Volume 1
Capítulo 1: Correntes
Os últimos raios de sol banhavam a cidade-fortaleza enquanto os Impuros corriam pelas estreitas ruas e vielas que se moviam e retorciam, instaurando o caos pelas favelas.
Os frágeis e sinuosos paredões dançavam e se contraiam como peças de um grande quebra-cabeça para o desespero dos Impuros, a escória de Vespaguem. Todo esse alvoroço era acompanhado pela aproximação de uma frenética marcha que se comparava a um pequeno terremoto.
Entre o grupo, um Impuro alto e robusto, de feições humanas, que exibia uma acentuada barba, parecia admirar com fascínio as construções que se remodelavam como mágica.
— Abram caminho, seus vermes! — gritou Melgar, que forçava um sorriso na tentativa de afugentar seus próprios temores, conforme rompia passagem a empurrões.
— Maldição. Mas que desgraça! — berrou Daigon, que corria ao seu lado.
Sua fisionomia era magra e esguia. Diferente do amigo, procurava evitar trombar com os demais, algo praticamente inevitável em virtude da correria da pequena multidão que se apinhava pelas apertadas passagens.
— Vamos! Vamos! — brandou Melgar.
— Seu brutamonte, me espere.
— Afastem-se! — gritou alguém mais à frente. Novas vozes abafaram umas às outras conforme uma grande fissura surgia no solo empoeirado e levava uma das construções nas cercanias abaixo.
— Mas o que é tudo isso afinal?!
O som dos incontáveis passos crescia ainda mais na mesma medida que se intensificavam as trepidações, as quais também contribuíam para a formação de uma nuvem de poeira, que cobriu as ruas mais ermas da cidade-fortaleza, para o espanto Impuros, pegos pelo caos.
Um reflexo reluzente antecedeu o momento em que cruzou pela paisagem turva a primeira armadura prateada, montada sobre uma besta quadrúpede e encouraçada que possuía um longo chifre acima do focinho.
Sobre a criatura, similar a um rinoceronte, estava um poderoso e robusto cavaleiro moreno que ostentava uma barba negra, a qual lhe dava um ar intimidador, e intensos olhos vermelhos que afugentavam aqueles que ainda tentavam sair do caminho. Pontos que faziam aflorar o orgulho de sua força, a principal marca que identificava os Demônios, regentes da cidade-fortaleza de Vespaguem.
Desse modo, os Batedores, assim intitulados uma das várias classes de Demônio guerreiros, cruzavam pelo distrito em ritmo acelerado.
— Saiam da frente, miseráveis! — gritou um dos primeiros Demônios que iniciou a travessia.
Esse Batedor em especial segurava um pingente dourado que emanava um pequeno brilho da mesma cor, suficiente para contrastar contra a cicatriz que cortava diagonalmente sua bochecha. Conforme avançava, a cidade abria passagem lembrando um organismo vivo.
Ele parecia ser protegido pelo primeiro destacamento, enquanto orientava os companheiros que procuravam limpar o caminho para o comboio principal.
Apesar da aparente urgência que marcava o progresso da comitiva, tamanho descaso era fruto de algo muito mais profundo, do desprezo que sentiam pelos Impuros, assim chamados, pelos Demônios, aqueles que não receberam de seus ancestrais a herança das chamas.
Não demorou para a chegada do grupo principal composto por cerca de trezentos guerreiros. Entre os soldados havia alguém que se destacava. Uma Demônia de pele cinzenta, dona de longos cabelos negros transados em um rabo de cavalo. Diferente dos demais, não trajava uma armadura, mas vestes de couro castanhas e uma longa e fina espada que lembrava uma agulha.
Em meio a tudo isso, um jovem Demônio que ainda fugia caiu em um dos becos, com as mãos sobre a cabeça, em dores, já longe da visão dos Demônios Batedores que iniciavam sua curiosa travessia. Ele era franzino, moreno e tinha uma cicatriz que se estendia desde o canto direito do nariz até o queixo. Estava encolhido, com uma máscara de tecido que cobria a parte inferior de seu rosto.
— Meio-sangue, você está bem? O que aconteceu para te derrubar assim? — perguntou Melgar.
