Volume 1
Capítulo 5: As calças curtas
Arredores da fazenda do Touro Amarelo.
Um mês se passou desde a minha chegada ao bando dos Carrapatos, como eram chamados. O nome, apesar de ridículo, fazia uma referência direta ao apelido do seu líder.
Paciência não era o forte do grupo, e nem o meu. Um tempo antes do ataque à fazenda, juntei-me aos desgarrados nas jogatinas e bebedices diárias nos saloons para passar o tédio.
Embora não tivesse dinheiro nenhum, o bando contava com um grande montante resultado de saques pela região. Aparentemente o hobbie dos caçadores era a pratica desses delitos.
Vez ou outra, às tardes, quando o sol castigava bastante, colocava-me debaixo de uma árvore, à sombra, e dedicava-me à memorização do diário. Esforcei-me também à procurar informações acerca de Escorpião-Sorrateiro. Acompanhado de Vento-galopante, averiguei diligentemente a região. No entanto, tão furtivo quanto o seu nome, o aracnídeo desaparecera no deserto.
Aquele maldito não está em lugar nenhum! Já rodei por toda a vila e redondezas...
Era uma manhã bem cedo quando Enguia-Velha voltara da cidade com o carregamento de suprimentos a caminho da fazenda.
Antes de partir, amarrei Vento-Galopante em uma árvore. Deixei minhas pistolas e o diário com o animal, subi na carroça ao lado do velho e seguimos em direção ao rancho.
— Por que aquele lugar chama-se Rancho do Touro Amarelo? — Tentei quebrar o silêncio no meio do caminho.
— Quêeeee? — O velho olhou-me com uma cara de constipação.
— Quero saber o porquê das pessoas chamarem o rancho de Touro Amarelo.
— Nãaaaao. Num diga esse nome lá! Esse é um apelido de mal gosto!
— Sério...? Isso não estava no diário...
— As pessôa diz que o gado do sinhô Albert é doente! Poooor isso “Touro amarelo” ...
— Albert Licoln. Li esse nome n.
— O nome certo do rancho é Prudence!
Quê?!
— O quê?
— Quê, o quê?!
— Qual é o nome do lugar?
— Prudence!
Um momento, esse é o nome da fazenda que Escorpião-Sorrateiro disse que trabalhava! Será que o alvo dele é o mesmo do meu? Será que esse é o teste? Quem mata primeiro o mesmo alvo?
— Anda mais rápido, velho!
— Eeeeei! O que deu nocê, maluco?
Droga! Será que Escorpião-Sorrateiro matou o alvo antes de mim e por isso não há mais rastros dele? É lógico, ele conhecia a fazenda melhor que qualquer um! Não é justo, aquele maldito Xerife-da-Noite me passou para trás! Não é justo!
Meia hora depois a diligência chegou à fazenda.
Fiquei ansioso e indignado, pois acreditava ter perdido a oportunidade de sair de Lost Sun. Contudo, pensei comigo mesmo, se eu tivesse falhado, Vento-Galopante não teria me levado de volta? Ou será que ele não agia dessa forma? De qualquer maneira, deveria tirar a limpo a situação.
Os guardas do rancho liberaram o caminho. A carroça chegou até a casa grande.
Um guarda vigiava-nos enquanto descarregávamos a diligência. Peguei alguns sacos de trigo e levei até a dispensa onde ficavam as mercadorias.
Avistei a mulher dos desenhos contidos no diário. Ela orientava Enguia-Velha acerca do modo como empilhar os produtos. Era uma pessoa deslumbrante. Aparentava ser a governanta da casa. Tinha a pele branca como o leite e cabelos pretos como a noite.
Isso! É ela! Quer dizer que Escorpião-Sorrateiro não passou por aqui!
— Ei, bastardo! — Levei uma coronhada de leve na cabeça. — Por que está encarando a minha mulher?!
—D-desculpe-me, senhor!
