Volume 2
Capítulo 55: O Possível e o Impossível (2)
Seol Jihu viu a lâmina do machado. Era o fim.
No momento em que colidiram, sentiu uma mistura de desorientação e cegueira momentânea. Todos os outros sentidos pareciam estar adormecidos.
O som metálico não pôde mais ser ouvido e ele também não sentiu a dor do corte. Parecia que o tempo havia parado mais uma vez. Porém, isso durou apenas alguns segundos.
— Hã?
E, logo em seguida…
— Ah.
Uma dor horrível o atingiu.
— Huuuaaaaaakkkk!!
Se pudesse, teria gritado alto o bastante para estourar as cordas vocais. Contudo, a dor nem o permitia abrir muito a boca. Sentia que os músculos dos ombros tinham sido rompidos e arrancados fora. Era difícil descrever tudo em palavras. Entretanto, o que mais o deixava desesperado era o fato de não conseguir sentir nenhum dos braços.
Parecia que tinha perdido os membros superiores com o impacto da colisão.
“Eu não devia ter avançado…”
Arrependimentos começaram a surgir. Se foi contratado como um carregador, devia apenas continuar quieto. Por que teve de partir para cima?
“Eu morri?”
Percebeu que os sons dos arredores também estavam abafados, dando a impressão de que ele estava tentando escutar algo debaixo da água.
Se estivesse mesmo morto, não deveria sentir dor. Então…
— Ahh!! — exclamou, conseguindo liberar-se do transe.
A primeira coisa que viu foi um enorme machado muito próximo do seu rosto. Os dois braços ainda estavam presos aos ombros. A lança estava sendo pressionada contra a arma do inimigo, impedindo-a de avançar ainda mais.
Ficou atordoado. Apesar de ter a impressão de que os seus membros superiores seriam esmagados a qualquer momento, foi ele quem defendeu o ataque. No entanto, apesar de todo o medo e hesitação que sentia, continuava parado resistindo o máximo que podia.
Aquele era um momento crítico. Qualquer movimentação errada de alguns dos companheiros significaria o fim de toda a expedição.
— Hrrrr?
A luta ainda não tinha acabado. Estava muito próximo do monstro, que fora pego de surpresa pelo Marca de Ouro. Porém, a Lioner fêmea sabia que o humano na sua frente não era páreo para as habilidades que tinha. Então, a criatura apertou ainda mais o cabo do machado e começou a aplicar ainda mais força contra o oponente.
— Uuuhhh! — gemeu o Guerreiro, sentindo a pressão aumentando.
O prazer de estar vivo que sentiu durou apenas alguns segundos. A sensação que tinha agora era a de uma lâmina aproximando-se cada vez mais da sua testa, fazendo com que sangue começasse a contornar os olhos.
Os pensamentos que tinha diziam que era um milagre ele ter resistido até aquele momento e que seria impossível continuar. No instante em que tais ideias começaram a ganhar força, as “emoções”, antes submersas em camadas de preocupação, retornaram para a superfície. Teve a impressão de que, após muito tempo no fundo de um oceano, finalmente pôde chegar ao nível do mar e respirar.
“Mas por quê?”
Será que já tinha se decidido? Parecia que estava se esforçando ao máximo alguns segundos atrás.
— Merda… — reclamou, segurando o cabo da lança com ainda mais força. Naquele momento, as palmas das mãos já estavam todas rasgadas e doíam muito, mas não tinha tempo para se importar com isso.
Passou a encarar o inimigo com raiva, transformando toda a insegurança em determinação. O olhar, antes repleto de incerteza, agora havia recuperado o brilho, e começou a “negar” todos os pensamentos negativos que emergiam.
Respirou fundo e…
— Ahhhhh!! — Convocou toda a força que tinha e começou a circular qualquer resquício de mana por todo o corpo.
O poder adormecido, que nunca havia sentido antes, também conseguiu sair das profundezas de si mesmo. A incrível energia guardada preencheu todo o seu organismo e se concentrou nos braços, fazendo com que a lança começasse a zumbir com um estranho som. Sentiu o rosto ficando vermelho, o que foi acompanhado por um esforço absurdo com todos os músculos do próprio corpo.
