O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 76: As Vozes do Caos

Suzuki se encontrava no canto de sua cela e encolhido.

Sentia frio, seu rosto doía e estava inchado, e sua mente, quebrada.

Diante dele, repousava uma pequena pedra roxa com um brilho estranhamente atraente.

Apesar de ter dito que faria qualquer coisa para proteger sua esposa, sentia um frio na espinha e uma repulsa estranha daquele objeto.

Era como se... sua alma soubesse que tocar aquela pedra era perigoso.

Várias horas havia se passado desde que aquele homem ensandecido apareceu e deixou a pedra e, desde aquele momento, esteve encarando-a em um estado de quase transe.

Parecia que ficaria daquela maneira por dias, porém, o som das pessoas das celas próximas sendo torturadas pesaram na sua decisão.

Lentamente, Suzuki se arrastou até a pedra de Conjuração.

Quando mais perto chegava, mais aquele objeto parecia chamá-lo.

Sua mente ainda tentava resistir. O que restava de sanidade dizia-lhe que era uma péssima ideia.

Entretanto, já era tarde.

Suzuki se aproximou demais, e o chamado agora era mais forte do que sua vontade.

Quase como se sua mão se movesse sozinha, Suzuki agarrou a pedra.

No momento seguinte, o mundo ao seu redor mudou.

Sua sala ainda existia. Os formatos da barra e da pedra eram o mesmo, porém pareciam feitos de uma energia roxa escura bizarra e caótica que mudava o tempo todo.

Suzuki percebeu que o mesmo havia ocorrido com sua mão. Seu corpo havia se transformado nessa estranha energia, e sua mente era incapaz de compreender isso.

Suzuki sentiu como se sua mente derretesse, como se a realidade fosse apenas uma ilusão.

Tudo o que sentia havia desaparecido, dando lugar a apenas uma coisa.

Caos.

Ora, ora, o que temos aqui? — soou uma voz de todos os lados, poderosa e carregada de estática.

Suzuki tentou falar, mas sua mente não conseguia compreender nada.

Não ta vendo que é um humano? Cego do caralho! — disse a mesma voz em um tom levemente mais grosso, quase como se respondesse a si mesmo.

Cala a boca! Seu fodido! — respondeu a voz mais uma vez, ignorando completamente a presença de Suzuki.

Hihihi! Meu pau no teu ouvido! — respondeu a mesma voz em um tom mais zombeteiro.

A mesma voz continuou a discutir com si mesma, quando Suzuki, reunindo toda a força mental que possuía, finalmente conseguiu falar.

— O que... tá acontecendo? — perguntou com uma voz grogue.

Caralho! Ele tá vivo! — disse a voz em um tom mais agudo. — Veio fazer o que aqui? Seu inseto!

— Como é? — perguntou Suzuki. Aquela voz não tinha coerência nenhuma, falava com ele em um tom amigável para, no momento seguinte, seu tom mudar e ser agressivo contra ele.

CALA A BOCA PORRA! É minha vez de falar agora! — gritou a voz, vindo de dentro da cabeça de Suzuki e atordoando-o com o poder dela. — Ah, peço desculpas por isso... Tem que se fuder mesmo e acabou! Hihihihi!

— Eu... quero poder... — disse Suzuki com dificuldade, desistindo de tentar compreender e encontrar qualquer lógica naquele ser que falava com ele.

Ah, sim, poder, é claro! Pra fazer o quê? Matar? Se divertir? Ou pra se transformar em um pepino-do-mar?

— Proteger... minha esposa...

BUUH! Que motivo chato! — vaiou a voz. — JÁ FALEI PRA CALAR A BOCA!

Suzuki perdeu completamente a noção de tempo. Parecia que estava ali havia dias, mesmo que apenas alguns segundos tenham se passado.

Está disposto a ganhar poder mesmo que mude completamente? Mesmo que deixe de ser quem é? Mesmo que deixe de ser humano? Mesmo que isso o leve a... loucura?

— Sim... — murmurou Suzuki, sentindo sua consciência tomada pelo caos. — Faço qualquer coisa... por Yuri...

Ao ouvir isso, a voz riu histericamente, ou melhor, as vozes.