— Isso não importa, agora há pouco você mesmo estatelou dois camaradas no chão a base de trombadas — alegou Daigon. — Andem! Ainda podemos ser pegos por essa confusão.
Os Batedores cruzaram como um raio pela rua ao lado, sumindo na poeira pouco mais à frente. O som dos frenéticos passos tornou-se cada vez mais suave e distante.
— O que está havendo aqui? — falou Daigon para Melgar.
— Nem imagino, isso nunca aconteceu antes.
— Vejam isso. Para que toda essa confusão? — Daigon se virou. — Espera, onde ele foi?
— Lá vai ele — respondeu o Meio-sangue.
— Ei! Seu doido, onde acha que está indo?!
— Me esperem. Inferno! — reclamou o Meio-sangue, ainda com algumas dores.
— Me deixem passar, imprestáveis — exigiu Melgar, empurrando novamente os outros Impuros, dessa vez para entender a origem de um novo rebuliço que atraia as atenções. Dessa forma refez os passos dos Batedores, ignorando os comentários de seus colegas.
Mais adiante pôde ver a entrada de uma ampla e antiga passagem subterrânea ganhar forma em meio à poeira, constituída de blocos de pedras intercalados uns nos outros, marcados por algumas gravuras indistinguíveis.
— Devagar… — disse Daigon, ofegante, ao alcançar o amigo.
— Para onde essa passagem está os levando?
— Nessa direção… — Ele abanou a poeira que incomodava seus olhos. — Para as Casas Centrais talvez.
— Vespaguem nunca cansa de me surpreender… nem quero pensar no que mais está escondido por aí.
— Por favor, não faça isso. — Daigou tomou um pequeno susto e deu três passos para trás no instante em que a entrada da passarela subterrânea começou a se fechar de maneira espontânea. — Nós já temos muitos problemas. — Na sequência, ouviu um som semelhante a um tapa forte, seguido de algo desabando.
Ao se virar, percebeu que um dos Impuros acabava de surpreender e derrubar Melgar com um soco certeiro. Logo supôs que era um dos azarados que o amigo havia levado ao chão durante a correria.
— Não precisa ser assim… — Ele mexia a palma das mãos para baixo e para cima, pedindo calma.
— Não se preocupe, Daigon. — Melgar se levantou. — Deixa que eu cuido do pequeno. — Sem hesitar, deu um, dois socos, contudo seu oponente desviou com relativa facilidade. Em seguida, foi desequilibrado com um chute rasteiro no tornozelo, porém o afastou para trás com o pé.
O adversário se mostrava um ser ágil e escorregadio. Lutava de mano a mano com Melgar apesar da grande diferença de envergadura. Seu nome era Vromir. Tinha uma pele clara e um cabelo castanho, bagunçado. Um jovem Impuro que provava uma de suas primeiras desventuras na nova colônia.
Conforme a luta se estendia, os curiosos instintivamente formavam um grande círculo ao redor dos dois brigões, como espectadores que apreciavam um espetáculo. Atraindo até mesmo os olhos curiosos de uma pequena Demônio de longos cabelos prateados e feições infantis, que acompanhava tudo do alto, sentada sobre a marquise de uma das construções.
— Parece que essa criatura se envolveu em mais uma confusão — comentou o Meio-sangue.
— Sabe quem é esse brigando com ele?
— Daigon, cuidado! — alertou o Meio-sangue, quando pulou sobre o colega para evitar que fossem pegos pela luta.
Os dois arruaceiros passaram e poucos metros adiante caíram no chão. Rolaram na poeira antes de finalmente recobrarem a compostura.
— Ah! Ah! Ah! — Melgar apontou para Vromir. — Vou te ensinar a ter boas maneiras, garoto.
— Olha o que você fez com o meu nariz, inferno!
— É tarde demais para isso.
O grandalhão avançou e desferiu um novo soco, mas o rapaz desviou mais uma vez e viu o punho passar à direita de seu rosto. Melgar se viu obrigado a recuar ao pressentir a resposta de Vromir que veio na forma de um fulminante chute lateral que cruzou ao lado de seu queixo.
— Já chega, perdi a paciência.
Ele tentou agarrar o tronco do adversário, contudo, o pequeno rolou para a esquerda, parando aos pés de um dos observadores. Tentou fugir, mas foi impedido pelos presentes que gritavam e o empurravam novamente para dentro do círculo.
