O Retorno da Gula Coreana

Tradução: Teverrr

Revisão: Melo


Volume 1

Capítulo 24: Revelação do Poder Oculto

— Informação boa?

— Aquele homem. Talvez ele não seja filiado ao Sinyoung. — Ao ouvir aquelas palavras, Agnes demonstrou uma feição de surpresa.

— Não tem como. Com certeza Kim Hannah…

— Sim, a senhora Foxy é filiada ao Sinyoung. Mas o importante é que o carimbo dourado não foi emitido por eles.

— Como assim?

— Nossa investigação descobriu que o Templo da Gula foi quem garantiu o carimbo a ela.

— Ter um Marca de Ouro enquanto o Sung Shihyun ainda tá desaparecido. Não acha isso muito suspeito?

— No mínimo estranho… — Abaixou a cabeça e fechou os olhos na tentativa de organizar o pensamento.

— Claro, nada está certo. Não importa muito se a senhora Foxy o guiou para Sinyoung. Eles e nós, em Sicília, podemos não ter a melhor das relações, mas ela não deixa de ser amigável.

— Nesse caso…

— Pode deixar que eu dou um jeito na Maria por você. Ela não deve se opor mesmo.

— Tem certeza de que quer que eu me envolva? Do jeito que sou, com certeza irei até o fim.

— Sem problemas, Sargenta de Treinamento Agnes. Vai com tudo. — As expressões de Cinzia ficaram mais sérias. — Sun Shiyun era um Irregular com uma Marca de Ouro e aquele cara também é um Irregular com uma Marca de Ouro. As condições são quase as mesmas. Mas se tem uma diferença em comparação à dois anos atrás, com certeza são os instrutores envolvidos. Ah, é verdade, eu acho que o Shihyun era treinado por um “Executor”, então tá aí uma discrepância.

O rosto da empregada começou a demonstrar um sentimento de fúria.

— Se você acha que pode, então vai lá. Me mostre o que a famigerada instrutora demoníaca da Sicília, a conquistadora do Sul, tem a oferecer.

— Se ele virar um inimigo poderoso que fique no nosso caminho no futuro, por favor, não me culpe. — Fez uma reverência e, em silêncio, saiu da sala.

Hmph. Será que eu exagerei? — Tragou o cigarro e riu de si mesma.

 

***

 

 

— Hoo-hoo, haa-haa, hoo-hoo, haa-haa… 

Seol corria pelo percurso enquanto utilizava a técnica de respiração que Yi Seol-Ah o ensinou. Já nem contava mais o número de voltas, apenas fazia o que a missão pedia — correr até morrer de cansaço.

Depois de um certo ponto, parou de perceber uma melhora no corpo. A única razão pela qual continuava treinando muito era para vencer a competição que tinha contra si mesmo. Mantinha a maior velocidade que conseguia e passou pela linha de chegada várias vezes.

Óbvio que a sua resistência não era infinita. Não importava o quanto tentasse, em algum momento sentiria a fadiga e, junto dela, a tentação viria junto, sussurrando “Já tá bom. Descanse um pouco. Não tem problema andar por um tempinho…”

Quando já estava sem fôlego e parecia que iria desmaiar de cansaço, tudo ao seu redor parecia desaparecer. Até mesmo dar mais um passo parecia excruciante. Parecia que uma enorme barreira bloqueava o caminho do progresso. Era o seu organismo dizendo que aquele era o máximo que aguentava.

De repente, uma lágrima apareceu. Queria chorar.

Queria chorar porque era muito difícil. Sabia que aquilo era patético, mas ainda queria cair no chão e chorar o máximo que pudesse. E então, talvez, mas só talvez, se sentiria melhor.

Os outros sobreviventes estavam ocupados completando várias missões, mas por que ele continuava ali sozinho? Não era como se ninguém reconhecesse todo o trabalho duro e sacrifício que estava fazendo. Muito pelo contrário, começou a se arrepender por ter entrado naquele lugar.

Kkheuck!

Segurou as lágrimas, semicerrou os dentes e resistiu. Toda vez que sentia a tentação daqueles sussurros, uma sensação de déjà vu consumia a sua mente. Por algum motivo, achou que o vício em apostas voltaria se não superasse aquela situação. Preferia morrer do que voltar àquela situação deplorável. Achou o desejo de mudar quando não consegue nem mesmo se superar algo patético.

