O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 2

Capítulo 73: De Volta em Casa

Um frio absoluto reinava, tornando aquele lugar totalmente inabitável.

O Pico da Garra Gélida, a montanha mais alta do mundo, estava a alguns quilômetros mais ao norte das Montanhas Prateadas.

Nada vivo habitava ali. Plantas não cresciam, animais não sobrevivem àquelas condições, e nem mesmo bactérias são capazes de suportar este ambiente.

Este era um local onde apenas rochas, água congelada e uma concentração absurda do elemento Gelo existiam.

No momento, o planeta estava inclinado o suficiente para que a montanha fosse iluminada pelo sol, contudo, a própria nevasca era tão extrema que rebatia para longe o calor e a luz, portanto, a escuridão dominava.

Nada habitava ali, ou era isso o esperado.

Em algum canto daquela montanha, Suzuki, o morador de uma pequena vila das Montanhas Prateadas, se encontrava encolhido no canto de uma cela gelada e escura, iluminada por uma luz artificial do corredor de onde estava sua sala.

— Por que isso foi acontecer? — perguntou-se desesperadamente. — Deixem eu e minha mulher em ir embora!

Inúmeros gritos, incentivados por seu desespero, ecoaram e imploraram por piedade.

Pouco tempo depois, um homem vestindo um manto escuro e encapuzado apareceu carregando o cadáver de uma criança em seus ombros. Seu rosto era todo deformado como se tivesse recebido inúmeros golpes antes, e faltava alguns dentes em sua boca.

— CALEM A BOCA! NINGUÉM VIRÁ SALVÁ-LOS! — gritou com uma voz escarrada.

Imediatamente, todos se calaram.

O homem, ainda insatisfeito, parou na frente da cela de Suzuki.

O aldeão o reconheceu, afinal, várias pessoas vestidas como ele surgiram do nada, capturaram-nos e levaram-nos até aquele lugar.

— Você... — disse o homem com um sorriso perverso. — Foi quem iniciou essa barulheira...

— Me-Me perdoe! Não farei mais! — implorou Suzuki.

O devoto abriu a cela de Suzuki e jogou o corpo que carregava lá dentro.

Como se não bastasse, socou fortemente o rosto de Suzuki repetidas vezes, que apenas pôde se encolher e receber aqueles punhos pesados.

O homem ainda riu conforme espancava o indefeso Suzuki.

Após alguns minutos, o devoto finalmente parou e apontou para o cadáver da pobre criança, morta brutalmente e sem piedade.

— Se não quiser ficar como ele, é melhor ficar quieto!

Suzuki permaneceu no chão, mas o homem ainda estava insatisfeito.

Hmm, ainda precisa de uma punição... Já sei! Vou estuprar e matar sua querida esposa na sua frente! — disse com um sorriso abominável. — O que acha disso, hein?

 Ao ouvir isso, Suzuki arregalou os olhos e começou a chorar.

— NÃO! FAÇA QUALQUER COISA COMIGO, MAS NÃO COM YURI! — gritou desesperadamente conforme segurava fortemente as barras da cela em que estava. — ACEITO QUALQUER COISA!

O homem, entretanto, riu histericamente daquilo.

HAHAHA! TEMOS UM HOMEM DE VERDADE AQUI, NÃO ÉÉÉ? — disse diabolicamente. — MAL POSSO ESPERAR PARA VER O ROSTO DE VOCÊ E DE SUA ESPOSA QUANDO EU FODÊ-LA NA SUA FRENTE!

— NÃO, POR FAVOR! — implorou Suzuki. — FAÇO QUALQUER COISA.

Contudo, o homem o ignorou e começou a ir embora, trancando a sela e deixando o cadáver ao lado de Suzuki.

— Vou trazê-la em um instante! — disse conforme se afastava. — Não saia daí, heinnn!

Suzuki implorou e gritou, mas foi tudo em vão. Era apenas um simples aldeão que não tinha poder nenhum para evitar aquilo.

Sentando-se em posição fetal, começou a chorar.

— Yuri... Noda... Me desculpem... — disse entre soluços. — Se ao menos eu fosse forte...

 

***

 

Em meio a uma forte nevasca causada pela batalha entre Sariel e Feng Ping, o grupo avançava lentamente até a moradia do Pilar do Vento.

A noite já havia caído e, como estavam usando caminhos mais discretos, era impossível que fossem notados.

Durante o caminho, o grupo informou resumidamente seu caminho até o momento a Feng Ping.

Após algum tempo, finalmente se depararam com a moradia do Pilar do Vento, além de uma figura feminina aguardando por eles do lado de fora.

Assim que viu seu mestre acompanhado daquelas pessoas, Yuu se aproximou e deu as boas-vindas.

