Volume 1
Capítulo 0.1: Mau presságio
A batalha finalmente havia chegado no ápice. Em meio ao solo enegrecido pelas chamas e ao que havia sobrado após a destruição daquela cidade que agora se tornara um verdadeiro campo de guerra, dois jovens suspiravam ofegantes enquanto milhares de gotas de suor percorriam seus corpos.
Seus olhos estavam mirados no alvo; um homem sombrio, encoberto por um capuz negro. Ele era apelidado de mago negro, não somente pelos seus trajes negros, mas pelo que havia se transformado. Um mago corrompido pela maldade e pelo ódio, que buscara a todo custo exterminar a humanidade.
A fumaça da sua maldade chegou ao céu. As nuvens negras, em sua profunda tristeza pelo clamor que a terra lançava do sangue que havia sido derramado sobre ela, soltavam trovões e liberavam chuviscos sobre ela.
Os jovens magos pararam de suspirar e cerraram os punhos agora encharcados, preparando a próxima investida. A jovem maga, revistada de bravura, foi a primeira a iniciar o ataque de punhos enquanto seu companheiro a seguia na retaguarda.
O mago negro, que observava aqueles passos como sendo de tartarugas, não tardou em golpear a jovem desmentida no abdômen. A pressão que o punho exerceu fez com que a boca da jovem maga se abrisse e lançasse gotículas de saliva ao vento. Sem forças, seu corpo agonizado de dor caiu sobre o solo, levantando poeira enegrecida.
Seu companheiro, que a seguia na retaguarda, parou por um instante e desceu os olhos sobre o corpo dela. Seus traços mostraram descontentamento e sua expressão mudou abruptamente para o estado de profunda cólera.
Um misto de emoções tomava conta do seu coração; frustração, ódio e tristeza. Ele sabia que ainda estavam longe de derrotar aquele homem, mas ainda assim, continuavam lutando pelo bem da humanidade que havia sobrado.
Com os punhos cerrados, ignorou a companheira e correu ao homem de negro que o aguardava em prontidão. No entanto, quando próximo ao homem de negro, o jovem mago mal viu o que havia acontecido.
Arregalou os olhos e observou o punho do mago negro atravessar sua barriga e penetrar suas entranhas. Um sorriso emergiu dos lábios do ser maléfico enquanto ele deitava sangue tanto da parte perfurada, assim como da boca.
O jovem mago mordeu os lábios e deu um sorriso, um sorriso que deixava o mago negro intrigado, já que a condição do jovem não lhe permitia esboçar nenhuma felicidade. Ele imediatamente percebeu que a razão do sorriso daquele jovem era porque ele, na verdade, havia prendido seu punho no abdômen dele.
Não importava o quanto o mago negro tentasse, ele não conseguia removê-lo.
Aqueles dois rosnaram; um tentando retirar o braço e o outro mantendo preso. Era uma batalha árdua, mas o mago negro aos poucos conseguia remover seu braço, o que roubava mais gritos dolorosos da boca do jovem.
Contudo, a sensação de dever cumprido havia acendido uma chama de esperança no coração do jovem; a criança que o mago negro perseguira a outrora estava agora fora do alcance do mago negro. E, quando o mago negro estava prestes a retirar o braço, a maga que havia sido derrubada apareceu por detrás dele, o tocando no ombro. Seus olhos se encontraram e um sorriso que declarava fim de jogo preencheu os lábios da maga.
Uma luz dourada que partia do corpo da maga, se expandiu e tomou conta daqueles dois, deixando seus corpos cintilando em purpurinas. Um clarão cobriu finalmente a visão de todos e foi então que, em um piscar de olhos, todos desapareceram. E desde então, ninguém nunca mais os viu.
(...)
— Sério! Esse final sempre me pega de jeito! — O jovem sorriu e fechou o livro. Então, saiu do pedregulho em que estava sentado e bocejou, levantando os braços.
Guardou o livro numa bolsa de couro agarrada à cintura e circulou os seus pares de olhos verdes por aquela pastagem. A brisa do vento que soprava pela face do seu rosto, preenchia seus pulmões.