Esse desejo, esse mantra de “não admitir a derrota” tornou-se a força que precisava para nunca fraquejar. Apenas lembrar da época em que havia sido derrotado pelo êxtase da aposta o enfurecia. Recordar de como desapontou a família e em como Yoo Seonhwa chorou eram as consequências de ter sido sobrepujado por um vício. Sentia um ódio por si mesmo tão grande que começou a se bater.

A raiva transformou-se em teimosia.

— Merdaaa! — gritou. Logo depois, o ódio transbordou e começou a chutar o chão, se esquecendo de toda a dor que sentia pelo esforço extremo. As dificuldades eram o que o mantinham motivado.

No entanto, aquela explosão logo cessou. Moveu as pernas mais uma vez e logo caiu no chão. Caído, tentou continuar avançando, mas quando sentiu aquela mistura de bile chegando na garganta, foi obrigado a parar.

Ueeeeeck

Continuou a chorar enquanto lágrimas caiam.

Quando finalmente parou, deitou-se de costas no chão e fechou os olhos, tentando aproveitar o resto de energia que havia borbulhado de seu corpo um pouco antes.

A missão de nível “Básico” foi completada com sucesso.

10 Pontos de Sobrevivência foram adicionados.

Conta: 2840 PS.

Cerrou os punhos.

A classificação “Sem vontade” de seu temperamento foi apagada.

O seu nível de Vigor evoluiu de Baixo (Inferior) para Baixo (Intermediário).

A pista desapareceu. Estava de volta à Zona Neutra.

— Que porra? — Havia sido teletransportado de volta enquanto ainda estava deitado de costas.

Devagar, voltou a levantar a cabeça quando uma sombra se aproximou. Primeiro, viu pernas bem definidas. Depois, conseguiu enxergar o final dos suspensórios na altura daquelas coxas, escondidas por um vestido. Quando olhou um pouco mais para cima, viu um tecido com babados e um fofo ursinho costurado.

— Lilás…? Kuk. — Com um gemido, aquele corpo deu um passo para trás.

Seol balançou a cabeça em concordância, pensando que aquele era um ursinho muito fofo. Então, depois de se deparar com a expressão gélida de Agnes, entrou em pânico. Como era possível? Afinal, ela antes estava vestida como uma daquelas empregadas trabalhando em uma casa antiga do início do século XIX.

— Desculpa. Eu não esperava ser teletransportado enquanto estava no chão.

A empregada tossiu e ofereceu uma um copo com algum tipo de líquido dentro. Como estava com sede, o Marca de Ouro bebeu sem pensar muito. Segundos depois parecia que um pouco de força já havia retornado.

— O-obrigado. Eu estava… — disse, levantando-se do chão.

— 10 PS.

“Não era de graça?!”

Estava prestes a reclamar que foi forçado a comprar algo que não precisava, mas parou quando percebeu que algumas reações já aconteciam com o seu corpo. 

— Oh.

A bebida que atravessava a garganta começou a ficar morna à medida que se aproximava do estômago. Uma sensação revigorante se espalhou pelo organismo e expulsou toda aquela fadiga acumulada.

— O que é isso?

— Nada demais. Se você descansar um pouco deve melhorar ainda mais. — Ela parou por um segundo e o encarou. — Além disso, ficaria sem beber a poção de recuperação de vigor por um tempo, se fosse você.

— Por quê? Se eu quiser treinar por mais tempo…

— Nunca pensei que eu, como treinadora, diria isso, mas… — Ajeitou os óculos. — Você precisa diminuir o tempo de treino.

— Tá me dizendo pra treinar menos?

— Sim. — Concordou como se já esperasse pela pergunta. — Parece presunção, mas pelo que pude observar nas duas últimas semanas a sua rotina de exercícios passou a te prejudicar. O corpo precisa de um tempo para se recuperar, coisa que não está oferecendo. Continuar nesse ritmo é crueldade consigo mesmo.

Aqueles olhos frios analisavam Seol.

— Você vem usando poções de recuperação para recobrar o vigor. Mesmo sendo uma boa estratégia usá-las de vez em quando, o exagero não ajuda. Um bom descanso também deve fazer parte de uma rotina de treinamento adequada. Quanto mais o seu corpo se recuperar do cansaço de forma natural, melhor esse processo fica, precisando de menos tempo para que aconteça. Você precisa deixar que essa reabilitação ocorra.

— E-entendi.

— De agora em diante, ao invés de usar as poções para recuperar a fadiga, recomendo que use os itens que favoreçam a recuperação natural. Por exemplo, sais de banho, velas aromáticas próximas ao travesseiro, entre outros. Eles também podem ajudar na sua resistência, força e agilidade.

