Servo da Coelha Rebelde Brasileira

Autor(a): David/Diana Machado


Volume 1

Capítulo 9: Aliados

Digo-lhes que ainda não conhecem o verdadeiro potencial da magia se nunca ouviram falar dos demiplanos. "Ora, afinal, que é um demiplano?" Respondo-lhes: tolos! É pergunta que se faça quando lhes conto de um novo mundo, nem real nem irreal, mas algo além?

Feitiços Perdidos no Tempo, Ágnes El Rubio.


Quando abriu os olhos, Henry notou que flutuava em um espaço negro e vazio. Em sua vastidão, uma quantidade inumerável de pontos brilhantes pintava a escuridão interminável e nuvens ciclópicas pairavam sem propósito aparente. Onde estou...? Isto é... o espaço sideral? Então, dando um sobressalto, Henry prendeu a respiração.

Contemplou uma massa colossal de nuvens anis, um emaranhado tão denso e tão grandioso que só poderia ser descrito como uma nebulosa. Arcos elétricos explodiam em sua superfície a todo momento, percorrendo o corpo que se formava a partir do turbilhão de gases. Em pouco tempo surgiu uma águia, cujos olhos se assemelhavam a lagos de eletricidade e cintilavam como as estrelas no céu tropical.

Com as pupilas dilatadas, Henry assistia, abismado, ao espetáculo luminoso das suas penas reluzindo com os relâmpagos. As células do seu corpo imploravam para que escapasse dali. Seu instinto de sobrevivência o alertava para a morte iminente. Mas do que adiantava? Não conseguia sequer externalizar o grito acorrentado em sua garganta.

"A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido". Fez uso de uma das poucas citações das quais ainda se recordava para descrever a si mesmo o que testemunhava.

— Esta é a primeira vez que consigo estabelecer contato com você. É um prazer conhecê-lo.    

A águia tinha uma voz trovejante e ensurdecedora, grave o suficiente para chacoalhar os órgãos internos de Henry e machucar seus tímpanos.

— Ha-ha-ha-ha! — A ave riu como uma barragem de artilharia. — Não tema, pequeno humano!

— "Não tema...?" Que porra é essa?! O que é você? Onde estou? O que fez comigo?!

— Ainda não descobriu? Vejo que é mais tolo do que eu esperava! — A águia zombou e assumiu um tom mais sério: — Não se preocupe. Estamos em um demiplano, uma dimensão artificial. Você estava aprisionado por magia em seus sonhos. Demorou, mas percebeu e passou no teste. Não me arrependo de ter continuado com você.

Teste? Que teste? Foi você quem lançou a magia?! — Henry vociferou em uma vã tentativa de impor dominância.   

— Não se precipite, garoto. Não tenho envolvimento nisso, embora saiba que verdadeiro desafio começará quando acordar. Dê o seu melhor, pois tenho sede de ação!

Antes que Henry pudesse interrompê-la outra vez, a águia se adiantou e declarou:

— Nosso tempo está se esgotando. Seu próximo teste será desfazer meu selo. E aconselho que o leve a sério, se não quiser sentar no colo de Abyssos. Até a vista, meu servo.

De súbito, ele sentiu seu corpo ser sugado, comprimido e alongado. Girou milhares de vezes em torno do seu próprio eixo e foi disparado em direção ao infinito. Incapaz de acompanhar os movimentos inumanos aos quais estava sendo submetido, Henry não resistiu e, pela terceira vez no dia, desmaiou.

— Uuuh!

Inspirando todo o ar que era possível, Henry ergueu a metade superior do seu corpo. Sua pele estava úmida do suor e seu estômago parecia furado. Seu cérebro borbulhava com uma forte dor enquanto ele buscava organizar seus pensamentos. Mais um sonho?

Ao inspecionar os arredores, julgou sem sombra de dúvida estar em seu quarto. A lamparina estava apagada e as cortinas continuavam fechadas. Embora estivesse um breu, não havia um único detalhe diferente de como havia deixado. Apenas para ter certeza, Henry beliscou a própria bochecha, testando um método clássico da cultura popular, e sentiu seus nervos uivarem.

Parece que estou mesmo acordado. Pegou um copo de água na cômoda e bebeu de uma vez. Shit. De Tanya Degurechaff a Glenn Radars? Balançou a cabeça em desaprovação. Abrindo a gaveta de cima da cômoda, Henry retirou três peças de roupas bem dobradas. Da gaveta de baixo, pegou um par de botas polidas. Por último, abriu a gaveta do meio, recheada de uniformes escolares. Ele os despejou sobre a cama e, com uma pequena chave, retirou o fundo da gaveta.

