos os meus amantes pelo resto da sua vida”.

Por conta disso existiam vários nobres presos a uma relação poligâmica onde enviavam rios de dinheiro para suas esposas viverem uma vida de luxo na capital com outros homens. E essas mulheres ainda acreditavam que, já que eram elas que dariam à luz ao herdeiro, aquilo era uma troca justa.

O Japão parecia um paraíso em comparação.

— Leon, o seu irmão estuda na turma normal, não é? — perguntou Daniel.

— Sim. — Queria ter arrastado o Nicks para a turma avançada junto comigo, porém eu só tinha conseguido o dinheiro com o Luxion depois dele já estar matriculado. Uma pena. Iria me sentir melhor com meu irmão ao meu lado dividindo o sofrimento.

— As garotas da turma normal não são tão ruins, então por que será que as da avançada agem desse jeito...?

Era verdade, as meninas de famílias de cavaleiros eram bem normais. Claro, ainda era difícil convencê-las a se casar, no entanto, nem se comparava com o que tínhamos que lidar. A melhor parte era que elas não possuíam escravos.

Para falar a verdade, apenas um certo grupo de mulheres podia comprá-los. As filhas de casas com o ranque de conde ou maior eram basicamente proibidas de ter um e as plebeias não tinham dinheiro o suficiente para isso.

E lá estava eu, tendo que procurar uma esposa na melhor zona possivel...

— Sabe... Quando o meu irmão falou sobre isso...

Hm?

— Eu quis dar um socão bem no meio da fuça dele. — Por que as garotas da turma avançada tinham que ser tão cruéis? A única explicação era o cenário mal feito daquele otomege. — Tenho inveja daqueles na turma normal... Não teria que passar por toda essa merda se estivesse lá.

Lagrimas apareceram nos olhos de Raymond. — Sim! Porque encontrar uma noiva tem que ser tão difícil?

O que será que eles pensariam se eu dissesse: “É porque esse é o mundo de um jogo otome”.

— Bem, mudando de assunto — Raymond começou a falar enquanto enxugava as lagrimas — Vocês ouviram do problema envolvendo o Príncipe Julius? — Ele devia estar tentando nos fazer esquecer das preocupações.

— O que aconteceu? — Levantei o copo e tomei um gole do suco.

O que acontecia com o príncipe e seus amigos não tinha nada a ver com a gente. Mesmo que fosse interessante de escutar, aquilo não afetaria em nada as nossas vidas, tirando o que envolvesse a Olivia. Bem, para mim, já era o Julius metido em alguma coisa, então nem me surpreendia mais. “Talvez tenha sido um dos eventos do jogo dessa vez?”

Ah, acho que sei do que você ‘tá falando. É sobre aquela menina... Marie, não é? Parece que ela tem sofrido bastante nas mãos das outras garotas — disse Daniel.

Era obvio que aquilo iria acontecer alguma hora, a Marie ficava o tempo todo colada na Sua Alteza, não tinha como as meninas ficarem quietas vendo aquilo.

— Estão falando que a pessoa que estava incentivando tudo isso era a noiva do príncipe, aquela filha do duque. E parece que a Sua Alteza ficou furiosa quando descobriu isso — disse Raymond. — Bem, ninguém tentou abafar a história até agora, então tem uma boa chance de ser verdade...

Tosse.

Acabei engasgando com a bebida.

— E-Ei, ‘tá tudo bem?

— Leon, você sabe de mais alguma coisa?

Balancei a cabeça para os lados. — Não é isso, só desceu pelo caminho errado mesmo. — Limpei minha boca com um pano e usei a manga para secar o suor frio na minha testa.

O evento em que o príncipe ficava furioso com sua noiva não deviria acontecer tão cedo. E, para piorar, mesmo comigo observando a Olivia de perto, nunca tinha a visto conversar com um dos personagens namoráveis.

O que diabos estava acontecendo?

***

Eu não queria me envolver nos eventos do jogo. Só manter distância e continuar observando tudo de longe como um bom figurante, pois aquilo não tinha nada a ver comigo. Porém, as coisas estavam começando a ficar preocupantes, não tinha com saber o que iria acontecer se a história continuasse seguindo aquele caminho, então decidi investigar o que estava acontecendo.

A única garota que eu conhecia na turma avançada era a Olivia, então trouxe o assunto à tona quando estávamos na biblioteca.