— E agora... — Ele colocou a mão no queixo, balançando a cabeça levemente. — O que eu faço? — Começou a dar passos para ali e para cá e só parou quando ouviu passos ressoando pela grama. Seus olhos foram direcionados para a direita, podendo avistar uma moça cujos cabelos verdes refletiam a grama e seus olhos castanhos, alguns dos pedregulhos que ali se encontravam.
— Agatha! O que faz aqui?
— Como assim, "o que faço aqui?" — A jovem apalpou suas vestes. Era um longo vestido com o decote em forma de v, possuindo cadarços entrelaçados contra o tecido branco interior que se estendia as suas mangas curtas. — Eu é quem deveria te perguntar. Até quando pretende fugir dos seus deveres?
— Pensa rápido! — Homura esticou as mãos juntas. — Raio de luz!
— Wow! Droga! Fui acertada! — Agatha colocou a mão contra o peito, inclinando a cabeça ligeiramente enquanto retrocedia os passos. — Espera um pouco aí... — Ela recompôs sua postura e correu em direção ao jovem que ria enquanto tinha as mãos contra a cintura. — Por que eu estou entrando no seu jogo mesmo, hã?!
Agatha apontou o dedo contra o peito do jovem, que continuava rindo sem parar.
— Hahahaha!
Agatha rangeu os dentes e deu um cascudo nele, roubando um gemido da boca dele.
— Aí! Doeu!
— Humph! — Agatha ficou emburrada e cruzou os braços. — É para doer mesmo! Francamente, você nunca cresce!
— Você diz isso, mas você sempre participa dessas minhas infantilidades.
— Ah... — ela suspirou, aborrecida. — Isso é culpa sua, sabia?
— Eu não obrigo ninguém.
Ele riu.
— Idiota! Idiota! Idiota! — Agatha começou a bater nos ombros do jovem com o rosto todo emburrado, enquanto o mesmo continuava rindo dela.
— Ei...
Seus olhos foram atraídos pela voz mansa de um rapaz que terminava de subir aquela colina. Ele possuía cabelos e olhos negros. Vestia uma túnica azul-escuro, que chegava aos joelhos. Ela estava presa por um cinto de couro largo. Suas calças compridas da mesma cor que o cabelo, terminavam nas suas sandálias de couro.
— A Agatha até eu entendo, mas você... — Homura ergueu uma das sobrancelhas, um semblante que transmitia estranheza da sua parte quanto à presença daquele jovem ali.
— Como assim?! — Agatha cerrou um dos punhos e franziu as sobrancelhas.
Homura sorriu levemente, coçando seus cabelos castanhos.
— Homura, até quando pretende fugir dos seus deveres? — A voz daquele jovem, meio cansada, ressoou pelos ouvidos daqueles dois. Sua expressão transmitia seriedade.
— Não é? Foi o que falei para ele.
— Que chatice! — Homura estalou a língua. — Só me deixem em paz! Dever aqui, dever acolá, eu quero lá saber disso!
— Você sabe muito bem, Homura... — Agatha murmurou.
— Que o rei vai viver por muito tempo? — Ele sorriu, confiante. — É claro que eu sei, aquele velho é forte!
— Não, Homura. Foi por isso que viemos até aqui... — Os traços de Agatha contorceram-se, formando uma expressão triste. — O rei está solicitando sua presença agora.
— O que aconteceu com o meu pai?
— O estado dele... — Antes que Agatha terminasse sua fala, fora interrompida pela voz calma e cansada daquele jovem.
— Agatha...
— Acho melhor você mesmo ver com os seus próprios olhos — disse Agatha.
O semblante de Homura mudou abruptamente, traços se reuniram em sua face e formaram uma expressão de tristeza. Ele cerrou os punhos e começou a correr pelo gramado enquanto sua amiga clamava por si.
— Homura! Espera!
Agatha também começou a correr, seus passos ressoando por aquela pastagem. O rapaz de cabelo e olhos negros apenas se virou, começando a andar a passos lentos.