— Bem-vindo de volta, mestre — disse conforme se curvava.

Hm, estou de volta, Yuu — respondeu Feng Ping.

A aprendiz voltou sua atenção para o grupo, focando-se em Sariel.

— Sejam bem-vindos a Shiroi Tate — disse para os visitantes, curvando-se também. — E é bom vê-lo novamente, senhor Sariel.

O viajante retribuiu o gesto e, enquanto sorria, disse: — Digo o mesmo, senhorita Yuu.

— Yuu, estes são Luna, Raymond e Shiina — disse O Pilar do Vento apresentando cada um. — São nossos aliados.

A aprendiz encarou rapidamente os três e prendeu seu olhar na assassina, lembrando-se claramente daquela pessoa.

Sensei — disse furtivamente para Feng Ping usando a língua das Montanhas Prateadas. — Naze sono koroshia wa koko ni irasshaimasuka?

— Está tudo bem, Yuu — disse o Pilar do Vento. — Logo entenderá tudo.

A aprendiz não retrucou e voltou sua atenção ao grupo.

— Perdoem-me por minha falta de bons modos — desculpou-se. — Chamo-me Yukinoshita Yuu, é um prazer.

— É um prazer — disseram Luna e Raymond.

Shiina, entretanto, havia percebido o que Yuu havia perguntado a Feng Ping.

Oi! Watashi mo Shiroi Tatejin da to iu no wo oboteiru ka? — perguntou. — Watashi no koto wo wasuretyatta ka?

— Não teste minha hospitalidade, Shiina — alertou Feng Ping, fazendo a assassina imediatamente se calar. — Está tarde agora, portanto vamos dormir e amanhã discutiremos nossos planos.

— Posso preparar um jantar para todos antes — sugeriu Yuu.

— Não morreremos se pularmos uma refeição — disse Sariel. — O que mais precisamos no momento é de repouso.

Sem nenhuma reclamação, todos entraram na moradia do Pilar do Vento.

O viajante percebeu que todo o lugar estava idêntico se comparado com sua primeira visita. Cada pedaço de madeira, mobília ou pregos parecia exatamente igual. Era seguro dizer que os construtores que repararam o local eram mais que habilidosos.

O grupo todo foi separado e dormiram em um quarto cada.

Todos adormeceram rapidamente, especialmente Luna, que aguardava a aparição de Sariel em seu subconsciente.

A princesa se encontrou no seu espaço branco, um local onde não se podia ter noção nenhuma de localização.

Luna se surpreendeu e quase caiu quando olhou ao redor, sentindo sua cabeça incapaz de compreender o espaço ao redor.

Contudo, aquele lugar era sua mente, e tudo estava sob seu controle.

— Isso... é aquilo que Sariel me disse antes! — disse animada. — É a camada mais profunda da minha mente!

A princesa observou o local com os olhos brilhando, apesar de ser apenas um infinito espaço branco.

Não passou muito tempo e a princesa logo sentiu a consciência do viajante pedindo permissão para entrar.

Contudo, havia outras duas consciências que ainda não conhecia.

Hesitou por um breve momento, mas decidiu permitir a entrada dessas consciências misteriosas.

Diante dela, surgiram Sariel — com os olhos castanhos —, Feng Ping e Yukinoshita Yuu.

— Ora, vejo que conseguiu acesso total ao seu subconsciente — disse o viajante. — Parabéns! É uma grande conquista alcançada em pouco tempo.

— Obrigada, apenas consegui por sua causa — agradeceu Luna com um sorriso sincero.

— Tudo que fiz foi dizer o que devia fazer. A prática é muito mais difícil.

O Pilar do Vento e a aprendiz observaram o espaço branco com curiosidade.

— Isso me faz lembrar de quando finalmente consegui acessar meu espaço branco também... — disse Yuu pensativa.

— Bem, vamos ao que interessa — disse Sariel. — Há muita informação que omitimos durante nossa caminhada até aqui, portanto está na hora de revelar tudo.

— Sim, mas há tanto para ser dito que nem sei por onde começar... — disse Luna.

— Falar aqui é desnecessário, é melhor mostrar — disse o viajante. — Eu começo, portanto aproximem-se de mim.

Todos se aproximaram de Sariel, que estendeu sua mão para que tocassem.

Feng Ping e Yuu tocaram sua mão sem hesitar, e Luna os seguiu logo depois.

No momento que todas as quatro consciências se conectaram, as memórias de tudo que aconteceu, na visão de Sariel, foram transmitidas.

O Pilar do Vento e a aprendiz precisaram de um certo tempo para assimilar toda informação, contudo, a princesa, precisou de apenas um segundo já que havia vivenciado a maioria daquilo com o viajante.