— Desculpa, também não sei muita coisa. Eu percebi que as meninas foram meio frias com a Marie por um tempo. Mas parece as coisas se acalmaram agora.

— Hm... Deixa eu perguntar mais uma coisa, você já conversou com ela antes?

Parecia que a Marie tinha feito alguma coisa para roubar a posição da protagonista. Bem, ainda existia a possibilidade daquele mundo só ser semelhante com o jogo e de que eu estava encanado à toa, mas as chances disso ser verdade eram muito baixas.

— A gente acabou se esbarrando várias vezes durante o ano, mas não sei se podemos chamar aquilo de conversa... Acho que a primeira vez foi alguns dias depois da cerimônia de entrada, eu estava indo para a biblioteca, e ela foi falar comigo. — A Olivia abaixou a cabeça com um olhar melancólico no rosto ao dizer isso.

Era óbvio que ela não se sentia bem falando sobre aquilo, contudo, eu tinha que saber o que aconteceu. Precisava conseguir o máximo de informações possíveis se quisesse arrumar tudo aquilo.

De repente, ela perguntou, corando: — Você... gosta de garotas que nem ela?

Não consegui esconder minha expressão de nojo ao ouvir aquilo. Olivia piscou, surpresa. — Hein? Não é isso?

— Eu odeio aquela menina — respondi.

A-ah, então é assim. — Ela ficou em silencio por alguns segundos. — Eu tinha ido para a biblioteca só para conhecer o lugar, mas a Marie chegou do nada tentando me expulsar, dizendo que eu era um incômodo. A partir daí toda a vez que a gente se encontrava era a mesma coisa. — Olivia forçou um sorriso. — Mas um dia, no pátio, quando ela chegou querendo me tirar de lá, finalmente perguntei se tinha feito alguma coisa para deixá-la brava. A Marie só disse: “Eu odeio garotas como você”.

A Marie odeia a Olivia? Bem, sei que várias alunas não gostavam da ideia de ter uma plebeia estudando na academia, no entanto, não parecia ser isso daquela vez.

Me vendo ficar em silencio do nada deixou a Olivia incomodada. Mas, antes que qualquer um de nós pudesse falar alguma coisa, outra voz ecoou no local.

— Tem certeza de que esse é um bom lugar?

— Não se preocupa, ninguém vem aqui nesse horário.

Hm? Será um casal decidiu vir se pegar na biblioteca...? Quem é o desgraçado que teve tanta sorte? ”

Me agachei e fui de fininho em direção a fonte das vozes.

— Leon! O que pensa que está fazendo!? — Olivia chamou minha atenção sussurrando.

Também tentei manter a voz baixa. — Bem, é mais por curiosidade. Mas saber quem está saindo com quem também é uma informação é muito importante para nós, garotos. Agora deixa eu dar uma olhada...?!

Juntos, nós espiamos por trás das estantes. Olivia ficou tão surpresa ao ver a cena que quase soltou um grito, mas consegui colocar minha mão na boca dela antes que qualquer som saísse.

Os braços de um garoto com os cabelos roxos envolviam a cintura de uma pequena menina loira.

“É mesmo. O Brad Fou Fiel é um daqueles personagens que ficam o tempo todo na biblioteca”

Os olhos da protagonista também estavam fixados naquela cena

E a pessoa que o Brad beijava não era qualquer uma — aquela era a Marie.

Tentando não fazer barulho, eu e a Olivia saímos de perto das estantes e fugimos o mais rápido possível.

***

Marie Fou Lafan estava indo em direção ao seu quarto, tendo acabado de sair da biblioteca. Ela pressionava os dedos contra os lábios enquanto se lembrava do momento romântico que teve com o Brad.

Ah. Esse mundo é mesmo incrível. Não tem tantos garotos estúpidos aqui, diferente do meu antigo, e são as mulheres estão no topo. É realmente um lugar perfeito.

O céu do entardecer pintava a paisagem com um tom alaranjado enquanto o sol desaparecia. A menina segurava à vontade sair saltitando enquanto seguia seu caminho.

— Aquelas idiotas pararam de encher meu saco desde que o Julius e outros deram uma bronca nelas. Agora posso finalmente curtir a minha vida de estudante pela segunda vez. As coisas estão indo tão bem.

Aquela era uma vida perfeita. Algo que deveria pertencer a protagonista original. Entretanto, ela roubou esse papel para si, e, desde então, o mundo inteiro parecia girar ao seu redor.