Eles desciam aquela colina esverdeada, que levava a uma pequena montanha de árvores e arbustos abaixo.
— Espera! — os gritos de Agatha continuaram ressoando pelos ouvidos daqueles dois. Homura, que estava mais adiante, e o jovem que caminhava a passos de uma tartaruga.
Depois da descida por aquela pequena colina, os olhos verdes de Homura puderam contemplar uma carruagem dourada puxada por dois cavalos.
— Nossa, Homura! Como você é rápido! — Agatha suspirava ofegante, agarrando os joelhos.
— Lernen...
O rapaz de cabelos negros balançou a cabeça, indo em direção ao banco da frente da carruagem. Subiu os dois degraus e sentou-se, pegando as rédeas que seguravam os dois cavalos.
Agatha e Homura entraram na carruagem. Após Agatha ter fechado a porta principal, o veículo começou a partir.
— Homura... — chamou Agatha, atraindo os olhos daquele rapaz, que estavam cravados na janela da carruagem. — Você de repente mudou... Da água para o vinho, sabe.
— E quem não mudaria, Agatha? Quando eu saí do castelo, deixei o velho bem e agora... — Homura cerrou os lábios. — Não entendo como ele pôde ter piorado.
— Tem razão. Desculpa.
— Não, eu é que peço desculpas.
— Homura, sei que você deve estar cansado de ouvir isso. Mas, até quando você vai fugir dos seus deveres?
Homura apenas ficou quieto, voltando os olhos à janela que lhe proporcionava uma bela paisagem esverdeada.
— Você sabe muito bem que o seu pai já está naquela idade e...
— Podemos parar por aqui?
Confrontada pelo olhar frio do Homura, Agatha encurvou a cabeça com uma expressão triste e emitiu com uma voz baixa.
— Desculpa, não vou tocar mais nesse assunto.
Com o silêncio reinando por todo caminho, Homura e seus dois amigos chegaram ao grande castelo do reino de Mioria. Enquanto Lernen estacionava a carruagem no estábulo, Agatha e Homura seguiram andando até o quarto do rei.
Tap! Tap! Tap!
Seus passos ressoavam pelos corredores, especialmente o do Homura que era carregado por desespero e aflição.
Ao virar um dos corredores, seus olhos verdes tombaram contra um homem de armadura prateada. Este, encurvou a cabeça, colocando o punho contra a parte esquerda do peito.
— Príncipe, ainda bem que o encontro... — Ergueu sua cabeça, mas Homura passou pelo homem com uma expressão fria.
O homem arregalou os olhos. O príncipe jamais havia lhe tratado com tanta frieza assim. A relação entre eles sempre foi genuína, desde que o treinava quando criança até sua mocidade.
— Sinto muito, pai. — Agatha encurvou a cabeça, colocando o punho sobre o lado esquerdo do peito.
— Não se preocupe. — O homem seguiu caminhando e quando passou rente a filha, recitou algumas palavras ao vento. — Apenas cuide do príncipe. Você é a única que pode fazer isso nesse momento.
Agatha apenas balançou a cabeça afirmativamente e seguiu caminhando atrás do seu amigo.
Por outro lado, após curvar mais um corredor daquele castelo e descer quatro degraus, Homura se viu diante de uma porta grande guarnecida por dois soldados, que paravam rente a dois vazos de flores, que se estendiam um pouco ao alto.
— Senhor... — Os guardas fizeram venias, abrindo a porta.
Homura entrou por aquela porta com uma expressão fria. Agatha, que chegara no momento exato em que os soldados estavam fechando a porta, não teve permissão para entrar no aposento real do rei.
— Sinto muito, senhorita. Mas o rei só autorizou a entrada da família real e do médico.
— Tá... Eu espero aqui. — Agatha se encostou na parede, contemplando aquela porta selada.
Por dentro, Homura caminhava entre os pilares que sustentavam aquele quarto enorme. Seus passos, que ressoavam por aquele piso de tijolos, o levaram diretamente à cama onde estava deitado seu amado pai. Seus olhos verdes pousaram sobre uma coberta branca que escondia o corpo velho e fragilizado do rei.