Fecha!
Cerrou os dentes e, aos poucos, começou a erguer mais os braços. Neste momento, todos os outros puderam ver “aquilo” — a cena que desafiava o senso comum.
— Aaaaaaaahhhhhhhhhh!!
Era a cena da lança de Seol Jihu levantando o machado da Lioner fêmea.
A arma, que antes o pressionava, agora estava um pouco acima da sua cabeça e, aos poucos, afastando-se ainda mais. A criatura também estava se esforçando ao máximo, já que era possível ver os braços do monstro tremendo de força. Porém, mesmo assim, ela não conseguia resistir.
Estando contra um poder que nunca tinha visto antes, os olhos da besta começaram a se arregalar, revelando uma expressão de pânico. Em seguida, ela não aguentou e deu alguns passos para trás, fazendo com que o Marca de Ouro perdesse um pouco o equilíbrio.
Sim, o oponente havia recuado. Portanto, os olhares de todos os outros membros da expedição, assim como o da Lioner, mostravam-se ainda mais incrédulos com aquilo tudo. Acompanhado de toda essa cena, uma flecha a penetrou.
Aquilo era algo que não devia acontecer. Um Guerreiro Nível 1 estava conseguindo resistir contra um oponente mais forte do que um Guerreiro Nível 4.
“Eu preciso apunhalá-la…”
Porém, após alguns segundos, toda a sua força o abandonou. As pernas pararam de se mover, fazendo com que ele se ajoelhasse. Uma sensação de dormência cobriu o corpo do jovem, forçando-o a quase cair no chão.
Aproveitando a situação, a Lioner fêmea ergueu o machado no momento em que viu o humano ofegante no chão. Sabia que devia matar o Mago primeiro, mas o medo que sentiu segundos antes a alertava que aquela pessoa devia morrer primeiro.
Pzzzzt!!
Naquele momento, uma linha de eletricidade se aproximou como uma lâmina e cortou a mão direita da criatura, fazendo com que o machado caísse no chão e o monstro urrasse de dor.
Seol Jihu viu tudo isso caído no chão, mas logo sentiu um tapa nas costas, distraindo-o.
— Hã?!
— Boa, garotooo! Bom, muito bom! — Exclamou o sempre calmo Dylan, com um sorriso no rosto.
— Ahahahahaha!!
Depois disso, sentiu alguém passando a mão na sua cabeça. Chohong se aproximou, o encarou por alguns segundos, e logo também começou a rir.
— Ahahahahahaha!
Samuel também começou a rir e deu um tapa no ombro do Marca de Ouro quando foi para perto do jovem.
“O que esses caras estão fazendo?!”
— Por que você…
— Porra! — Estava prestes a dizer “Por que caralhos vocês estão me batendo?”, mas Hugo gritou antes.
— Uwaaaaahk! — Exclamou o Guerreiro Nível 4 em uma mistura de excitação, prazer e felicidade.
Seol Jihu encarou Hugo como um idiota, enquanto ele segurava o machado com muita mais energia que comparado a antes. Em seguida, o jovem sentiu algo abraçando o seu pescoço. Era Alex.
— Muito bom!! Muito bom mesmo!! — falou o Sacerdote, com um tom de voz bem alto e quase começando a beijar o companheiro.
— Seol colocou a própria vida em risco para criar essa oportunidade pra gente! — falou Dylan, falhando em esconder a própria felicidade.
— Apenas alguns deles sobraram. Vamos matá-los!!
As ações de Seol Jihu encorajaram os membros da expedição, que avançaram com as energias renovadas. Segundos depois, a Floresta da Negação estava completamente preenchida pelo barulho das armas atingindo os Lioners.
***
A batalha não durou muito. Na verdade, o desfecho daquela luta já estava decidido no momento em que o ataque surpresa da Lioner fêmea não deu certo. O líder dos inimigos tinha planejado matar o Mago e o Sacerdote, mas não contava com a interferência do Marca de Ouro. Porém, apesar de ninguém ter morrido, o grupo não tinha tempo para festejar a vitória. Portanto, no momento em que tudo aquilo acabou, Ian usou mais um “Motus Stabilitatem”, um dos feitiços que ele havia “memorizado” e fez com que todos bebessem mais um frasco daquele medicamento misterioso.