Melgar admirava a cena com desdém quando uma nova agitação ganhou forma.
— Corram! — avisou uma voz ao fundo.
— Sai da frente! — exclamou uma segunda.
— Os bunda de ferro vêm aí — completou uma terceira.
Todos começaram a debandar ou se dispersar como baratas que fugiam da luz. Os passos de lata e o soar de um estridente apito antecederam a chegada dos Patrulheiros, classe guerreira mais baixa que os Batedores. Seu principal papel era justamente supervisionar os Impuros, tornando sua vida um verdadeiro inferno.
De imediato, qualquer um sedia espaço ou se escondia nas sombras que começavam a tomar a paisagem.
— Por aqui! — disse Melgar com um dos braços erguidos para chamar a atenção do colega brigão. — Pode vir com a gente, se quiser.
— Por acaso quer terminar o serviço? Endoidou de vez? — alegou Daigon.
— Não há motivos para tanta preocupação, só quero terminar de conversar com o pequeno. Ele é durão.
— Por que você nunca pensa antes de fazer as coisas? — Daigon cobriu os olhos com uma das mãos e balançou a cabeça. — Será que você nunca aprende?
Vromir se recompôs, cobrindo uma mancha opaca em seu ombro esquerdo que se destacava em sua pele clara. Hesitou por um instante em atender o chamado, porém os Patrulheiros eram ainda piores. Assim, se aproximou do trio.
— Parece que você gosta de confusão, novato — comentou Melgar, enxugando com o braço o suor da testa.
— O que?… — respondeu, ainda ofegante, com os olhos fixos no Impuro corpulento.
— Você é um desmiolado mesmo — disse Daigon. — Não faço ideia como consegue falar isso com essa cara deslavada.
Melgar sorriu expondo seus dentes amarelos e deu um tapa amigável no ombro do novato, para relaxá-lo. Depois olhou para trás, conferindo se os Patrulheiros ainda estavam distantes, enquanto caminhavam.
— Você não é desses lados da cidade, não é?
— Sim…
O veterano sentiu um grande desconforto que o fez levar umas das mãos sobre uma estranha marca em sua nuca, composta por três círculos negros, cortados por doze traços irregulares que lembravam uma espécie de combinação. Era um selo que inibia suas ações e atuava como uma ferramenta utilizada para controlar os Impuros, como nesse comando, dado para se recolherem com o pôr do sol. Todos os Impuros possuíam um.
Com o sinal, Vromir caiu de joelhos. Melgar e Daigon não pararam.
— Meio-sangue, ajude o novato — pediu Melgar quase gritando, em virtude da distância entre os dois.
— Morra — disse o Meio-sangue para Vromir, sem dar ouvidos para o colega.
— Andem, se apressem, com certeza não querem problemas com os Patrulheiros.
Os quatro seguiram por becos escuros e passagens estreitas que engoliam as vielas até chegarem em frente de um vasto galpão com janelas lacradas e portas reforçadas, porém ainda abertas. Nas redondezas do cortiço, que mais se assemelhava a um forte, podiam ser vistas as silhuetas de um conglomerado de precários alojamentos que se estendiam pela paisagem. Era a morada dos Impuros, um Ninho, um dos muitos espalhados por Vespaguem.
Ao chegarem, o clima começou a esfriar.
— Onde o amigo de vocês está indo? — perguntou Vromir.
— Ele é um Meio-sangue. Um Demônio não pode ficar aqui. — Fez uma pausa. — Ninguém o entende direto. Não nos importamos com sua presença porque ele é diferente… de alguma forma.
Melgar entrou na construção e voltou carregando alguns gravetos, em seguida, pulou e pegou uma das poucas lamparinas que iluminavam a rua para acender uma pequena fogueira. Logo as trevas começaram a trepidar e dançar conforme as chamas ganhavam forma.
— Ainda acham que é possível fugir desse lugar? — falou Vromir.
— Como é? Não acha que está sendo muito ambicioso? — rebateu Melgar, que logo se sentou à direita do colega e tirou o excesso de poeira preso em suas velhas botas, soltando um aroma nada refinado.
— Não falei nenhum absurdo.