Ao fazer uma curva no corredor da escola, as figuras de Julius e Jilk apareceram em seu campo de visão.

— Então você estava aqui, Marie!

Os dois começaram a se aproximar.

“Esses dois estão sempre juntos, não é? Espera, será que...? Bem, sempre ouvi que relações homossexuais não eram raras no passado. Então pode ser isso mesmo.”

Marie sorria para os dois enquanto se entretia com esses pensamentos sinistros. Era muito fácil fingir ser a garota ideal desses caras, principalmente para o Julius.

— Aconteceu alguma coisa, Sua Alteza? — perguntou a menina.

O príncipe ficou um pouco irritado. — Para de me chamar assim. Apenas Julius está ótimo. De qualquer forma, eu e o Jilk conversamos e... Você não possui nenhum servo, não é?

Marie balançou a cabeça para os lados e fingiu estar envergonhada. — R-receio que não. A minha casa é meio... Bem, não temos muito dinheiro guardado, então é difícil comprar um.

“Seria bom ter sido reencarnada em uma família com pelo menos um pouco de dinheiro — ou melhor, pais que não jogassem toda fortuna no lixo.” Guardar esse tipo de pensamento para si permitia que ela passasse uma imagem de garota altruísta e nobre.

 — Neste caso — disse Jilk. — Permita que o príncipe e eu cubramos os custos de um, Marie. Deve ser solitária aqui, na academia, sem um servo exclusivo, não é?

Em sua mente, ela ergueu o punho cantando vitória. “Boa! Agora vou ter um amante! E melhor ainda, não vou ter que me preocupar com gravidez! Quase todas alunas não tem um escravo nesse lugar. Tem sido humilhante não ter um para mim mesma. Mas, pensando um pouco, é estranho que mulheres possam andar por aí mostrado seus amantes abertamente... E quem liga pra isso! Obrigado pelo presente!”

Ela achou estranho o fato de dois personagens namoráveis estarem lhe dando um amante de presente, contudo, Marie não se preocupou muito nisso, pensando que era algo normal naquele mundo.

A menina fingiu estar envergonhada e disse: — M-muito obrigado, Sua Al... quero dizer, Julius, Jilk.

O príncipe ficou vermelho ao ouvi-la dizer seu nome. Ver aquilo deixou a Marie confiante e, mais do que nunca, a fez perceber que não tinha nada com que se preocupar.

Jilk se virou para a saída. — Então vou preparar uma carruagem para nós. Iremos procurar um no melhor mercado de escravos da capital.

***

Apenas nobres com o ranque de conde ou maior podiam usar os melhores quartos do dormitório. E, entre eles, havia suítes ainda melhores para aqueles que vinham de linhagens com o sangue real.

Angelica estava descansando em uma delas. Quando uma de suas seguidoras entrou em seu quarto.

— Anjelica, aquela garota! Ela levou o príncipe para comprar um servo demi-humano agora pouco, os dois devem estar escolhendo um enquanto conversamos.

A filha do duque estava ao lado da janela, com as costas viradas para a garota. — Deixa pra lá... Ela deve entender o significado daquele escravo, isso só mostra que tipo de relacionamento aqueles dois tem.

— M-mas...!

Angelica vinha de uma casa de duques, se dinheiro fosse o único problema, seria fácil comprar dezenas de escravos com a fortuna de sua família. No entanto, a sua posição a impedia de fazer isso, e mais, ela também era noiva do príncipe. Como futura rainha, esse tipo de coisa iria apenas sujar seu nome.

Ela pediu para a seguidora se retirar e, assim que ficou sozinha no quarto, Angelica pegou o vaso que estava em uma mesa próxima e o arremessou no chão com toda a força do seu corpo.

— Não brinca comigo! Porque... porque ele está tão obcecado com uma garota tão desprezível quanto ela?! Tudo o que eu fiz... tudo... Foi pelo bem da Sua Alteza...!

Há alguns dias, Julius e os outros interrogaram as garotas que faziam bullying com a Marie. Angelica nunca tinha as mandado fazer tal coisa, e as agressoras não eram suas seguidoras diretas, no entanto, todas podiam ser colocadas na mesma panelinha.