O homem apontou-me uma arma. Usava um chapéu cinza, um colete e uma calça marrom. Tinha também uma barba cheia e um leve corte no olho direito. Sua aura era intimidadora
— Faça o seu trabalho e saia logo daqui!
— S-sim! Desculpe-me novamente pela audácia!
— Espere um instante...!
— O-o que foi?
— Você fala muito bem para um carregador de mercadoria...
Enguia-Velha me olhou com uma cara de “maldito imbecil! Nem para fingir!”.
— Aconteceu alguma coisa, meu senhor? — Elizabeth dirigiu-se ao guarda em busca de apaziguar a situação.
— Não, querida. Não aconteceu nada — disse o homem desferindo uma encarada mortal em minha direção.
— Posso ajudá-lo, rapaz? — falou Elizabeth dirigindo-se a mim.
— N-não. Está tudo bem, senhora! Onde eu guardo os sacos de trigo?
— Ah, eles vão para outro lugar. Venha comigo.
Segui a mulher até a outra dispensa. O marido dela perseguiu-me com os olhos irados e os dentes cerrados. Eram como água e óleo, uma mulher linda e simpática companheira de um ogro brutamontes.
Droga! O que eu faço?! Como eu despisto esse imbecil?
Acenei para Enguia-Velha em busca de um suporte tático.
Em seguida dirigi-me ao local onde deveria deixar os sacos de trigo.
— Devo deixar as outras mercadorias aqui também, senhora?
— Coloque os sacos de milho e trigo aqui. Os outros ficam dentro da dispensa na cozinha.
— Obrigado. Eu já volto com as outras coisas...
Caminhei novamente até a carroça. Enguia-Velha aparentava estar com dificuldades para retirar um saco de milho. Antes que o velho desmaiasse de tanto se esforçar, auxiliei-o na empreitada.
— Peguei duas facas na cozinha. Tome fique com uma — disse o velho discretamente entregando-me o objeto.
Guardei a faca e dirigi-me à dispensa com o saco de milho nas mãos.
— Papai! Papai! Olha o cavalinho de madeira que o Robert me deu! — Um garotinho dirigiu-se ao pistoleiro que montava guarda ao lado da mulher.
Droga! A mulher tem um filho com esse cara! Por mil demônios, o que eu faço agora? Matar criança é baixaria...
— Filho, agora não é hora! Volte a brincar com o Robert! — falou o guarda.
— Robert saiu com o senhor patrão! Eles foram para a cidade.
— Então vá brincar sozinho em outro lugar...
— Sinhô, Mark! — Um dos guardas da fazenda correu até o pistoleiro.
— O que foi, Edmund? — O capanga falou algo discretamente no ouvido de Mark — Quê?! Como?
— O que houve querido? — A mulher interrompeu.
— Elizabeth! Cuide do John! Preciso ir para a cidade imediatamente!
— Querido, está me assustando!
— Parece que bandidos atacaram Hodie. O senhor patrão pode estar entre os feridos...
Hodie? Aqui é a cidade de Hodie?! Fica perto Whitegrass... aliás, por que o bando iniciou o ataque? Eles não iriam aguardar a gente matar a Elizabeth primeiro?
— Enguia-Velha! — gritei o velho ao longe — o que está acontec...
— Faaaaça logo o seu trabáio, idiota! Num há mais tempo! — O velho atacou um dos guardas com a faca, apunhalando-o no pescoço.
— O-o que significa isso?! — Mark sacou a pistola.
Corri de encontro ao chefe da guarda e cravei a faca no lado direito da barriga, próximo ao estômago. O homem cambaleou e caiu.
Sua pistola ficou no chão. Peguei-a antes que o seu companheiro sacasse a sua arma e atirei no peito do sujeito.
A mulher desesperada segurou o filho pela mão e saiu destrambelhada sem rumo.
A cabeça a prêmio encontrava-se na minha mira, mas não fui capaz de realizar o ataque. Abaixei a pistola.