— Homura... — Movendo a cabeça assente sobre um travesseiro feito de lã, as madeixas brancas acompanhando o movimento, o rei direcionou seus olhos verdes para o filho.
— Estou aqui, velho. — Homura contemplava o rosto desfalecido do pai com pesar.
— Finalmente você veio — disse o rei, sua voz carregada de cansaço.
— Velho... — Homura sentou em um banco rente a cama. — Você sabe que isso não combina com você. Céus, olha o estado que você está!
— Desde quando doença tem que combinar com alguém, Homura?
— Eu sei que você é bem mais forte do que isso.
— Eu gostaria de ser, mas eu estou chegando ao fim da minha jornada nessa terra... Como rei e como homem.
— Que história é essa? — Homura forçou-se a sorrir, quando não era essa a emoção que queria transmitir. — Você viverá por milênios!
— Homura, como meu herdeiro e primeiro na linha de sucessão, você será aquele que irá me substituir. Homura, você será o novo rei.
Essas palavras fizeram os traços do Homura se contorcerem de irritação, sua voz carregada de descontentamento trouxe a luz seu veredito sobre esse assunto.
— Velho, já falamos sobre isso várias vezes. Eu não quero ser rei!
A recusa do príncipe em assumir o trono era algo que perturbava o rei ao ponto de deixá-lo triste e decepcionado, afinal de contas, naquele momento, Homura era a sua única opção para a continuação da monarquia vigente no reino de Mioria.
O rei, então, decidiu deixar o egoísmo de lado e fez uma pergunta a qual deveria ter sido feita há bastante tempo.
— O que quer ser então?
— Eu quero ser livre! Eu quero me aventurar, e se der, sair em uma jornada muito louca em busca da magia! — Ele falou com confiança e um sorriso repleto de presunção.
O velho riu, ligeiramente, e começou a tossir logo em seguida. Sabia o quanto seu filho era fissurado por coisas que fugiam à realidade em que viviam, algo que lhe lembrava sua esposa. Talvez, na verdade, fosse sua esposa quem estragara aquele menino.
— Do que está rindo, velho?
— Ah, meu filho, a vida não é um conto como você lê no seu livro.
— Eu sei disso! — Ele cruzou os braços.
— Então...?
— É por isso que eu quero explorá-la como ela deve ser, pai! Eu quero descobrir e desvendar os segredos desse mundo e quem sabe... — Ele elevou a mão ao teto, cerrando o punho logo em seguida. — Quem sabe eu torne o meu mundo fantasioso real!
— Apesar de ser adulto, você continua com a mente de uma criança, Homura.
Homura apenas observou seu pai.
— Na verdade, você faz isso porque quer fugir dos problemas.
— Pai... — O semblante de Homura tornou-se severo. — Deixa eu te fazer uma pergunta.
Os olhos do rei piscaram ligeiramente, aguardando a pergunta do seu filho.
— Qual é o verdadeiro sentido da vida, se não realizamos os nossos sonhos?
O rei sabia muito bem onde seu filho queria chegar com aquela questão e que a resposta que daria apenas alimentaria o egoísmo do filho em não assumir o trono, então, diferentemente de uma resposta, decidiu acrescentar algo.
— E eu te digo, Homura, nós vivemos para os outros e os outros vivem para nós. É um ciclo inquebrável.
— Essa sua filosofia não irá funcionar em mim! — Homura ficou irritado com aquelas palavras, seu pai certamente estava tentando fugir da questão.
— Dizem que nós só damos valor quando perdemos. Nesse caso, depois que eu me for, que as minhas palavras te façam enxergar o seu dever e direito como herdeiro do trono.
— Para de falar besteira! — Homura levantou-se do banco. — Você ainda viverá bastante! O bastante para eu continuar vivendo a minha liberdade!
Os traços do rei se reuniram em uma expressão de tristeza ao ouvir palavras tão egoístas quanto essas. Era como se ele estivesse esquecendo que ele era velho e a qualquer momento pudesse deixar esse mundo físico.
