Volume 1
Capítulo 1: O Príncipe e a Águia
"O Amanhã não é, e nunca será uma promessa... Ele é a nossa marca... Nosso motivo para acreditar que ainda há esperança em alguma coisa."
— Magnus Wingsfield
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Em minha jornada pelo continente de Thâmitris, eu presenciei e aprendi diversas coisas sobre o comportamento humano. Para mim, está claro o quanto a humanidade pode pender para o bem ou para o mau nos mais diversos momentos e situações.
Eu conheci pessoas, enfrentei os mais diversos perigos, persegui mal feitores, e ainda assim... Mesmo após enfrentar a morte de perto, pude perceber quantas coisas eu ainda desconhecia sobre esse mundo.
Mas para que toda jornada tenha um grande significado, é preciso haver um grande motivo, uma força motriz que levará seu coração e sua mente ao limite, testando tudo o que você representa... Ou que acreditou um dia ser verdade. A realidade, é que uma jornada tem um ponto de início e só terá sido concluída se você conseguir alcançar seus objetivos.
Essa história que irei contar será sobre essa jornada, mas não é nenhum conto de fadas, ou uma história feliz que você vai acabar sorrindo com seu final. É uma história sobre a humanidade, sobre suas falhas e suas escolhas. Uma história sobre egoísmo, amor e consequências das escolhas traçadas por seus envolvidos.
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[Reino de Eldoria, 28 de Agosto de 795 da Era Mágica]
E foi assim que começou o dia mais importante da minha vida...
Os raios solares invadiam meu quarto ao tocarem minha pele, enquanto acordava sonolento de um descanso agradável. Fenrir havia adentrado meu quarto e estava sobre mim lambendo meu rosto. Ao abrir lentamente meus profundos olhos dourados, pude observar aquele pequeno lobo que continuava a tentar me acordar, com suas incessantes lambidas. E dessa forma, eu acordava em mais uma manhã na minha breve existência de quatro anos, no continente de Thâmitris.
— Tá bem tá bem! Eu já entendi... — Acalmei Fenrir enquanto começava a gargalhar, e como resposta, logo um pequeno, estridente e fofo latido foi dado a mim. — Eu já acordei amigão...
Meus cabelos negros e lisos estavam bagunçados, e ainda havia preguiça dentro de mim para conseguir me levantar daquela cama. Meu pai sempre me disse que não podemos depender de ninguém para fazer o que é necessário, e por isso deveríamos começar por levantarmos e ficarmos apostos logo de manhã. E foi seguindo esse ensinamento, que meus pés se moveram para fora da cama indo em direção da janela, aonde abri as cortinas logo em seguida.
O dia estava agradável, e de onde estava, era possível ver todo o Reino de Eldoria, a nação pelo qual eu tinha tanto orgulho. Eu havia nascido como um Príncipe Eldoriano, e o primogênito do Rei. As pessoas que andavam pela cidade, eram sorridentes, alegres e extremamente simpáticas umas com as outras. Com toda a certeza esse era o orgulho de meus pais, e talvez... O significado de ser um verdadeiro Eldoriano, ou pelo menos, era nisso que queria sonhar e acreditar.
Com determinação e coragem me trajei adequadamente para o dia que acabara de começar. Porém, algo na minha mente parecia dizer que estava esquecendo de alguma coisa importante, até que Fenrir finalmente latiu mais uma vez, e assim que ouvi uma das serviçais do palácio correr rapidamente do lado de fora de meu quarto, logo lembrei o evento importante que aconteceria no dia de hoje.
Terminei de abotoar minha camisa branca, calcei meu par de botas, e logo me pus a correr pelo palácio, em direção ao quarto dos meus pais. Ao chegar lá, acabei por esbarrar na figura de um homem alto, forte, de cabelos longos e negros, olhos escuros como uma obsidiana, e uma aura corajosa e inspiradora, digna de um verdadeiro Rei.
Assim que me viu, ajudou-me a levantar após o tombo que havia sofrido.
— Está tudo bem? Se machucou? — Sua voz era grave e extremamente presente, por mais que trouxesse junto a si a sensação de segurança e tranquilidade. — Não queremos que meu filho fique lesionado justo hoje... Não é mesmo?