Segundos depois ouvi dois tiros. A mulher e o menino foram atingidos com uma precisão quase perfeita. Enguia-Velha dera um fim neles.
— Imbecil! Num era ela o seu alvo?
Estava em estado de choque.
— Vamo logo, aaaantes que tenhamo mais surpresa!
Corri desesperadamente sem pensar no corpo da cabeça-prêmio.
Subimos na carroça armados até os dentes para pôr fim à missão. Ainda estava chocado. Ultrapassei uma barreira intransponível e tornara-me oficialmente um monstro sem escrúpulos!
— Por que diabos o bando atacou antes da hora?
— Num foi antes da hora, iiiimbecil!
— Foi sim! O meu alvo era a Elizabeth!
— Eeeeu sei disso! Mas o nosso era o patrão!
— O quê? M-mas vocês tinha uma missão paralela...?
— Ocê aaaainda tá na fase de teste e achô que ia ficá com o filé mignon? Seu trabaio era causá tumulto na fazenda pra nóis matá o chefe do rancho. A fazenda é o lugá mais poderoso de Hodie, ou seja, desestrutru... desestruru...
— ... Desestruturar...
— É isso aí!
— ... Desestruturar a fazenda mitiga a integridade de toda a cidade...
— Sim! Seja lá o que for “mitiga”...
Hodie fora lavada em sangue. Mais uma chacina à vista dos meus olhos. Um cenário desolador da qual eu era cumplice.
O peso daquele massacre começava a pesar sobre os meus ombros. Se a constância trazia a indiferença, eu não havia me acostumado com aquilo.
O bando gritava e celebrava as mortes.
Mais uma cidade fantasma acabara de nascer.
— Dinamite! — Uma voz desesperada ecoou ao longe.
Bum!
Corpos desmembrados voaram pelo ar.
Ratá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá!
Uma metralhadora de repetição cantava sem respirar, estraçalhando o bando do Carrapato. Carrapato-Estrela tornara-se “Carrapato-Despedaçado”, a bela Gazela-Graciosa tingira seu cabelo de rubro pela última vez, com seu próprio sangue.
Era um ataque inimigo.
— São os almofadinhas! — Outro membro da gangue gritou escondido atrás de um cover.
Enguia-Velha e eu sacamos as armas buscando refúgio atrás da carroça.
— O que está acontecendo?
— Droooooga!! Solarius! Só que desta vez eles não estão de brincadêra! Trouxeram armamento pesado!
— Quem diabos é Solarios! — gritava desesperadamente. O barulho da metralhadora tornava impossível ouvir qualquer outra coisa.
— So-la-ri-us! Sãaao os caçadores de caçadores!
Olhei para fora do cover a fim de enxergar alguma coisa.
São os homens de branco! Iguais aqueles que protegiam o pastor em Riverline!
— Temo que ir pra Whitegrass!
— Ir para onde?
— Whiiiiitegrass! Os outros caçador estão lá! Uma parte do bando montou acampamento láaaa!
Enguia-Velha levantou-se para correr, mas não teve sorte. No instante em que pôs a cabeça para fora do abrigo foi atingido por uma saraivada de balas.
— Droga!
Rastejei-me até um lugar mais seguro. Assoviei para saber se Vento-Galopante magicamente aparecia para me salvar.
Escondi-me atrás de uma casa e corri para a mata a fim de refugiar-me entre as árvores. Novamente chamei o cavalo e continuei correndo sem olhar para trás.
Vento-Galopante veio trotando atrás de mim, e enquanto a montaria corria, grudei-me em seu pescoço e ajeitei-me na cela.
— Whitegrass! Whitegrass! — Era a única coisa que eu sabia falar naquele momento.
O animal disparou o mais rápido que pôde.
Algumas horas de cavalgada depois, chegamos na cidade.
Whitegrass! Finalmente estou em casa!