— O Dimitris disse que o meu coração poderá parar a qualquer momento — emitiu o rei com uma voz triste, enquanto olhava para o filho. — É uma doença incurável.
Aquelas palavras atingiram Homura, como se tivessem lhe dado uma facada no coração. Naturalmente, veias espreitaram as extremidades da sua testa e suas sobrancelhas cerraram de ódio.
— Aquele médico maldito disse o que?!
Antes que seu pai pudesse dizer qualquer coisa, Homura o deu as costas e começou a caminhar.
— Eu vou ter com ele! Ele vai te curar agora mesmo!
— Homura, espere... — O rei esticou seu braço enrugado enquanto Homura dava ordens para que os soldados abrissem a porta de fora. Eles abriram, seus olhos contemplaram a primeira vista, sua amiga encostada à parede.
— Homura, o que aconteceu?
A indagação de Agatha foi ignorada. Homura apenas seguiu caminhando por aquele corredor repleto de pilares, em direção à sala do Sr. Dimitris, o responsável pelo diagnóstico do rei.
— Homura! Me espera!
Agatha saiu correndo, seguindo aquele rapaz perturbado pelo estado do pai.
De modo algum o podia deixar perecer.
"De modo algum!"
Com esse pensamento que enunciava uma forte determinação, Homura virou o próximo corredor, dando de cara com seus três irmãos mais novos. A mais velha era uma linda jovem vestida por um lindo vestido azul com bordados florais que faziam contraste aos seus cabelos negros. Ela segurava a mão de um menino baixinho de macacão, mas não por muito tempo, pois ao ver o seu irmão, o menino sorriu e correu para o abraçar.
Homura o recebeu com um sorriso no rosto, e o ergueu ao alto. Em contrapartida, a irmã mais nova, que era um pouco mais baixa em comparação a mais velha, apreciava aquela cena com os seus pares de olhos azuis.
Tirando aquela criança inocente, aquelas duas sabiam muito bem do estado do seu pai.
— Irmão, você não acha que o papai anda dormindo demais?
— É-É mesmo?
— Sim! Ele disse que estava cansado de ficar no trono toda hora. Mas já faz... — Ele elevou os dedos. — Seria quatro, cinco. Ah, não sei. Só sei que ele nunca sai daquela cama desde que você saiu!
O que significou que o rei estava uma semana de cama, já que Homura havia saído do castelo por uma semana para respirar um pouco.
— Não se preocupe. Já, já ele acorda!
Homura sorriu, afagando os cabelos castanhos de seu irmão enquanto lhe transmitia palavras esperançosas.
Depois disso, ele o largou no chão e, com acenos e despedidas, seguiu caminhando para a sala do Sr. Dimitris. Agatha elaborou sua reverência para aquelas duas irmãs e seguiu Homura.
— Eles combinam, não é? — disse o pequeno príncipe com um sorriso travesso enquanto observava Agatha se distanciando cada vez mais do corredor.
— Pior que o Eizen tem razão — A princesa mais nova sorriu, colocando uma das mãos contra bochecha enquanto reparava aqueles dois cada vez mais longe. — Quando eles vão se casar?
— E isso importa agora? — disse a princesa mais velha e a mais nova logo abandonou esse pensamento, se lembrando do estado do seu pai.
Eizen apenas as observou com o semblante de indagação.
(...)
Agora, perto a porta da sala onde estava o Sr. Dimitris, Homura empurrou a porta bruscamente e entrou naquele compartimento com passos apressados e punhos cerrados. Uma sala um pouco bagunçada; repleta de fracos de vidros contendo líquidos e ervas medicinais. Haviam, ademais, algumas estantes contendo livros alquimistas.
Sr. Dimitris que agitava um
frasco transparente que ilustrava um líquido verde, assustou-se e deixou cair o frasco. Estilhaços de vidros tomaram conta daquele chão feito de tijolos. Com os olhos arregalados, Sr. Dimitris colocou a mão contra o peito enquanto observava o semblante furioso que o príncipe fazia.
— O que você disse para o velho?! — Homura não perdeu tempo, agarrou Sr. Dimitris pela gola, amarrotando as bordas do seu jaleco.