Após conseguirem se acalmar, o grupo conseguiu criar uma nova organização. Alex ficou mais próximo de Hugo, o mais ferido, e continuou a lançar milagres no amigo, já que poções de cura pareciam ser suficientes para os outros se recuperarem. Enquanto isso, Dylan, Samuel e Ian discutiam após pedir para todos recolherem os armamentos largados pelos inimigos.
Lioners tinham uma tendência de nunca abandonar as áreas que designavam como casa. Portanto, o incidente de uma matilha, contendo uma líder, era algo que não podiam ignorar ao considerarem continuar avançando ou não. Claro, o problema era não conseguirem descobrir o motivo daquelas criaturas, que normalmente viviam em áreas montanhosas, estarem vivendo ali.
— É como ler sobre a Invasão Bárbara durante o Período de Migração da Terra — falou Ian, após pensar por algum tempo.
— Oi? — indagou Dylan, confuso com a menção à história européia.
— Ah, não, esquece. É apenas uma especulação. Pode deixar que eu irei me responsabilizar por tudo e reportar o ocorrido para a família real assim que retornarmos. — O Mago pensava que não seria sábio postergar um problema que não podiam resolver. Por fim, virou-se para Samuel. — E a expedição…
— Eu gostaria de continuar, se você não se incomodar — disse o Explorador, parecendo estar esperando por aquele momento. — O nosso objetivo deve estar perto. Como não é uma tumba secreta, acho improvável dela estar escondida. Se eu não conseguir achá-la em uma hora, não, 30 minutos, nós podemos retornar. — Ao invés de estar cego pela ganância, parecia que o líder da exploração estava desesperado.
— O que você pensa sobre? — perguntou o Mago.
— Quantas vezes você ainda pode lançar aquele feitiço? — indagou Dylan, após pensar um pouco.
— Duas vezes. Mas ainda tenho bastante poções de cura.
— Se é assim, acho que uma hora é possível. Como já derrotamos os Lioners, também não temos nenhum perigo imediato. E, o mais importante, ninguém morreu. Porém, com o Alex tendo perdido o artefato que carregava e com a arma de Seol quebrada, precisamos considerar o nosso poder de luta reduzido.
— Hm? O que aconteceu com a arma dele?
— Foi o que eu ouvi. — disse Dylan, olhando para Seol Jihu, que tentava recolher os pedaços da sua lança destruída do chão. Chohong estava fazendo o melhor que podia para consolá-lo. No momento em que a luta terminou e ele parou de usar mana, rachaduras se formaram por todo o cabo da lança, que se dividiu em vários pequenos pedaços.
— Bem, ela aguentou muitos ataques, né — murmurou Ian. Contudo, algo estava estranho. Se a lança tivesse se partido ao meio, tudo bem, mas ela se despedaçar toda? Para começo de conversa, já era inimaginável aquela arma e o seu portador terem aguentado tanto tempo contra uma força tão absurda quanto o da Lioner fêmea, mesmo que por alguns segundos.
— Se não fosse por aquele cara ali, eu já estaria morto.
— P-Perdão. Eu não esperava que outro aparecesse por trás — desculpou-se Samuel, fazendo com que o Mago desse uma risada.
— Tudo bem. Nem eu esperava que a fêmea participasse.
— Nem você, mestre Ian?
— A razão entre os sexos dos Lioners favorece muito os machos. É por isso que o bando sempre irá proteger ao máximo toda fêmea que nascer com todas as forças que tem. Apesar de possuírem uma força imensa, é raro que participem de batalhas. Bem, de qualquer forma… — Ian coçou a barba e deu um sorriso. — Se você concordar em me fazer um favor, eu também concordo em continuar.
— Um favor?
O Mago aproximou-se de Samuel e sussurrou.