— Pessoal, vocês ouviram? O novato quer fugir de Vespaguem.
— Melgar…
Com o alvoroço, Daigon se aproximou com passos lentos e cansados. Assim que alcançou a fogueira, improvisou um bloco de pedra solto no chão como assento e desabou, exausto.
— O que pretende fazer? Cavar um túnel? Escalar a barreira? Roubar a centelha? Mandará uma queixa para a imperatriz?
— Olhe para o redor. Duvido que não queira fugir daqui, levar sua família e deixar essa terra maldita para trás.
Daigon franziu a testa, parou e encarou o colega, contrariado.
— Isso não é da sua conta, desgraçado. — Ele passou uma das mãos sobre o próprio rosto. — Se falar deles mais uma vez, mato você.
Melgar apoiou uma das mãos sobre o ombro de Vromir.
— Entenda o lado dele… Os dias têm sido duros para todos que estão aqui, mas admito que, em parte, ele está certo… Veja, uma dose de desconfiança não faz mal a ninguém.
Vromir observou seus colegas, o cortiço ao lado, as simplórias construções e as ruas empoeiradas que se perdiam na noite. Tomado por uma sensação sufocante, passou uma das mãos sobre o pescoço, enquanto ouvia os estalos da lenha na fogueira.
— Eu não me importo com o que esse chato pensa, serei livre… custe o que custar.
Melgar apontou um dos punhos, fechado, na direção do jovem, em sinal de força.
— Usar a cabeça é importante, mas também ouça seu coração. Não deixe os desejos que estão aí dentro se apagar. — O veterano levou a mão direita sobre o pingente de madeira em seu pescoço, uma das suas últimas lembranças de sua família. — Certa vez, ouvi que apenas poucos Demônios possuem os meios necessários para atravessar as Terras Ermas.
— Talvez tenha alguma relação com a centelha.
— Capaz de mover a cidade, sempre que surge a necessidade de avançarem com as explorações — comentou Daigon, com uma das mãos sobre a marca gravada sobre seu ombro direito.
Como Vromir se recordava, segundo as velhas histórias que eram contadas, o Mundo Inferior acabou sendo “despedaçado” eras atrás, em uma guerra realizada pela posse da centelha da criação. Um poder capaz de recriar a realidade e a própria existência.
O império girava ao redor dessa chama que tornava terras estéreis em viçosas plantações, vertia nascentes que abasteciam a população, mantinha vivas densas florestas repletas de animais, criava um verdadeiro oásis no meio de uma imensidão desolada. Contudo, nem tudo eram flores, existia a ordem do mais forte que regia Vespaguem e gerava disparidades imensuráveis ao elitizar as atividades no interior da barreira, assim como o próprio modelo social. Dentro dessa cadeia, os Impuros encontravam-se na classe mais baixa e eram tratados como escravos, sujeitos a todos os tipos de abusos.
— Sei que fugir daqui é algo quase impossível, talvez seja… mas estão mesmo bem com isso? — perguntou Vromir.
Melgar parecia pensativo enquanto alimentava a fogueira.
— Você conhece as lendas. Sabe que o mundo foi destruído em uma guerra causada pela posse dessa chama. Só estamos vivos porque, quando tudo acabou, esse poder foi dividido em treze grandes armas dadas aos Demônios que criaram as cidades-fortaleza.
— Acha que as outras cidades realmente existem?
— Ninguém sabe ao certo, talvez tenham caído. Você sabe sobre os Sombrios. Estamos cansados de ouvir isso.
— O mundo além da Grande Barreira… nem sei direito o que imaginar.
— E nem devia, lá fora existem coisas muito piores que os Demônios soltas por aí.
— Chega de conversa, vamos — avisou Daigon.
Logo os demais perceberam a aproximação dos Patrulheiros que trajavam armaduras acinzentadas que destoavam umas das outras, algumas inclusive exibiam traços personalizados como acessórios ou marcas feitas a mão. Diferente dos Batedores, faziam sua ronda a pé, porém não eram menos amedrontadores.
Com passos lentos e cansados, os Impuros começaram a se recolher para o interior da construção. De repente, Melgar percebeu que Vromir pareceu hesitar em adentrar ainda mais em seu novo e indigesto lar.