Agatha, que chegou em seguida, gritou para que o Homura soltasse Sr. Dimitris.
— Tsk! — Homura soltou a gola, recuando um pouco.
— I-Infelizmente, meu príncipe... — Sr. Dimitris tremelicava as mãos, se apoiando a uma de suas mesas repleta de fracos transparentes com líquidos em diferentes cores. — Não consigo encontrar uma cura possível para o rei.
— Por que você existe então?
— Eu sinto muito! — Ele encurvou a cabeça, colocando os braços contra a cintura. Seu rosto estava tenso enquanto o príncipe cerrava seus punhos.
Agatha, que assistia aquilo tudo, não deixou de ficar triste pelo ponto que a situação havia chegado. Naquele momento, ela se perguntava se voltaria a ver aquele sorriso que ela sempre apreciava no rosto de Homura novamente.
— É melhor você tratar de arranjar uma cura para o rei, se não, já sabe! — Com essas palavras, Homura saiu andando para fora daquela sala laboratorial.
— É o que estou fazendo, majestade! — Sua cabeça ainda continuava baixada.
— Sinto muito, Sr. Dimitris. — Agatha mais uma vez se desculpou e voltou a seguir o Homura. Ela sabia muito bem que Sr. Dimitris era um médico profissional que muitas vezes havia tirado a família real de diversas enfermidades terríveis e que, pelo apreço que ele tinha pelo rei, estava dando o melhor de si.
No corredor, Agatha conseguiu alcançar Homura.
— Ei!
Homura parou, olhando para ela.
— Por que está agindo assim? Eu não te conheço assim!
— Meu pai não pode morrer, Agatha. Entende?
— Ele não vai, mas mantenha a calma, sim? Eu, sua melhor amiga, estou aqui, entendeu?
Agatha lhe deu um abraço, entrelaçando os braços a sua cintura. Ela encostou a cabeça contra as costas daquele homem sofrido.
— Obrigado. Mas se importa de me deixar sozinho?
Um gemido saira da boca de Agatha, ela havia se sentido indignada pelo comportamento frio que Homura demostrava mesmo depois daquela demostração de afeto que ela deu.
— Tá bom, se é o que quer. — Ela removeu seus braços e seguiu caminhando, em direção contrária ao Homura.
Homura, então, encostou os ombros na parede, encurvando sua cabeça ligeiramente. Lágrimas começaram a pingar por aquele chão feito de tijolos.
No entanto, quando menos esperava, Homura se viu envolvido em um abraço caloroso novamente.
Agatha havia voltado.
— Na morte e na vida, juntos para sempre. Essa foi a nossa promessa de infância, não é?
— Mas eu disse para você ir embora... — Homura não conseguia conter as lágrimas.
— Foi mal, tive que desobedecê-lo, príncipe.
Homura começou a rir. Algumas lembranças divertidas que teve na sua infância começaram a passar por sua mente. Agatha o acompanhou na risada e assim, juntos, caminharam em direção à biblioteca daquele castelo.
— Aliás, Homura, o que veio fazer aqui na biblioteca? — perguntou Agatha. Nesse momento, eles transitavam pela porta que dava acesso à biblioteca real. Seus olhos enfrentaram uma pilha de livros perfilados em algumas prateleiras cravadas nas paredes, e outras distribuídas pela sala. Ademais, avistavam algumas mesas e cadeiras reais para a leitura.
— Que pergunta!
— Só responde — disse Agatha. Um vento que entrava pelas janelas abertas começou a soprar por aquele cômodo.
— Há muito tempo... — Olhou para o teto. — Minha mãe me disse que existia uma planta que cura todas as enfermidades. Então...
— Planta que cura todas as enfermidades? — Agatha deu um sorriso zombeteiro. — É sério isso? Até quando você vai acreditar nessas lendas?
— Até que elas se tornem verdade. — Homura avançou a uma prateleira, pegando um livro vermelho. — Se com uma lenda eu puder salvar o meu pai, assim o farei.
