O Primeiro Serafim Brasileira

Autor(a): Anosk


Volume 1

Capítulo 68: Calmaria Antes da Tempestade

Sariel e Feng Ping terminaram de contar tudo que ocorreu nas Montanhas Prateadas antes da chegada do viajante em Fordurn.

Um bom tempo havia se passado, portanto todos estavam próximos do fogo enquanto mordiscavam algo e escutavam.

— Bem, isso é tudo — disse o Pilar do Vento. — Estou um tanto curioso em saber por que Aegreon, o Pilar da Conjuração, e a assassina que tentou tirar a vida de Yuu estão com você, Sariel.

Shiina sentiu um frio na espinha ao ouvir aquilo, mas conseguiu controlar seu medo.

Ainda era muito nova quando aquilo aconteceu, mas o fato que Feng Ping ainda se lembrava e foi capaz de reconhecê-la mesmo após tantos anos era assustador.

— É uma longa história... — respondeu o viajante.

O Pilar da Conjuração lançou um breve olhar para Shiina antes de se virar para o Pilar do Vento e dizer: — De qualquer maneira, isso ainda não explica por que está aqui.

— Como já disse antes, o Conselho me avisou sobre o que aconteceu em Krimisha com um relatório bem completo, portanto imaginei que “Nungal” poderia ser Sariel — explicou Feng Ping. — Julguei que viriam para cá, portanto vim vê-lo.

— Se recebeu um relatório do Conselho então deve saber muito bem que Indra foi morto, e por este desgraçado! — acusou Aegreon enquanto apontava para o viajante. — Se tivesse relatado sobre ele ao Conselho, Indra ainda estaria vivo!

Ao ouvir aquilo, o Pilar do Vento olhou para Sariel com curiosidade, além de prestar bem atenção na reação das outras pessoas.

Aegreon, Raymond Sariel e Shiina não reagiram de maneira suspeita, contudo Feng Ping percebeu que Luna desviou seu olhar dele.

O relatório que recebeu dizia que Indra perdeu o braço na luta contra um poderoso membro da Seita de Elgor, mas agora percebeu que, na verdade, o viajante provavelmente lutou contra o Pilar do Raio, o derrotou e alterou suas memórias para não ser rastreado pelo Conselho.

E, pelo que parecia, Sariel mentiu e todos — exceto Luna — acreditavam que Indra estava morto.

“Por que manter em segredo isso? Apenas geraria desconfiança por parte dos outros...”

Feng Ping não sabia o motivo disso, mas decidiu apoiar a mentira.

— Essa espada... — disse enquanto olhava para a espada longa de Raymond. — Pertencia a Indra...

— Sariel me entregou isso depois... depois da luta — disse o guarda-costas.

— Então é verdade... — O Pilar do Vento permaneceu em silêncio por um momento, enquanto fingia estar surpreso com aquilo.

— Ainda acha que ele é confiável? — insistiu Aegreon.

— Indra seguia o caminho de Shura assim como você, Aegreon. Estava destinado a morrer pelo próprio desejo maníaco pela batalha — rebateu Feng Ping. — Você provavelmente teria feito o mesmo se Sariel não assumisse essa responsabilidade.

— Você... — Aegreon disse lentamente e tentando se controlar. —  Não é tão diferente de mim se diz isso.

— Sua provocação não funcionará, Shura. Graças a Sariel reencontrei meu caminho — disse Feng Ping calmamente enquanto se virou para o viajante e tocou seu ombro, um sinal de confiança e companheirismo.

Sariel olhou para o Pilar do Vento, percebendo uma serenidade plena nos olhos dele.

— Se está fora das Montanhas Prateadas... então pretende se unir a nós? — perguntou o viajante.

— Sim, contudo tenho uma condição — disse o Pilar do Vento com seriedade. — Apenas os acompanharei se me derrotar em uma batalha.

— Em uma batalha? — perguntou Sariel.

Feng Ping afastou sua mão do viajante e se levantou com graça.

— Na última vez que lutamos, você teria me derrotado se fosse uma batalha séria. Contudo, se pretendem mesmo ir contra o Conselho, então precisarão ser fortes o suficiente para esta tarefa — disse o Pilar do Vento conforme passava os olhos por todos os presentes.

Luna sentiu seu coração acelerar um pouco, ficando nervosa com o pensamento de ter de enfrentar — muito provavelmente — outros Pilares e talvez até mesmo Ardos.

Raymond também sentiu um leve nervosismo, já que todas as chances estavam contra eles. Não só havia o Conselho, como também toda a Vigília e a grande maioria dos humanos que desejavam a morte de odiavam os anjos.

Mesmo que fosse forte, não estava no mesmo nível de um Pilar, portanto, se uma situação terrível acontecesse, não seria capaz de proteger a vida de Luna.

Quanto a Shiina, não tinha muita escolha agora já que, além de estar ajudando Aegreon, também abandonou e o rompeu o contrato do Conselho de assassinar Luna, portanto apenas viveria se ajudasse o grupo — ou se os traísse, algo que jamais faria.

Feng Ping olhou bem para todos, para enfim dirigir sua atenção a Sariel.

— Portanto, Sariel, apenas os acompanharei se me derrotar, pois, se não conseguir me vencer, não poderá nem mesmo sonhar em derrotar Ardos. — O Pilar do Vento pausou por um breve momento. — E você é o único que pode derrotar o Pilar do Fogo...

O viajante permaneceu em silêncio por um bom tempo.

