Volume 1
Capítulo 11: No Topo da Torre de Babel
Diria que o mesmo fenômeno ocorre com a lua e suas sete cores. Afinal, por que outro motivo a lua mudaria de cor todos os dias? Apenas para nos dar ideias para os nomes dos dia da semana? Nossa mãe não seria tão simplista.
Os Princípios da Magia, Santa Hélène de Draconville.
Subir a escadaria da torre se provou uma tarefa deveras cansativa. Mesmo Henry e Leonard, dois jovens atléticos, tiveram que parar algumas vezes para recuperar o fôlego.
— Prepare-se, Leonard — sussurrou Henry desembainhando o sabre. — Seja quem for nosso inimigo, está além desta porta. Alea iacta est. — Fez um gesto com a mão para chamar o colega.
Suando frio, Leonard engoliu em seco e seguiu seus passos. Eles espreitaram pela brecha da porta que separava a escadaria do terraço...
ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ ゴ...
Emoldurada pela lua violeta estava uma mulher de pele negra e de corpo maduro, que trajava um vestido vinho com um ousado decote em "V". Estava no meio da torre, no que parecia ser uma espécie de altar. Abaixo de seus pés havia um heptagrama feito de um pó púrpura, com um incenso encarnado aceso em cada vértice e uma jarra de ouro no centro.
— Parece que temos convidados, Kenshi. Por favor, dê-lhes as boas-vindas. — A mulher apontou uma varinha macabra na direção dos garotos.
Ela tinha um alarme mágico na porta... Henry chiou. O homem sentado em um dos merlões da amurada da torre, Kenshi, vestia um quimono preto e carregava uma nodachi no ombro, cuja lâmina sanguinária refletia o luar. Chamava atenção na sua aparência uma venda branca sobre os olhos, bordada em dourado com uma escrita incompreensível.
Kenshi se colocou entre os garotos e a mulher e assumiu uma postura de batalha. A dupla juvenil abandonou a cobertura da porta e se aproximou, dando os primeiros passos na pequena escadaria do altar. O topo da Torre de Babel adquiriu uma atmosfera ameaçadora enquanto os dois grupos se encaravam em silêncio...
— Crianças como vocês não devem se envolver em assuntos de adultos. Pouparei suas vidas se derem meia-volta e saírem caladinhos.
— Ou o quê? — Henry fixou o olhar em Kenshi, manifestando um grandioso espírito beligerante. — Vai nos fazer descer os degraus?
Entretanto, Leonard hesitou e deu um passo para trás. Henry cuspiu no chão e subiu um degrau, inabalável em sua resolução.
— Oh, então você vai se aproximar de mim? Mesmo com seu amigo recuando com o rabo entre as pernas? Em vez de fugir, você vai se aproximar de mim?
— É para acabar com você na base da porrada. — Henry sorriu.
Mas aquele não era um sorriso comum. Um sorriso que advinha de experiências ou de emoções positivas. Não... aquela era a expressão do entusiasmo de um homem que apreciava o conflito e sorria diante do perigo. Naquele momento, as pessoas no topo da torre puderam visualizar aura belicosa emanada por Henry...
Ameaça...
Parecia que um fantasma índigo flutuava atrás dele. Tinha traços femininos, embora não fosse possível identificar o sexo com precisão. Não tinha braços, mas asas, as quais abraçavam o pescoço e o peito de Henry. Para a surpresa de ninguém, a fantasma possuía o mesmo sorriso daquele que assombrava.
Henry dobrou os joelhos sobre os dedos dos pés e distanciou as pernas. Colocou uma mão na cintura e apontou o sabre na direção de Kenshi:
— En garde.
Em resposta, Kenshi segurou a nodachi com ambas as mãos e atacou.
Tim tim!
As faíscas das duas colisões iluminaram a noite e os duelistas recuaram. Que rápido! Eu não vi nada! Leonard ficou perplexo. Apesar da luz da lua cheia, ainda era difícil enxergar o que acontecia. Recordou-se, então, do frasco que Henry bebera pouco antes de passar pela porta. Será que...
Tim tim tim!