Diante daquela determinação, Agatha sorriu e avançou a mesma prateleira, pegando outro livro azul que tinha como título: plantas medicinais.
— Parece que pela primeira vez suas palavras tocaram o meu coração. Tudo bem, vou ajudá-lo! — Ela abriu o livro, cravando os olhos nas primeiras páginas douradas.
— Sério? Esse é o espírito! — Homura levantou o polegar com um sorriso. Agatha sorriu alegremente, finalmente o humor do príncipe havia melhorado.
— Mas vamos mesmo ter que ler todos os livros atrás da localização dessa suposta planta? — Agatha fez uma expressão de tédio, olhando para o príncipe que sorria para aquelas páginas.
— É a única opção.
Aqueles dois passaram o dia inteiro lendo livros medicinais que falavam sobre plantas e ervas. Ainda mantinham a esperança acesa em achar um livro que falasse sobre essa planta que curava todas as enfermidades. Eles acabaram adormecendo por cima de uma montanha de livros. Agatha, que estava babando, encostou sua cabeça no ombro direito do Homura enquanto roncava.
— Zzzzzz!
(...)
— Homura! Homura!
Era de manhã e Lernen dava tapas nas bochechas de Homura. Seus traços foram se contorcendo, suas pálpebras se remexaram e o que os seus olhos contemplaram após serem esfregados diversas vezes foi a expressão de profunda tristeza que o seu amigo fazia.
— O que foi, Lernen? — Homura bocejou, esticando seus dois braços. — Ainda é de manhã.
— É o seu pai.
— O que tem o meu pai?
— Creio que seja melhor você ir ao quarto real.
Homura, tomado pela preocupação, levantou-se da montanha de livros e saiu daquela biblioteca às pressas. Lernen ficou ali, vigiando Agatha, que continuava dormindo calmamente.
"Só espero que o velho não tenha piorado. Aguente um pouco, que eu vou achar a planta que cura todas as enfermidades", pensava Homura enquanto caminhava pelos corredores ao aposento do pai. Ao chegar lá, encontrou dois guardas fazendo escolta. Seus rostos enunciavam uma tristeza profunda, enquanto abriam a porta.
Homura entrou, contemplando, à primeira vista, o capitão dos soldados com a cabeça inclinada e um joelho rente ao tapete carmesim. Ao seu lado estava Sr. Dimitris, que expressava tristeza enquanto olhava para cara de choque do príncipe.
— O meu pai... — Pressentindo o que havia acontecido, Homura correu à cama do pai, contemplando o rosto empalidecido do rei. — O meu pai não! — Deitou a cabeça contra o peito do pai, não sentindo mais nenhuma batida vinda do coração.
Os gritos de Homura ressoaram pelo quarto inteiro enquanto ele balançava o corpo do pai desesperadamente, numa tentativa falha de o acordar.
Por outro lado, enquanto aquele jovem sofria pelo desaparecimento físico do pai, um dos soldados abriu a porta do quarto e entrou nele às pressas. Ele segurava seu braço direito ensanguentado enquanto suspirava ofegante.
— Senhor! Senhor! O castelo está sendo atacado!
— O que?! — emitiu o capitão, de olhos arregalados, seus traços se reunindo em uma expressão de descrença.
O soldado que entregou essa informação caiu no chão logo após ser acertado por uma flecha na nuca. Sua queda revelou um homem com máscara de águia cobrindo o rosto. Ele segurava um arco em sua mão e o brasão de águia cravado em sua couraça prateada, deixava claro que se tratava de um soldado do reino inimigo.
E como se não bastasse aquele arqueiro inimigo, mais quatro soldados carregando espadas em suas mãos invadiram o quarto. Seus olhos assassinos transmitiam uma ardente sede de sangue.
— Quem são vocês? — indagou o capitão. Sr. Dimitris estava tão apavorado que se escondia atrás dele.
E o Homura sequer reagia, ele estava entregue ao profundo sofrimento enquanto tinha o rosto contra o peito do pai, deixando verter várias quantidades de lágrimas.
— Do reino de Alaskar, estamos invadindo seu reino — respondeu o arqueiro.