Retirou do compartimento um sabre, uma adaga e um objeto em forma de "J" feito de madeira e com partes metálicas. Carregou o objeto com um pó cinza e socou em sua abertura uma bolinha de chumbo utilizando uma vareta. Não consigo entender. Minha missão é proteger a garota ou a Academia? E por que alguém atacaria este lugar? Droga, são muitas perguntas e poucas respostas...

Camuflado pelas roupas negras na escuridão da noite, Henry se esgueirou até o Dormitório Nêmesis. Carregava o sabre na cintura, preso por cinturão de couro e disfarçado sob a capa marrom. Será que ela também está naquele mundo dos sonhos? De frente para o quarto de Ágnes, ele bateu na porta.

Toc-toc.

Passou-se um minuto e não veio nenhuma resposta. Repetiu o processo. Nada. E a porta estava trancada. Se não fosse pelo estridular dos grilos, o local estaria em silêncio absoluto. Impaciente, Henry tomou distância para arrombar a porta com o peso do seu corpo.

Click!

Quando estava prestes a se lançar contra a porta, ouviu o estalar da fechadura e interrompeu o movimento no último segundo. De repente, a porta se abriu e revelou um par de olhos verdes espreitadores.  

Ameaça... Ameaça...

— Você estava planejando derrubar minha porta, energúmeno?

Henry não respondeu. Também não parecia que responderia em breve. Vendo aquilo, Ágnes deu de ombros.

— Bem, não importa. Tem assuntos a tratar comigo, não é? Entre.

Henry concordou com a cabeça e se dirigiu para a cama, onde se sentou. Ágnes, que trajava um pijama rosa de mangas longas, trancou a porta novamente. Ela não parece instável. Isso facilitará as coisas. De qualquer forma, fico feliz que esteja segura. Ágnes colocou a chave do quarto sobre a mesa de cabeceira e se sentou ao lado de Henry.

— Por que está acordada a esta hora? — disse Henry com uma compostura anormal. — Aconteceu algo?

— Como é? — Ágnes semicerrou os olhos e os cravou na alma de Henry. — Você ainda tem a cara de pau? Mesmo se eu estivesse dormindo, teria acordado com as batidas na porta. Seja direto. Eu sei o porquê de estar aqui e não gosto de enrolação.  

— Peço desculpas. Sendo assim, é seguro presumir que a Academia inteira está sob esse efeito?

— É provável. Feitiços de ilusão raramente atacam um único alvo. E este é um dos poderosos. Esta enxaqueca deve ser uma das sequelas.

— O que você acha que isto é? Algum tipo de treinamento surpresa?

— Que tipo de professor faria algo assim com seus alunos...?  

Henry esboçou um sorriso. Você ainda pergunta? 

— Pode ser um ataque terrorista. Esta academia guarda algo de valor?

— Não, eu acho. Talvez eles queiram nos sequestrar e pedir um resgate milionário?   

— Se quisessem isso, não teriam utilizado um feitiço como esse. O buraco é mais embaixo. Permita-me compartilhar com você o que descobri. Acredito que utilizará as informações melhor do que eu.

— Farei o que estiver ao meu alcance para ajudar. Não abandonarei meus colegas de maneira alguma.

Ágnes o encarava com firmeza. Sua determinação não vacilava, apenas aumentava. Seus colegas praticam bullying com você e ainda quer salvá-los? É isto que eu chamo de cavalheirismo.

A explicação de Henry sintetizou o que conhecia do feitiço denominado por ele de «Matrix». Ágnes complementou alguns de seus pontos. Ela também investigara a magia em seu sonho.

— Agora precisamos de aliados confiáveis. Onde mora aquela loira de cabelo de parafuso?

— Hum, Rozalia? Ela vive no terceiro andar, no quarto número oito. Você deseja inclui-la no nosso grupo? Por quê?!

— A cavalo dado não se olha os dentes. Verifiquei os antecedentes dos nossos colegas e me consta que ela é a melhor maga da nossa turma. Cuidarei dela. Vá atrás de Beaufort.

— Humpf... Entendido, capitão.

Capitão, huh? Hu. Ela é fofa quando é obediente. Talvez eu a faça me chamar assim com mais frequência. Após fazer um pouco de birra quanto a seguir as ordens do próprio servo, Ágnes se rendeu e os dois saíram em suas designações.



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