Elas queriam alguém para descontar o estresse do dia a dia, e a Marie, que havia se tornado inimiga da filha de um duque, era o alvo perfeito. Quando o príncipe veio exigindo uma justificativa, as meninas, em meio ao desespero, colocaram toda a culpa nela.

Isso acabou deixando-a em uma posição delicada. A Angelica entendia que já as mulheres eram vistas com importância na sociedade aristocrática, algumas não sabiam demonstrar autocontrole, por conta disso, não havia como elas aguentarem a pressão de serem interrogadas pelo Julius e seus amigos, então acabaram dizendo o nome dela para poder fugir daquela situação o mais rápido possível. E, como resultado, a filha do duque acabou recebendo toda a culpa.

Angelica tentou explicar. Contudo, o príncipe e os seus amigos não acreditaram nela, o que fez a sua posição na academia levar um grande golpe. Desde então, o número de garotas e garotos tentando puxar o saco da Marie tem aumentado cada vez mais — a maioria era ou o segundo ou o terceiro filho de um nobre que não herdariam nenhum território e meninas que não gostavam da filha do duque desde o começo.

Mas isso não importava para a Anjelica. Ela não tinha tempo para se preocupar com esse tipo de gente. O que a frustrava era a forma com que o príncipe e seus amigos aceitaram essas mentiras sem nem questionar.

— Eles acham mesmo que eu sou a culpada? Não tem nenhuma prova, mas aqueles cinco acreditam em tudo que sai da boca daquela menina...

E, para piorar, os verdadeiros culpados se aliaram e começaram a espalhar rumores terríveis sobre ela — e essas pessoas estavam ganhando cada vez mais influência. Mesmo assim, a Angelica se mantéu forte... até o Julius dizer as seguintes palavras:

“Podemos ser noivos, no entanto, na academia, não somos nada além de estudantes normais, então não se meta na minha vida.”

Lembrar disso fez lagrimas encherem os seus olhos enquanto ela sentou sem forças no chão.

 

 

— Eu fui criada para isso... fui criada para estar ao lado da Sua Alteza! Ele é o único motivo de eu estar aqui!

Angelica amava o Julius, porém, o sentimento não era recíproco. Para o príncipe aquele casamento era apenas algo político. Desde que o noivado se tornou oficial, a filha do duque treinou ao máximo para ser uma boa parceria no futuro, dando tudo de si pelo bem dele, contudo, o garoto nunca a recompensou pelos seus esforços.

A única que o Julius queria era a Marie.

— Sua Alteza... se você apenas me dissesse o que quer, eu poderia... Porque logo ela?!

A Angelica cobriu o rosto com as mãos e as lagrimas começaram a escorrer. Ela se encolhia em uma bola enquanto chorava.

***

— Ei, irmão idiota!

Era manhã de um precioso dia de folga e um certo animal, minha irmã, Jenna, veio correndo para o dormitório masculino acompanhada pelo seu amado escravo.

Bocejei enquanto olhava para o relógio. Quando percebi que ainda eram sete da manhã, voltei a dormir.

— Acorda! — Ela gritou. — O diabos está acontecendo?! Me explica agora!

Não tinha ideia do porquê dela estar fazendo tanto tumulto pela manhã, eu estava bem mais interessado em conseguir mais alguns minutos de sono do que me dar ao trabalho de descobrir. — Foi mal, os meninos tiveram treino de artes marciais ontem. Eu ‘tô acabado.

As garotas se divertiam praticando esportes enquanto os meninos faziam maratonas e se arrastavam pela lama. Morrer em batalhas, seja contra humanos ou monstros, não era algo raro naquele mundo, então o treino era bem intenso.

— Isso não é hora de dormir! Me conte tudo o que você sabe sobre a situação dos novatos. Agora mesmo! — Jenna disse batendo na minha cara.

Depois do servo com orelhas de gato dela me arrancou da cama, eu me sentei enquanto esfregava os olhos e bocejava.

— Informações sobre os novatos? Tenho certeza de que você sabe muito mais do que eu.

— Tem alguns rumores estranhos circulando por aí. E meio que você é um estudante da turma avançada.

“ ‘Meio que’? precisava mesmo colocar isso? Cadê a educação menina? ”

— Ok, tudo bem. — Eu tentei pensar em alguma coisa. — Ouvi que duas garotas mais desejadas, Milly e Jessica, já encontraram parceiros. Uma notícia horrível para todos nós. As duas eram boas demais.

— Quem liga pra isso? — zombou Jenna.