— Sariel, você... — disse Luna surpresa. — Apagou sua memória sobre a profecia... Por isso superou tão rápido.

— De fato, portanto precisarei que refresque minha memória — respondeu o viajante.

— Então foi por isso que deixou Indra vivo... Não é à toa que o Conselho não descobriu sobre vocês... — disse Feng Ping seriamente.

— Arrancar o braço dele foi uma ideia, apesar de um pouco extrema... — disse Yuu.

Em apenas um único toque, todas as perguntas que o viajante poderia responder foram sanadas.

— Luna, nesse ponto já consegue escolher suas memórias, portanto pode nos colocar no momento que Feykron contou sobre a profecia? — perguntou Sariel.

— Ah... tem certeza? — perguntou a princesa com apreensão. — Você ficou bem mal quando ouviu aquilo...

— Não é algo que eu posso ignorar. Além disso, agora estou preparado — disse Sariel confiante.

— Está bem... espere um momento, por favor.

Luna se concentrou e todo o ambiente se transformou em um piscar de olhos.

Os quatro se viram na sala onde Sariel e Luna do passado conversavam com Feykron.

A memória prosseguiu claramente, e o viajante ouviu, pela segunda vez, sobre a profecia.

Dessa vez, Sariel não demonstrou choque ou pavor como na primeira vez, apenas permaneceu sério.

Quando a memória terminou, o viajante permaneceu em silêncio por um tempo e com uma expressão pensativa.

— Sariel, está tudo bem? — perguntou Luna se aproximando dele e com o rosto preocupado.

— Ah, sim, não se preocupe — respondeu o viajante. — Estou bem.

Apesar do que havia dito, seu ar descontraído havia sumido, deixando apenas sua seriedade, portanto, apesar de não parecer ter se afetado tanto, definitivamente houve uma mudança.

— Bem, agora só resta o que você sabe, Feng Ping — disse Sariel.

— Isso não será necessário — disse o Pilar do Vento. — Amanhã de manhã contarei tudo. Não possuo nenhum segredo que deve ser compartilhado apenas entre nós.

— Neste caso, devemos nos despedir agora e descansar — disse o viajante. — Concordam?

Todos o encararam por um momento, perguntando-se se realmente estava bem e buscando sinais de abalo.

— Tem certeza de que está bem? — perguntou a princesa. — Sabe que pode contar comigo.

— Apenas há muito para se pensar — respondeu.

— Certo... — concordou hesitantemente Luna.

Sariel, Feng Ping e Yuu deixaram o espaço branco de Luna ao mesmo tempo, já que o viajante foi quem os trouxe até ali.

A princesa permaneceu pensativa em seu subconsciente, quando se lembrou que esqueceu de falar sobre Elise.

— Bem, posso contar amanhã de qualquer maneira...

Enquanto isso, o viajante retornou até seu próprio subconsciente, se deparando com a pilha de livros desorganizada.

— Muito bem, hora de arrumar.

Sariel começou a separar os livros e colocá-los em estantes demarcadas.

Apesar do espaço imenso que era aquela biblioteca, era muito prática e metódica, então encontrar a informação correta era extremamente eficiente.

Após algum tempo arrumando o local, a pilha reduziu a apenas meia dúzia de livros, quando o viajante percebeu algo estranho.

Havia um certo livro que, apesar de possuir a forma e tamanho de um, não possuía a textura e cor do couro — nem do papel —, diferente dos outros que havia ali.

Sariel revirou o item, tentando desvendar sobre o que se tratava, mas ele era inteiramente preto, como se fosse feito da mais absoluta escuridão.

Como não havia nada no chamativo no exterior — apesar de sua aparência incomum — o viajante tentou abri-lo.

Contudo, não importava quanta força usava, o livro se recusava a abrir.

— Mas o quê?! Por que não consigo abrir? — perguntou o viajante totalmente confuso. — Este é meu subconsciente, tudo aqui está sob meu controle.

Sariel tentou abrir o livro novamente, mas não conseguiu movê-lo nem um milímetro.

— Isso não faz sentido... Não é algo de outra pessoa, pois posso sentir que isso pertence a mim, é um pedaço de mim... Mas por que não tenho controle sob um conhecimento oriundo da minha própria consciência?

O conhecimento do viajante sobre magia estava a par com o dos Pilares, e aquela era uma situação que nunca leu sobre antes.

Aquele livro despertou um sentimento desconfortável nele, afinal, era um objeto estranho dentro de seu subconsciente que não tinha controle nenhum.

— Eu deveria queimá-lo? — perguntou-se. — Não... seria muito imprudente descartar isso sem procurar uma solução...

Sariel permaneceu pensativo por um longo tempo, quando enfim chegou a uma conclusão.