Apenas concordou com a cabeça. Estava perdido no meio daquela quantidade enorme de informações. Sabia que ela gostaria de lhe ajudar, mas, naquele momento, a única coisa em que pensava era naquele ursinho, não conseguindo se concentrar direito.

— Se não for muito inconveniente… — Sem ter ideia no que Seol pensava, continuou. — Você me honraria com a permissão de guiá-lo? — Ela havia dito palavras muito parecidas quando ele chegou na Zona Neutra, mas o tom dessa vez era um pouco diferente.

— Seria uma honra. — Não tinha motivos para recusar.

— Tem um negócio que me deixa curiosa. — Enquanto subiam as escadas, Agnes o perguntou: — Por que você come a comida que achou na loja de conveniência do Tutorial ao invés de ir nos restaurantes? Eles são de graça pra você. — Ela parecia surpresa pelo tom daquela indagação.

— B-bem, é que eu pensei que não tinha muito tempo a perder, então…

— Precisa parar. Assim como um bom descanso é importante, as refeições também são. O corpo precisa de nutrientes à medida que treina e mesmo assim você tem se alimentado com aquelas porcarias… — disse enquanto balançava a cabeça e parecia se sentir desapontada.

Chegaram no terceiro andar. Pela porta de vidro, podiam ver um grande espaço cheio de equipamentos para exercício.

— Correr por duas semanas enquanto tomava a Competência todo dia. Isso equivale a quase quatro meses de treino. Acho que você tá pelo menos saudável agora.

Foi naquele momento em que teve certeza. Aquela empregada com a cara séria e bom gosto para escolher roupas íntimas fofas sabia de tudo que acontecia na Zona Neutra.

— Correr não é a única forma de treinar. Para melhorar os outros atributos físicos, recomendo você tentar outras coisas.

Concordou. Já estava pensando em fazer outra coisa além de correr. Ela estava o apresentando aquele local justamente por isso. Claro, não seria de graça.

— Quanto custa pra usar?

— Dez pontos por dia, mas se você pagar a semana adiantado, cai pra 50. Se quiser contratar um treinador para te ajudar vai custar uma refeição a mais por dia. A comida aqui é muito gostosa.

Mesmo que não tivesse entendido muito bem aquelas palavras, ele achou melhor pensar naquilo como a forma dela dizer que o treinaria de graça. Até ele sabia que ter alguém ao seu lado ajudava muito. Além disso, o olhar daquela mulher estava agitado com alguma coisa. Para garantir, ativou o “Nove Olhos”, mas ela não emitiu nenhuma cor. Logo, não queria prejudicá-lo.

— Por acaso, será que não teriam outras empregadas além de você que podem me treinar? — perguntou, com cuidado.

— Não é impossível achar uma, mas por quê? Não está satisfeito comigo? — disse Agnes, virando um pouco a cabeça.

— Não, claro que não — respondeu e, logo depois, respirou fundo. — É que eu gostaria de alguém com muita habilidade, mas que também pudesse me treinar sem nenhuma hesitação.

— Nesse caso, não precisa de mais ninguém — afirmou enquanto ajustava o óculos no rosto. Por fim, ficou o encarando com as mãos na altura do peito, parecendo dar um pequeno sorriso debochado. — Me dá um pouco de vergonha falar isso em voz alta, mas também sou conhecida como a instrutora demoníaca da Sicília.

— Instrutora demoníaca. Gostei.

— Tudo bem por você? Estava pensando em ser boazinha no começo.  — Aquelas palavras pareciam significar “Será que você aguenta?”.

— Deixa eu te pagar antes — respondeu sem hesitar.

10 minutos depois, Seol estava arrependido e angustiado batendo no chão.

O apelido não era por acaso. No momento em que o treino começou, Agnes demonstrou como conseguiu aquele nome. Já estava com saudades da dor que sentiu quando estava correndo pela pista sozinho. Até mesmo reclamou dizendo “Isso não é demais? Você não disse que a gente iria dar uma pausa?” A resposta que conseguiu: “Você pode descansar depois do treino, não no meio!”

Outra coisa que não entendia era como ela ficava violenta no meio do processo.

— Eu falei pra ficar com os olhos pra frente! — disse, batendo nele com uma espécie de graveto.

— De novo! Um!

Ofegou sem parar enquanto ajeitava a postura para descansar o trapézio. Ao fazer os agachamentos, parecia alguém cortava as suas pernas com uma faca cega.

— Dois!