— Eu... Eu estou bem papai, não me machuquei. — Aquele sorriso eu conhecia muito bem... Era a feição mais gentil e calorosa que se poderia querer nesse mundo. — Não precisa se preocupar.
— Mesmo? Se estiver sentido algo podemos ir a enfermaria do palácio... — Ele bagunçou ainda mais meu cabelo que mal estava penteado. — Você nem se quer penteou seu cabelo!
— Eu acabei esquecendo, na verdade fiquei muito entusiasmado e ansioso. — Não podia perder o dia hoje!
Então ele se aproximou de mim colocou sua mão em minhas costas, apontando para dentro do quarto, onde minha mãe estava deitada.
— Olhe... Sua mãe já está quase pronta para dar a luz a seu irmão. Max se tornará seu irmão mais novo no dia de hoje Magnus. — E ali pude observar minha mãe, esperando os momentos definitivos de sua gravidez.
Os longos e loiros cabelos da minha mãe brilhavam junto à luz solar que adentrava aquele quarto. Seus brilhantes olhos semelhantes aos meus, logo se fixaram em mim, deixando com que um sorriso gentil crescesse em seus lábios. Sua barriga estava enorme e nem conseguia imaginar como meu irmão, poderia estar ali dentro.
Mas uma coisa era certa, eu estava ansioso para poder vê-lo de perto o quanto antes. Eram muitas as coisas que gostaria de mostrar a ele, e até mesmo ensinar tudo o que o papai havia me ensinado. Dentro de mim crescia com clemência, uma vontade infinita de proteger e amar aquele ser que eu ainda nem havia visto, mas que por algum motivo, sabia que se tornaria a pessoa mais importante da minha vida.
Algum tempo depois, do lado de fora do palácio, tudo o que pude fazer foi esperar junto a Fenrir. Até que finalmente, ouvi o choro agudo do meu irmão mais novo. Olhei para Fenrir que me encarou inclinando levemente sua cabeça. Então corri de imediato com todas as forças que eu tinha até os aposentos dos meus pais novamente.
Assim que entrei pela porta vi meu pai ao lado da minha mãe que segurava um pequeno menino de cabelos loiros e olhos dourados, tão profundos e brilhantes quanto os meus. Ele chorava sem parar, mas ao me aproximar, um tanto receoso, lentamente seu triste choro foi sessando.
Meu pai cedeu seu espaço, e ao aproximar meu dedo no pequeno Max, ele o agarrou fortemente abrindo um enorme sorriso banguela. Eu nunca me esquecerei daquele dia tão especial, pois foi naquele momento que tudo mudou. Minha vida ganhou um novo significado. Eu fiquei observando seus olhos, enquanto ele me encarava fixamente também. E assim, uma gentil aura dourada tomou conta de nós, subindo em formato de águia acima de nossas cabeças. Um tanto quanto curioso sobre o que havia acabado de acontecer, meus olhos foram diretamente aos de meu pai, que claramente demonstrava surpresa, e não parecia acreditar no que estava vendo.
— Esse garoto... É abençoado por Hawlking também... — O olhar do meu pai estava fixo e incrédulo, mas ele não era o único naquele quarto a ficar daquele jeito.
— Bem... É o esperado... — Minha mãe soltou um sorriso fraco, enquanto pegou na mão do meu pai para tentar acalmá-lo.
[Reino de Eldoria, 17 de março de 803 da Era Mágica]
É incrível como oito anos da nossa existência passam de uma forma repentina, mas não posso negar o fato de que aproveitei todo esse tempo para me tornar o melhor amigo do meu irmão mais novo.
Nesses anos que se passaram, me dediquei ferrenhamente aos estudos da corte real, por mais que não fosse algo do meu agrado. Eu gostava de escapar sempre que podia para treinar com as espadas de madeira do quartel general dos soldados reais, e Max sempre me acompanhava.
Era menor e mais novo, porém muito mais ligado a livros do que eu, e assim, logo seus estudos sobre magia e até mesmo sobre aristocracia de forma geral, se tornaram bem superiores aos meus entendimentos. Meu irmão se tornou um prodígio em assuntos e opiniões políticas, ou até mesmo pensamentos matemáticos.