Os golpes eram trocados em uma velocidade incrível. Leonard só conseguiu discernir fintas e acrobacias. Como ele está...? Nenhum estudante normal do Ensino Avançado deveria possuir semelhante técnica na esgrima...
Tim tim! Tim tim!
Contudo, mesmo alguém lerdo como Leonard notou algo preocupante. Ainda que fosse um excelente espadachim, Henry mal conseguia acompanhar o oponente. O ímpeto dos impactos da nodachi o empurrava para trás e ele se esforçava para se manter de pé.
Para piorar, Henry não havia conseguido atingir Kenshi nem uma vez. Talvez a enxaqueca estivesse pesando em seu desempenho. Esse homem... é um monstro... Leonard pensou, ao se dar conta do quão desgastada estava a lâmina do sabre de Henry. Surreal...
A intensidade da batalha continuava a aumentar. Porém, após ser acertado de raspão algumas vezes, Henry recuou alguns passos. Kenshi endireitou a coluna e relaxou a guarda.
— Garoto, seus ataques são imprevisíveis. — Kenshi sorriu. — Você é tão digno de meu respeito como meus rivais. Meu nome é Gushiken Kenshi. Qual é o seu?
— Sinto-me honrado por suas palavras, Gushiken Kenshi. Meu nome é Henry Atwater.
— Por favor, reconsidere minha proposta. Seria um desperdício eliminar um prodígio como você.
— Agradeço pela preocupação, Kenshi, mas eu me recuso.
Na verdade, Henry não estava confiante da vitória. Sabia que só não estava morto por um capricho do adversário. Ele sequer conseguira ferir um homem que não tinha intenção de assassiná-lo. Entretanto, não podia fracassar em sua missão. Que seja. Resignou-se com um suspiro e cortou o vento em um semicírculo, deixando a ponta apontada para o chão.
Enquanto isso, Leonard se esgueirava na ponta dos pés pela sombra da amurada. Seu objetivo era atacar e atrapalhar a concentração da conjuradora. Como ela estava focada no feitiço, não havia percebido sua aproximação. Aquele era um plano astuto, algo raro, vindo de Leonard. Para executá-lo, usaria não mais do que os próprios punhos.
No entanto, quando ele se preparava para dar o bote...
— Há!
...Kenshi saltou em sua direção, a nodachi brandida acima de sua cabeça. Leonard congelou; não conseguiria reagir.
— A-ah...!
Tim!
Prestes a decapitar Leonard, a lâmina mudou de rumo e desviou a trajetória da ponta do sabre. Ainda com o corpo esticado, Henry havia realizado uma majestosa estocada. Caindo no chão como um saco de batatas, Leonard se arrastou para longe e se encolheu na amurada. Henry entrou na sua frente para protegê-lo.
Chin!
Kenshi contra-atacou, mas Henry escapou ileso com um salto para trás.
— Leonard, esta situação está além de sua competência. Deixe-a comigo. Fuja!
— Capitão, minha honra estará arruinada se eu fugir da batalha — Leonard gemeu. Perceber, na realidade, que havia pessoas capazes de colocá-lo no bolso era ultrajante. Era como uma apunhalada em seu orgulho. — Eu preferiria a morte!
— Leonard! Recue para a base e proteja Navi. O inimigo não o perseguirá. Vá!
— Capitão... Não posso fazer isso. Não posso apenas deixá-lo parar morrer!
Embora estivesse ciente de sua própria fraqueza, Leonard não se permitiria abandonar um companheiro em batalha. Mesmo sendo uma ordem de um superior, ele não a obedeceria. Afinal, aquela hierarquia não passava de um improviso barato.
Henry mordeu seus lábios. Sabia que havia um elevado risco de insubordinação em sua recém-formada unidade. Droga de moleque orgulhoso. Não posso fazer nada. Já lavei minhas mãos. O que acontecer a ele é responsabilidade dele.
Interpretando o silêncio de Henry como sinal verde, Leonard se levantou. Seu corpo tremia e era evidente que ele estava amedrontado. Não planejo ficar em dívida com o senhor, capitão. Se o senhor salva minha vida, eu também devo salvar a sua. Ele estendeu o braço e seu anel dourado cintilou.