— Seja bem-vindo ao Ninho. — Um longo ranger acompanhou o portão que se fechava.
☼☼☼♠☼☼☼
Longe dali, com o entardecer e a chegada da noite, Faenis, a Demônia vista mais cedo liderando os Batedores, caminhava por lindos aposentos repletos de adornos que contrastavam abruptamente com a situação de muitos que viviam aos pés da muralha, usando justas vestes castanhas feitas de couro modeladas de acordo com as curvas de seu corpo, exibia seus longos cabelos negros amarrados.
Ela atravessou os corredores repletos de riquezas do grande castelo adorado como uma divindade por muitos até chegar aos aposentos de uma linda Demônia, que possuía a pele alva e longos cabelos dourados que tornavam sua beleza uma lenda, fato que não ofuscava sua força.
Turcarian, senhora de Vespaguem, ocupava o trono como o Senhor da Tempestade, assim chamado o campeão que reinava sobre o império.
Faenis, um dos Sete Guardiões que compunham os maiores guerreiros do reino, era sua serva mais leal, sendo assim sua fiel confidente.
Ela fez uma breve saudação antes de começar a falar:
— Acredito que não chamamos atenções indesejadas durante a expedição.
Apesar de tal declaração chamar a atenção, a imperatriz não pareceu dar grande importância. Seria difícil mascarar a presença de um grupo tão numeroso, especialmente depois de abrir caminho pelas ruas com uma pedra da aliança, cristais que concediam muitas regalias a seus portadores dentro dos domínios de Vespaguem.
— Mais alguma informação da cidade-fortaleza de Falazis? Eles sabem sobre o aumento de incidentes? — perguntou Turcarian.
— Me arrisco a dizer que os espiões de Solenaris, o novo soberano de Falazis, já constataram a frequente atividade dos Sombrios, próximo a Grande Barreira.
— Nem mesmo a vastidão das Terras Ermas está livre de seus olhos. — A soberana mordeu a unha de seu polegar com um olhar de indignação.
— Ele certamente é um Demônio esperto e compreende as ameaças que se escondem na noite. Seu posicionamento será um auxílio ou uma pedra em nosso caminho.
— Temos problemas maiores por hora. — Ela olhou para a entrada. Um novo visitante requisitava a permissão para acessar o vasto salão.
O indivíduo que chegou era um imponente guerreiro de pele negra, chamado Vedrak, outro componente dos Sete Guardiões que supervisionavam o império sob o comando da soberana. Sua personalidade era bem distinta de Faenis. Um ser ardiloso, arredio e temperamental. Recorria, quando necessário, a meios sujos para conseguir seus objetivos e também costumava deixar transparecer em seu rosto a insatisfação quando incomodado.
— As atividades fora da barreira continuam a resultar em mais infectados pela praga — disse Vedrak ao adentrar os aposentos.
— Eles são descartáveis, mesmo assim ignorarmos tal ameaça nos trará severas consequências — alegou Turcarian que começou a caminhar pelo salão.
— Como me pediu, farei os preparativos para a grande incursão. Trarei novidades o quanto antes — afirmou Vedrak.
— Não vejo com bons olhos essas medidas, será a gota final que acarretará enormes problemas. — Faenis levou o dorso de uma das mãos ao queixo, analisando as reações de sua soberana.
A imperatriz se dirigiu à sacada sem esboçar grandes preocupações.
— Em questão de tempo isso será resolvido, já pode sair.
— Como desejar. — Vedrak deixou o local com a sensação de que algo estava sendo escondido enquanto procurava mascarar seu semblante de desconfiança.
— Em breve o mundo não será o mesmo.
Turcarian soltou um sorriso irônico. Seus olhos que admiravam a paisagem ganharam uma tonalidade vermelha demoníaca, seus cabelos esvoaçavam com a ação do vento e sua pele refletia a luz da lua que banhava o castelo, causando uma atmosfera mística. Tal cena encantaria qualquer privilegiado que tivesse a chance de vê-la.
Naquela noite, uma aura ainda mais sombria pairou sobre Vespaguem, como se a própria cidade entendesse as vontades da soberana. Mal sabiam as grandes massas que tempos turbulentos aguardavam os residentes da grande cidade-fortaleza.