Já eu por outro lado, queria viver minhas próprias aventuras, batalhas, viagens, e enfrentar os mais diversos monstros, usando todo o meu potencial como guerreiro que havia crescido dentro de mim. Pois tinha pleno conhecimento de minhas habilidades com uma espada empunhada em minha mão.
O foco do meu irmão sempre foi a parte acadêmica, quem o treinava secretamente durante nossas fugas noturnas era eu. Por esse motivo, mesmo não sendo o mais astuto e habilidoso espadachim para minha idade, fiz o possível para que Max entendesse o conceito de esgrima, passando tudo o que nosso pai havia me ensinado.
Estranhamente, Max aprendeu de forma rápida a empunhar uma Rapiera. Eu segui o mesmo caminho do nosso pai, já que uma espada longa de uma mão sempre esteve atrelada a minha cintura depois dos 10 anos de idade.
Com o passar do tempo, eu e meu irmão começamos a entender de onde vinha toda a fonte do nosso poder especial, que se abrigava dentro de nossos corações. Quase como se fosse um elo que nos unia inconscientemente, desde o dia em que havíamos nascido.
Nossa mãe havia sido escolhida para abrigar dentro de si, uma das criaturas divinas do continente de Thâmitris. Assim eram conhecidos os tão falados deuses guardiões que traziam com sigo uma representação simbólica de sua natureza pessoal.
Dentre esses deuses, a Gloriosa Águia Dourada Hawlking, estava sendo guardada dentro da nossa mãe, que havia sido destinada a passar os poderes para seus sucessores, ainda que ela mesma não pudesse usá-los. Nossa mãe é a receptáculo guardiã da divindade que viria a se tornar o maior e o mais forte símbolo de Eldoria, e é sob as bênçãos da poderosa Águia de Trevas e Luz, que eu e Max nascemos.
De forma lógica, aprendemos a manifestar tais poderes com nossos estudos, mas por algum motivo, Max facilmente dominou o elemento de Luz da Deusa Águia, enquanto eu, apenas manifestei sua força dourada para fora de meu corpo.
Meus pais, Maximilian e Louise Wingsfield, sempre foram muito respeitados como os reis gentis e calorosos, e às vezes sinto que não estou atingindo suas expectativas, já que não consigo manifestar um dos dois elementos, mesmo sendo o mais velho dos irmãos.
— Magnus! Magnus! — Estava preso em meus próprios pensamentos e não consegui perceber Max tentando chamar minha atenção. — Ei Magnus!
—Ah! P-perdão Max. O que houve? — Seus cabelos loiros estavam levemente bagunçados, enquanto que seus olhos pareciam se destacar nos tons dourados do seu casaco real.
— Minha postura! Não consigo perceber se estou fazendo corretamente. — Ele tomou uma posição de combate ofensiva com sua Rapiera, deixando a ponta da lâmina pronta para uma estocada, partindo da altura de seu rosto.
Aproximando-me dele, corrigi seus pequenos erros de postura, e então pedi para que desferisse um ataque contra o boneco de palha. Cruzei os braços e o observei, deixando crescer um pequeno sorriso lateral enquanto Max girava sua Rapiera, que logo a guardava em sua bainha, da exata forma como uma vez já havia o ensinado.
— Muito bem! — Coloquei minhas mãos sobre minha cintura e vi seu sorriso ganhar vida naquela noite.
— Você está pensando no dia de amanhã não é mesmo? — Max se aproximou de mim com a mão sobre o pomo de sua espada. — Não acha que está se cobrando de mais irmão?
— Eu estou pensando sim... É o momento em que vou poder mostrar meu valor, mostrar que também posso me tornar alguém importante para o Reino. — Minha expressão de preocupação claramente havia tomado todo o meu corpo. — Eu sou o mais velho, mas todos acreditam em você para suceder o trono do nosso pai. Até mesmo eu.
— Sendo o próximo Rei ou não. Você prometeu estar sempre comigo. Não prometeu? — De forma gentil, Max pegou em minha mão, e ali naquele mesmo lugar, ele me abraçou fortemente. — Seja lá o que acontecer. Eu sempre estarei com você.
— E eu vou proteger você não importa qual seja o problema. Eu prometo que estarei sempre aqui. — Retribuindo o abraço de Max, pude sentir aquele mesmo calor reconfortante, que senti pela primeira vez quando ainda era um bebê.