“Quem? Apenas todo estudante do sexo masculino nessa academia, acho que só esses.”

— Você conhece uma tal de Marie, não é?

Hesitei um pouco quando ouvi esse nome, me lembrando da cena dela com o Brad na biblioteca. — Ela é...hm... bem próxima do príncipe Julius.

— Apenas do príncipe?

Ah... é próxima de alguns grandes nobres também. MUITO próxima.

Era óbvio que iriam aparecer rumores se eles ficassem se pegando no meio da academia, mesmo que fizessem em locais escondidos. Ainda mais se for com a Marie, que já era um tópico bem falado.

— Também tem a filha de um duque no seu ano, não é? — perguntou Jenna. — Desembucha. O que você sabe sobre ela?

— Acha mesmo que sei de alguma coisa? Só ouvi que ela conseguiu irritar muito o príncipe.

Jenna ficou em silencio enquanto pensava.

Era a minha vez de perguntar. — Sabe de mais alguma coisa? Estão dizendo que foi a filha do duque que deu a ordem para as meninas fazerem bullying com a Marie.

? Você é retardado?

Eu?! A primeira coisa que fez pela manhã foi invadir o dormitório masculino e eu que era retardado?! Seria bom se ela aprendesse a se um pouco mais sensata... Mas bem, considerando que essa menina anda por ai exibindo seu amante para o mundo, sensatez deve ser algo que a Jenna nunca teve.

— Com aquela posição, ela não precisa mandar ninguém fazer nada. As garotas irão agir por conta própria tentando eliminar qualquer um que a incomode. — Jenna balançou a cabeça. — E se ela quisesse mesmo esmagar a Marie, a menina já estaria morta a muito tempo. Famílias de duques são extremamente poderosas. Você não conseguiu nem perceber isso, não é à toa que os homens são um bando inúteis.

— Então a filha do duque não tem nada a ver com o bullying?

— Eu não falei isso. Aquelas garotas, de um jeito ou de outro, faziam parte do grupo dela, então ela vai ter que se responsabilizar por tudo.

— Isso não parece justo para mim.

Jenna levantou os ombros. — É assim que as coisas funcionam.

Pelo visto, as mulheres também tinham seus problemas no mundo daquele otomege. Ou só era difícil para a vilã? Entretanto, no jogo, A Angelica havia mandada as garotas fazerem bullying... Ou será que não? Já fazia mais de dez anos desde que eu tinha jogado, a minha memória não estava muito boa.

Jenna me encarou com um olhar sério. — O segundo e terceiro ano estão em estado de pânico. Eu quero muito que aquela garota não traga problemas para o príncipe herdeiro. Meus planos estão uma bagunça por conta dela. Você tem que ser mais esforçado na hora de coletar informações! E não esquece de me avisar se descobrir qualquer coisa.

“Porque essa mulher ‘tá me dando ordens? Eu não sou seu escravo”. Bem, eu ia tentar descobrir o que aconteceu de qualquer jeito. Aquilo cheirava a problema.

— Você ainda não entende o que isso significa — perguntou Jenna.

— Essas garotas são um pé no saco.

— Idiota! Imbecil! Retardado!

Cobri as orelhas com as mãos. Ainda era muito cedo, não queria ter que ficar ouvindo gritos.

Ela começou a explicar, irritada: — Se nenhum imprevisto acontecer, o príncipe Julius será aquele que herdará o trono! Você é do mesmo ano que ele! Caso consiga agradá-lo, terá apenas um futuro promissor te esperando. Entendeu? Por outro lado, se fizer qualquer coisa que o irrite, acabou tudo.

Eu era só um barão do interior. O príncipe não tinha nada a ver comigo. Mas para a Jenna era diferente, já que ela queria viver na capital. Se o seu marido fosse alguém que o Julius não gostasse, seria quase impossível subir na escada do sucesso.

 — Só quero encontrar uma parceira e me formar sem arrumar problemas, não ligo para o que acontece com o príncipe — expliquei para a minha irmã.

Ah, esses homens só dão dor de cabeça!

Para falar a verdade, queria evitar ao máximo o Julius e os outros. Mesmo que houvessem benéficos caso nos tornássemos próximo, isso também significava que eu estaria envolvido em qualquer problema que a história trouxesse no futuro. E não queria isso para mim. Além do mais, se tudo seguisse de acordo com o jogo, aquele pais iria virar um inferno em alguns anos.