Não só as quatro vozes, mas outras milhões riram cada uma com uma risada diferente, como se uma orquestra estivesse totalmente perdida e tocassem a mesma música, mas todos em um ponto diferente.

Você é interessante! E burro! — disse a voz. — Vou te dar o máximo de poder possível! Em troca de sua patética alma! HAHAHAHAHAHA!

No momento seguinte, Suzuki sentiu toda sua mente ser invadida por milhões de vozes, cada uma falando algo diferente.

Algumas gritavam e xingavam. Outras cantavam e contavam histórias. Conversas cotidianas, discussões, discursos, palestras... tudo ocorria ao mesmo tempo.

Era como se todos no mundo todo estivessem dentro da mente de Suzuki, que gritava de dor, rolava no chão de pedra e tampava os ouvidos na vã tentativa de bloquear o som daquelas vozes, chegando ao ponto de arrancar as próprias orelhas com as mãos.

Porém, era inútil.

Aquelas vozes não viam de fora, e sim de dentro.

A voz de Suzuki foi completamente abafada pelo som das milhões de vozes em sua mente, destruindo completamente a consciência dele.

Suzuki perdeu sua alma, a si mesmo e a própria identidade.

Contudo, ganhou o poder que tanto desejava.

 

***

 

O grupo acolheu a mulher ferida e tratou os ferimentos dela.

Como era de se esperar, sua pele era branca, possuía cabelos escuros e olhos puxados, como a maioria dos habitantes das Montanhas Prateadas. A única peculiaridade sobre ela era a cor de seus olhos: verdes.

Após ter suas forças recarregadas pela cura de Luna, a mulher começou a recobrar a consciência lentamente.

— O que houve? — perguntou Feng Ping para Sariel. — Será que foi uma Seita?

— Sim... — disse o viajante. — Me lembro dessa mulher. É uma das moradoras da vila que passei a noite na minha primeira visita aqui...

— Aquela vila não é tão distante daqui — disse Yuu. — Para uma Seita fazer algo tão arriscado, provavelmente é obra de Elgor.

— Vamos esperar que ela acorde para perguntar tudo... — disse Sariel.

Passados alguns minutos, a mulher finalmente acordou, surpreendendo-se ao perceber seus ferimentos totalmente curados.

Por sugestão de Sariel, Feng Ping estava sentado logo ao lado dela para que, no momento que acordasse, se sentisse segura ao ver a figura do Pilar do Vento.

E de fato funcionou... parcialmente.

— Mestre Ping! A vila, as pessoas — disse desesperadamente e de maneira incongruente. — Por favor, nos ajude!

— Acalme-se, está tudo bem agora — disse Feng Ping. — Sente-se antes e tome algo para se acalmar, e depois me diga o que aconteceu.

— Ce-Certo...

Yuu trouxe um chá para a mulher, que aos poucos acalmava-se.

— Pode me dizer seu nome? — perguntou o Pilar do Vento.

— Me chamo Fuyu Midori — respondeu. — Peço desculpas por minha intromissão.

— É um prazer, Fuyu-san — disse Feng Ping. — Pode explicar o que aconteceu desde o começo?

— Be-Bem... Não sei bem o que aconteceu, foi muito repentino — disse com a voz levemente trêmula. — Foi a uns 2 dias, eu acho... Estava cuidando do almoço quando ouvi gritos do lado de fora... Quando saí para ver o que estava acontecendo, havia vários homens com mantos pretos disparando magias contra nossas casas...

— Que tipo de magias? — perguntou Yuu.

— Eu não sei muito sobre magia... mas lembro de ter visto raios, gelo, fogo, vento e água, eu acho. Também tinha uns animais estranhos que nunca vi antes.

— O que aconteceu depois? — perguntou o Pilar do Vento.

— Eles capturaram e amarram todos que ficaram, e os que tentaram fugir eram mortos — disse com lágrimas surgindo no rosto e sua voz se tornando chorosa. — Eu e meu marido tentamos fugir juntos... mas ele foi atingido... Continuei correndo por que precisa avisar o mestre Ping...

— Está tudo bem, acalme-se... — disse Feng Ping. — Inspire e expire devagar.

Fuyu tentou controlar sua respiração, acalmando-se novamente.

— Está melhor agora? — perguntou Yuu.