— Certo, vamos. Eu também estava pensando na mesma coisa.
— Ótimo. Vamos.
Os três homens se aproximaram de Seol Jihu. Ian se ajoelhou e pegou um pedaço da lança e pareceu ter pensando em algo.
— Parece que essa lança estava cheia de magia, não é?
Quando ouviu alguém falando, o Marca de Ouro olhou para trás. Tentou disfarçar para não parecer tão triste, mas não conseguiu esconder o descontentamento que sentia.
— Você a comprou na Zona Neutra? Não era uma magia muito incrível, mas parece que ela era capaz de reduzir um pouco o impacto. Foi por isso que você conseguiu se defender?
Na verdade, era melhor dizer que a lança foi danificada de dentro para fora por não conseguir suportar a mana de Seol Jihu. Dessa forma, Ian apenas presumiu errado o motivo por não saber que o nível do companheiro naquele quesito era Intermediário (Superior). Afinal, o jovem era apenas de Nível 1.
Independente da situação, aquilo era um problema bem grande para o Marca de Ouro. Havia comprado a lança mais cara disponível na Zona Neutra e ela quebrou antes que a pudesse usar apropriadamente. Estava fazendo o melhor que podia para suprimir as emoções, já que estava na Floresta da Negação, mas sentia-se um pouco frustrado naquele momento.
Ao perceber que o jovem estava bem abalado com a perda, Ian tossiu e sinalizou com os olhos. Em seguida, Samuel se aproximou e deu tapinhas nas costas do companheiro.
— Não precisa ficar tão triste, está bem? Eu tenho duas ótimas notícias para você!
— Hã?
— Por ora, decidimos continuar a expedição. Se eu estiver correto, devemos achar a tumba em pouco tempo.
— Certo.
— E é possível que haja alguma lança muito boa dentro da tumba. Na verdade, não importa. Se vendermos alguns dos itens que acharmos ali, você vai poder comprar várias lanças ainda melhores!
Seol Jihu balançou a cabeça em confusão. Um carregador não tinha o direito de pedir quaisquer artefatos que fossem achados durante a expedição. Em outras palavras, para ele, não fazia diferença se a expedição continuaria ou não. Então qual eram as boas notícias?
— E… — Samuel pegou a bolsa que estava próxima ao jovem e chamou os outros carregadores. Como já estava um pouco insatisfeito com o desempenho daqueles outros dois, não se importou em oferecer mais um pouco de bagagem para que carregassem. Em seguida, encarou o Marca de Ouro e piscou um dos olhos.
Após algum tempo encarando o líder da expedição sem entender muito bem a situação, ele finalmente conseguiu entender os motivos daquelas ações.
— Sério?
— Claro! E não só eu, mestre Ian e Dylan também concordaram. E mais importante, se nós não reconhecermos como membro da expedição o Guerreiro que conseguiu nos defender do ataque de uma Lioner fêmea, como poderíamos reconhecer qualquer outra pessoa?
Aquelas palavras eram bem respeitosas. Afinal, Seol Jihu conseguiu fazer algo que nem mesmo Grace, uma Guerreira Nível 3, foi capaz.
— Mas você tem que se preparar, meu irmão — disse Samuel, colocando um dos braços ao redor do ombro do Marca de Ouro com um sorriso no rosto. — Como estamos no meio de uma expedição, nós vamos ficar quietos, mas, logo que voltarmos, iremos te fazer muitas perguntas. Estamos curiosos sobre muitas coisas.
Não se importou com aquilo. No momento, estava muito feliz em ser reconhecido como um membro da expedição para pensar em qualquer outra coisa. Porém, é lógico, não podia expressar tudo o que sentia, já que estava no meio da Floresta da Negação.
Pouco tempo depois, Samuel anunciou o Guerreiro Nível 1 como o novo membro da expedição e organizou uma nova formação, que era bem parecida com a original. A única coisa diferença era que Seol Jihu agora estava mais à esquerda, ao lado de Chohong. Após se prepararem, eles continuaram a caminhar.
Cerca de 20 minutos depois, o Explorador achou o local em que a tumba estava.