— Não gosto nem um pouco da ideia de ter algo assim livre, mas... Quem sabe o que poderei descobrir sobre isso... — Conforme segurava o livro, todo o ambiente mudou e o viajante foi parar em uma pequena sala com estantes.

Aquele era o local onde armazenava as informações mais preciosas, portanto era o local mais seguro para guardar algo como aquele livro escuro.

Movendo-se até o centro da sala, colocou o livro em um pedestal e, no momento seguinte, várias letras prateadas surgiram do chão, das paredes e do teto, prendendo o livro como se fossem correntes.

— Isso deve bastar... — disse pensativamente.

 

***

 

Raymond estava prestes a adormecer, quando um som fraco de alguém caminhando perto de seu quarto.

O guarda-costas, curioso com o barulho, se levantou para checar a fonte.

Seguindo onde acreditara que a pessoa estava indo, chegou até o salão de entrada — que estava relativamente escuro — e se deparou com Shiina sentada diante de uma mesa, vestindo algo completamente diferente do normal.

A assassina, no lugar de suas roupas escuras e coladas, vestia um yukata — um traje para ser usado após um banho — de cor azul escuro e com detalhes brancos.

Seu cabelo estava solto e molhado. Não tinha nenhuma maquiagem no rosto — mostrando uma beleza natural e, de certa maneira, pura —, e encarava de maneira distante o teto da sala.

Se não fosse pela cor de seus cabelos e olhos, poderia facilmente ter sido confundida por Yuu a uma distância boa o suficiente.

Shiina percebeu Raymond se aproximando e se virou para vê-lo.

— O que está fazendo aqui? — perguntou.

— Ouvi alguém passando pelo meu quarto — respondeu o guarda-costas. — Por que não está dormindo?

A assassina desviou o olhar e permaneceu em silêncio.

Foi neste momento que Raymond se lembrou do que acontecera com ela naquele exato lugar.

Sentindo-se culpado por ter esquecido, tentou dizer algo.

— Como sabia que havia um lugar para se banhar aqui?

— Eu vi várias das salas daqui quando recebemos aquela missão... — disse com a voz distante e um olhar triste. — Ainda me lembro até hoje desse lugar...

Ao ouvir aquilo, Raymond praguejou internamente.

“Maldição, tentei desviar do assunto, mas acabei só relembrando mais sobre isso”, pensou enquanto quase levava sua mão até a testa.

Um silêncio constrangedor perdurou por algum tempo, quando a assassina se levantou e caminhou até Raymond.

— Obrigada por ter se preocupado comigo — agradeceu com um sorriso levemente triste. — Peço desculpas por não ter sido silenciosa o suficiente

— Não se preocupe — respondeu Raymond, sentindo que ainda não havia feito o suficiente. — Ah... e ficou bem com esse... err... roupão... — disse sem jeito, percebendo no meio de sua frase que não sabia o nome daquele traje.

Ao ouvir aquilo, Shiina sorriu suavemente e disse entre pequenos risos: — Se chama yukata, bobo...

O guarda-costas ficou um pouco sem jeito, e não soube o que responder.

— Dessa vez vou deixar passar e não te importunar por ter me elogiado — disse Shiina. — Não pense que me esquecerei disso.

— Neste caso, não a elogiarei mais — respondeu o guarda-costas tentando soar irônico.

— Por que até você está começando a soar como Sariel? — perguntou a assassina. — Se bem que gosto de quando é você quem faz isso...

— Bem, está ficando tarde, portanto irei dormir — disse Raymond se afastando o mais rápido possível dali.

“Pelo jeito, não conseguirei combater as investidas dela com a própria arma dela. De qualquer maneira, por que eu disse isso?”, pensou Raymond.

A assassina viu o guarda-costas se afastando e, quando teve certeza de que já não estava mais presente, levou uma das mãos no rosto e tocou sua bochecha.

Se Raymond tivesse insistido mais um pouco, ou ficado por mais tempo, teria presenciado o rosto envergonhado e, surpreendentemente, fofo de Shiina.


Fala pessoal, como tem ido? Enfim, o volume 2 finalmente começou a sair, portanto aproveitarei para convidá-los para meu servidor do discord da obra. Lá podera discutir sobre a obra, me perguntar algumas coisas e até ver artes dos personagens. O link está logo abaixo!

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Tradução das frases em japonês: — Naze sono koroshia wa koko ni irasshaimasuka? (Por que essa assassina está aqui?)

Oi! Watashi mo Shiroi Tatejin da to iu no wo oboteiru ka? (Ei! Lembra que também sou das Montanhas Prateadas?)

— Watashi no koto wo wasuretyatta ka? (Se esqueceu de mim?)



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