A mulher afirmou com a cabeça.

— Sabe para onde eles foram? — perguntou o Pilar do Vento.

— Para o norte... — respondeu Fuyu. — Para Báishui.

— Báishui... — murmurou Feng Ping em um tom melancólico.

Báishui, este é o nome do reino natal do Pilar do Vento. Como era localizado ainda mais ao norte que as Montanhas Prateadas, o ambiente era ainda mais frio, e o mar do reino era totalmente congelado, tornando a vida ali extremamente difícil.

A situação piorou após o ataque dos anjos, e o reino quase desapareceu do mapa. Contudo, graças à ajuda do Conselho, Báishui sobreviveu e começou a crescer novamente, apesar da maioria da população ainda estar na extrema pobreza.

Feng Ping nunca retornou à sua terra natal desde o ataque dos anjos, pois aquele lugar lhe trazia lembranças amargas que temia encarar.

— Mestre Ping, por favor, faça algo! — implorou a mulher. — Talvez eles ainda estejam vivos...

— Não se preocupe, partiremos agora mesmo para lidar com isso — disse o Pilar do Vento. — Certo? — perguntou encarando o resto do grupo.

Todos confirmaram com a cabeça.

— Muito obrigada! — agradeceu a mulher enquanto se ajoelhava e tocava a testa no chão. — Muito obrigada mesmo!

— Neste caso, devemos nos preparar e partir — disse Sariel. — Teremos que ir a pé já que teremos que atravessar as montanhas.

— Eu precisarei ficar aqui para me certificar que nada aconteça — disse Yuu. — Se todos nós estivermos ausentes, com certeza se aproveitarão disso.

— De fato — concordou Feng Ping. — Por favor, cuide de Fuyu por mim, Yuu.

— Certo, mestre.

Após isso, todos foram para seus respectivos quartos onde pegaram seus pertences, se equiparam e se prepararam.

Enquanto Raymond se preparava, Shiina apareceu em seu quarto.

— Já está pronto? — perguntou de uma maneira levemente distante.

— Quase, precisa de algo?

A assassina permaneceu em silêncio por um breve momento, fazendo o guarda-costas perceber isso e se virar para encara-la.

Shiina se aproximou um pouco e, desviando o olhar, disse em um tom melancólico: — Obrigada por ter me defendido... É a primeira vez em muito tempo desde que alguém confiou em mim...

Ao ouvir isso, Raymond ficou um pouco sem graça e desviou o olhar também.

— Ah... Eu deveria me desculpar por ter exposto nossa conversa... — disse.

— Querendo ou não o resultado seria o mesmo, minhas memórias sendo verificadas... — disse a assassina. — Mas você me defendeu, e ainda pediu permissão antes de contar tudo.

— Bem... é o mínimo que eu poderia fazer — respondeu Raymond. — Eu jamais poderia ignorar uma pessoa que precisa de ajuda.

Shiina sorriu levemente após ouvir isso.

— Bom, é melhor não demorar — disse. — Em breve partimos.

— Certo.

Raymond se virou para pegar sua arma — a espada longa que originalmente pertencia a Indra — ficando de costas para Shiina.

Como estava de guarda baixa, não percebeu a assassina se aproximando sorrateiramente atrás dele, usando toda sua habilidade e até mesmo com magia de Ilusão.

Shiina se aproximou bem perto de seu rosto, como um tigre prestes a dar o bote em sua presa.

Então, em um único movimento rápido, Raymond sentiu algo suave e levemente molhado tocar sua bochecha.

Virando-se em um pulo, percebeu Shiina se afastando de costas para ele.

— O que você fez? — perguntou confuso.

Sem se virar, a assassina disse em um tom doce: — Apenas meu jeito de dizer “obrigado”.

Shiina imediatamente se afastou, evitando que Raymond percebesse seu rosto avermelhado.

O guarda-costas, ainda sem entender, levou a mão até a própria bochecha e sentiu algo.

Observando seus dedos que tocaram sua pele, percebeu que possuía uma mancha vermelha, bem semelhante ao batom que Shiina usava.

Pego totalmente de surpresa por aquilo, Raymond não soube o que sentir.

Sem saber como reagir, chacoalhou a cabeça, limpou o resto da mancha e terminou de se arrumar.



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