— De qualquer forma — suspirou Jenna. — Você não tem nada a ver com isso, não é? Então não tenho que me preocupar com nada.

— Acha mesmo que eles se importam com um barão do interior como eu? — assegurei para ela. Apesar de ainda estar preocupado com o que a Marie planeja fazer.

— Cada série vai ter a própria festa no final do final do semestre. Então se controle e não me faça passar vergonha — avisou Jenna. — Suspiro, porque isso foi acontecer logo agora... Não tem o que fazer, vou ter que escolher outro cara para ser o meu parceiro, de novo. — Ela foi em direção a porta enquanto pensava nos próprios problemas. — Ah, mais uma coisa. Já conseguiu encontrar uma noiva?

Aquele rosto sorridente dela me irritou. Mesmo com aquela personalidade de merda, vários homens tentavam conseguir um casamento com a minha irmã. Eu tinha inveja disso, poder escolher o próprio parceiro devia ser muito bom.

— Se eu tivesse, não teria que me esforçar tanto — resmunguei.

— Bem, isso não é surpresa. Você pode até se destacar, mas não tem nenhum charme. Talvez já seja a hora de tentar melhorar um pouco isso.

Rindo de forma sarcástica, eu falei: — Bem, foi esse idiota sem charme que encheu os cofres da família o suficiente para você comprar seu precioso escravo, minha querida irmã. Como se sente sobre isso? Vai, diz pra mim.

— Vai pro inferno! — gritou Jenna, saindo com raiva do quarto acompanhada pelo seu amado escravo.

Quando o silêncio voltou, eu levantei e comecei a me esticar.

Luxion, que estava fingindo ser uma decoração do quarto, flutuou para a minha direção. — Quanta animação pela manhã.

— Parece que já estamos no final do primeiro semestre... Até que faz sentido a gente ter um festa. Nós somos nobres, despois de tudo.

O mundo daquele otomege tinha vários eventos similares aos que aconteciam no Japão. Bem, isso era o esperado, já que o jogo foi feito para o público japonês.

— Tudo que fiz nesse semestre foi entrar em dungeons com os meus amigos e fazer cerimônias do chá.

— Verdade, você não conseguiu realizar nada — disse Luxion. — Bem, o mestre é uma pessoa folgada, então apenas o fato de ter se movido já deve ser uma conquista em si.

— Você tem algum problema comigo, Luxion?

— Eu odeio todos os novos humanos. Por conta disso, eu odeio você também, mestre.

— Que coisinha mais triste, sendo usado e abusado por alguém que você odeia. Esteja preparado, irei fazê-lo trabalhar pesado pelo resto da minha vida.

— Mal posso esperar. — O robô respondeu sem se importar.

Apesar do ponto de vista do Luxion, achei que a minha vida escolar tinha sido bem agitada. Além de aulas todos os dias, não parei de entrar em dungeons para conseguir dinheiro. Mas claro, nem um único centavo foi parar minha conta, tudo foi usado para preparar cerimônias do chá para as garotas, e, para piorar, nenhuma delas deu certo no final. Dessa forma, antes que eu percebesse, o semestre já estava acabando.

— Ei... será que você pode coletar algumas informações para mim?

Mesmo que agisse daquela forma, Luxion ainda era um robô muito dedicado. — Você quer que eu investigue a filha do duque e a Marie Fou Lafan, certo? É possível, no entanto, não irei revelar informações como o tamanho do busto, da cintura e do quadril delas.

Depois de uma pequena pausa, sussurrei: — É melhor que você me conte.

— Isso é informação desnecessária. Terei que recusar.

— Tudo bem então. — Levantei os ombros. — Você também pode verificar se o que a Jenna acabou de falar é verdade?

— Sobre o relacionamento entre o príncipe, a filha do duque e a Marie? Porque está interessado nisso? — perguntou Luxion. — Você sempre disse que não iria se envolver. Decidiu mudar de ideia agora?

— Só estou curioso.

— Então é apenas curiosidade? O mestre é mesmo uma pessoa sem esperança. Tudo bem, também irei verificar os rumores.

O corpo do Luxion começou a se misturar com o cenário como se fosse um camaleão, até finalmente desaparecer de vista enquanto ele saia para cumprir sua missão.

“Esse robô consegue mesmo fazer qualquer coisa.”



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