— Ai, caralho….! — Quando finalmente conseguiu abaixar um pouco o quadril, Agnes o agrediu de novo com o graveto.

— Você tá dobrando as pernas, mas por que elas tão ficando mais na frente do que os seus dedões? Postura!

“Eu nunca vi alguém tão cruel assim!”

Gritava por dentro. Não disse nada, já que sabia que ser agredido ajudaria a aumentar a resistência, mas mesmo assim, não sabia que ela seria tão malvada. Será que foi porque ele olhou sem querer aquela calcinha bordada com um urso lilás?

— De novo!

Não conseguiu segurar mais e caiu no chão.

— O que você pensa que tá fazendo?

— Hua, hua!

Não ligando muito para a pergunta, começou a massagear as pernas.

Hmph. — Pareceu reclamar e cruzou os braços contra o peito. — Só com isso. Se quiser eu posso ser mais boazinha, apesar de pensar que já estou sendo muito gentil.

— Sua…!

— Não gostou morde as costas. Se quiser posso te apresentar para outra pessoa.

— Não, tá bom. Vamos continuar — disse, abaixando a cabeça mal conseguindo segurar a vontade de xingar.

— Vou repetir. Eu não vou pegar leve com você durante o treino.

— É o que eu queria. Vou só gritar o meu gihap e já continuo.

Gihap? Você não precisa de uns gritos agora, e sim força de vontade. Vamos continuar. Levanta.

— O meu gihap é um pouco diferente. Já tô avisando, hein — disse, massageando as pernas doloridas. Os olhos da empregada ficaram se estreitaram.

— Tá tentando conseguir tempo? Pode fazer o que quiser com o seu gihap, mas antes precisa se levantar, por favor.

“Merda! Merda!!!”

Se ergueu. Ela colocou de volta a barra em suas costas.

— Não importa o treino, as duas coisas mais importantes são a postura e a respiração. Um!

— Li!

— Li? Esse gihap é mesmo meio diferente. Dois!

— Lás!

— Um…?

— Li!

— Dois...

— Lás!

De repente, a contagem parou. Quando virou a cabeça para olhar, Agnes o encarava com o rosto todo vermelho. Em silêncio, ela segurava as dobras do vestido para baixo enquanto o graveto tremia um pouco em sua mão. Parecia nervosa.

Por algum motivo, Seol sentiu-se satisfeito.

— Por que parou de contar? — perguntou, com um pouco de malícia.

— O-o-o-o que você tá falando?!

— Tem algum problema com a minha postura?

— N-não! O problema não é esse!

Ah, então o erro tá no meu gihap? Você disse que eu podia fazer o que quisesse. Tudo bem, vou mudar um pouquinho ele então. — Recuou um pouco quando a empregada o ameaçou com o graveto. Óbvio que não pararia por ali. 

— Por favor, treine direito. Um!

— Ur!

— Dois!

— Sinho!

A contagem parou de novo. Segundos depois…

Tapa!

Um som de tapa ressoou por todo o terceiro andar.

 

***

 

Depois que Agnes entrou na sua vida, o jeito que vivia na Zona Neutra sofreu outra grande mudança. A maior de todas, claro, tinha a ver com aquele regime de exercícios. Agora treinava com uma rotina muito mais bem definida. Podia dizer que, mesmo com a diminuição no tempo, a qualidade havia melhorado muito.

Força, resistência, agilidade e vigor — as práticas para melhorar esses aspectos continuou muito rígida, fazendo-o pensar em desistir algumas vezes. No entanto, graças à grande melhora que tivera pelas corridas, conseguiu aguentar. Além disso, a empregada havia mostrado muita atenção, mapeando as atividades que ele deveria fazer fora do treino, incluindo dietas e métodos de descanso.

Como a instrutora demonstrava o mesmo tipo de zelo do que a de alguém polindo uma diamante bruto, também sentiu-se motivado pela dedicação mútua. Não apenas isso, a Competência, com o efeito multiplicador de oito vezes, também foi adicionada. Logo, teve uma melhora muito rápida no desempenho.

De fato, o seu porte físico, status e recuperação começaram a melhorar. A transformação foi tão grande, que às vezes se perguntava se aquele corpo era mesmo dele.

Enquanto crescia com a ajuda de Agnes, a trigésima manhã finalmente chegou. Para outras pessoas, foram 30 dias, mas para Seol pareceram 240 — quase oito meses de treino pesado.

Neste dia, a situação daqueles que se prepararam e daqueles que não mudaria de alguma forma.



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