— Jovem Mestre! Ah! Vocês... Vocês dois estão aqui. — Logo uma figura familiar entrou pela porta do local, parecia um pouco assustada. Era Miyuki Naomi, a serviçal real escolhida por meu pai para servir especificamente a mim. — Nós precisamos sair agora mesmo! Vamos ser pegos se vocês continuarem aqui!
Eu e Max nos entreolhamos, e então assentimos um ao outro com a cabeça, deixando as coisas em seus devidos lugares. Começamos a correr dali o mais rápido possível juntamente com a senhorita Miyuki, que nos guiou a um lugar seguro, e sem qualquer indício de que pudessem nos encontrar.
— Como sabia que estávamos aqui? — Perguntei a Miyuki, que carregava consigo uma lamparina que ardia em chamas. Miyuki e eu tínhamos a mesma idade. Seus cabelos negros eram cortados na altura de seu pescoço, e seus olhos da mesma cor emitiam uma grande aura de força e vida enquanto brilhavam com o fogo da lamparina.
— Digamos que eu sei tudo sobre o jovem mestre. — Um sorriso provocador se fez em seu rosto, e a partir dali aprendi quão assustadora ela também poderia ser.
Passamos pelo quarto de Max e o deixamos lá, e assim que os corredores do palácio ficaram sem qualquer indício de uma alma viva, de forma furtiva, rapidamente alcancei meu quarto e entrei de forma oculta ao seu interior pensando estar sozinho, mas uma luz se ascendeu atrás de mim, e nesse momento eu já sabia o quão encrencado eu estava.
— Onde pensava estar a essa hora da noite Senhor Magnus Wingsfield? — Meu pai estava escorado na parede de braços cruzados, olhando para mim seriamente com uma lamparina em sua mão. — Não acha que está muito tarde para voltar ao palácio?
— Eu apenas fui treinar um pouco... — Tentei argumentar, mas logo fui interrompido.
— Levando seu irmão mais novo junto? — E ali eu já não tinha mais o que fazer, não podia simplesmente dizer que estava treinando Max.
— Desculpe. Não pensei que poderia ser um problema levá-lo. — Baixei minha cabeça, apenas aceitei a situação para não piorá-la.
Meu pai sentou-se em minha cama, deixando a lamparina ao lado de seus pés, fazendo um gesto para que me sentasse ao seu lado, e assim eu o fiz.
— Magnus, amanhã é seu grande dia. Não sou nenhum grande estudioso também. Tenho a alma de um guerreiro assim como você... — Ele sorriu colocando a mão sobre meu ombro. — Mas é preciso ter disciplina. Não vai querer perder pro seu oponente por causa de cansaço mental, certo?
— Você tem razão. — Olhei para ele entendendo o que estava me dizendo. — Você sabe quem vou ter que enfrentar amanhã?
— Dizem que é o melhor entre todos os cavaleiros iniciantes da academia de espadas de Eldoria. E que está derrotando até mesmo cavaleiros veteranos. — Seu olhar se voltou ao luar, que estava lindo no céu noturno no lado de fora da minha janela. — Vai ter que dar seu melhor meu filho.
— Não sou nenhum grande sábio da magia pai. Mas... Eu confio na minha espada! — Confiantemente olhei para ele, que me retribuiu em um sorriso gentil.
— Sendo assim... Boa sorte amanhã meu filho. Vou confiar em você. — E assim sem mais qualquer menção, ele se levantou, piscou para mim e saiu pela porta do meu quarto.
Amanhã será o dia que provarei meu valor para todos em Eldoria, e eu não poderia simplesmente deixar isso passar, era a hora de fazer acontecer, e pra que isso se tornasse realidade, eu precisava dormir um pouco.
Naquela noite, eu sonhei com Hawlking, e que estava diante aquela enorme águia dourada que brilhava em meio a toda aquela escuridão. Sua imagem estava distorcida, mas claramente podia ver que ela parecia querer me guiar até algum lugar.
Assim que me aproximei, ela logo entoou um grito agudo, se fundindo ao meu corpo em seguida. Vi-me envolto de penas negras que tomaram todo o meu corpo, e naquele momento assustado com o que estava acontecendo acordei suando frio.
Já era de manhã, e não podia mais perder tempo naquela cama, era hora de levantar...
E dar início ao dia que iria começar.