O que Feng Ping disse era verdade. Sariel, além de ter o poder mágico de um Pilar, era um Volátil, portanto apenas ele seria capaz de lutar contra Ardos. Se não derrotasse Feng Ping — que era considerado o segundo Pilar mais poderoso — então jamais derrotaria o primeiro.

“Não posso fazer isso... Não posso pôr as vidas deles em risco, muito menos... muito menos matar...”, pensou em estado de negação.

Sariel sempre soube que, se continuasse a proteger Luna, lutar contra o Conselho era inevitável.

“É inevitável, mas não posso tirar uma vida! Nunca matei alguém exceto os devotos das Seitas, pessoas que há muito perderam sua humanidade... Até mesmo evitei matar Indra... Não posso ceifar uma vida inocente!”

Sua mente estava um caos de pensamentos negativos.

“E se eu perder o controle por algum motivo e matar Feng Ping?”

Algo muito improvável de acontecer, mas sua mente só conseguia pensar no pior cenário.

O viajante já havia decidido seguir ajudando Luna e treiná-la para se tornar tão forte quanto um Pilar, pois assim, com todos do grupo juntos, seria difícil demais para o Conselho eliminá-la, e a oportunidade de conversarem e entenderem que a princesa era uma boa pessoa surgiria.

Contudo, após descobrir sobre seu destino, sua determinação havia se transformado em dúvida.

Agora temia até mesmo usar sua magia contra outra pessoa, temendo que mataria um inocente e concretizar o apocalipse da profecia.

No fim, o medo de si mesmo era tamanho que havia se tornado como Feng Ping quando o encontrou pela primeira vez: quebrado, sem vontade de agir e perdido.

Entretanto, agora que havia chegado tão longe e uma oportunidade tão preciosa surgido, a inação era inadmissível.

Carregado de dúvidas, o viajante se forçou a dizer suas próximas palavras.

— Eu... lutarei contra mestre Ping... — disse de uma maneira como se tentasse se convencer.

O Pilar do Vento percebeu a insegurança de Sariel, mas achou que se devia pelo fato dele temer machucá-lo — o que estava parcialmente correto.

— Não se preocupe — disse o Pilar do Vento enquanto tocava o ombro do viajante novamente. — Será uma batalha séria, mas saberemos muito bem quem será o vencedor sem ferir gravemente um ao outro.

Sariel se levantou lentamente e evitando olhar nos olhos de Feng Ping.

— Quando lutaremos? — perguntou apesar de desejar não saber a resposta.

— Agora — disse o Pilar do Vento com determinação.

— Como é? — perguntou Luna surpresa.

— Aqui é o lugar perfeito para lutar — explicou Feng Ping. — Estamos bem no meio do caminho entre as Montanhas Prateadas e a Cordilheira Belvuch, portanto já neva muito aqui apesar de ainda estarmos no verão. É um lugar isolado devido aos mitos sobre as minas e devido ao frio.

— Eu entendo, mas... — Luna se levantou e tentou argumentar, mas sem conseguir encontrar as palavras certas.

— Entendo sua preocupação — disse o Pilar do Vento. — Mas já lutamos antes, portanto a vida de ninguém aqui estará em perigo.

A princesa permaneceu em silêncio enquanto ainda tentava encontrar um motivo para adiar aquela luta. Estava preocupada com Sariel e com seu estado mental, que ainda estava abalado devido à profecia.

“Sariel é capaz de lutar contra ele, mas não agora...”, pensou.

Se o Pilar do Vento realmente havia recuperado sua técnica — a mesma técnica que tornava o viajante imprevisível nas batalhas — então era bem possível que Sariel perderia aquela luta.

“Não apenas isso, ele não será capaz de se concentrar... seus movimentos não serão invisíveis aos sentidos... talvez ele nem lute...”

A princesa ainda buscava uma alternativa, quando uma ideia absurda passou pela sua mente.

— Mestre Ping, peço que lute comigo ao invés de Sariel! — disse com nervosismo e em um tom claro.

Por um breve momento, todos ficaram em silêncio que com rostos surpresos. Até mesmo Sariel, Aegreon e Feng Ping foram pegos desprevenidos.

Após alguns segundos constrangedores, o primeiro a protestar foi logo Raymond.

— Luna! Ainda não é treinada o suficiente para lutar contra um Pilar! — disse desesperado enquanto se levantava e se aproximava da princesa, ficando ao lado dela e com um olhar claramente preocupado.

— Raymond tem razão, você não tem a menor chance contra ele! — concordou Shiina.

— Não pode fazer isso, lembre-se que estamos aqui por você — disse Aegreon, com o mesmo tom de voz, apesar de possuir uma preocupação apenas perceptível a Feng Ping e Sariel.

O Pilar do Vento encarou surpreso a princesa, percebendo um olhar nervoso, mas determinado.

O olhar de alguém que desejava profundamente proteger alguém importante.

— Mas isso não é justo! — disse Luna. — Não posso deixar que façam tudo por mim para sempre! Não posso ser um fardo!

Suas palavras saíram tão naturalmente que nem percebeu o que acabara de dizer. Apesar de estar tentando proteger Sariel e não de fato querer provar seu valor, o nervosismo fez seus sentimentos de inaptidão emergirem.

Feng Ping a olhou com uma certa admiração, e isso até o fez lembrar de Yuu.

“Esses dois, são um pouco parecidos comigo e com Yuu...”

Raymond, Shiina e Aegreon estavam prestes a protestar novamente, quando Sariel agiu antes.

— Não se preocupe, Luna. Eu lutarei contra ele... — disse com dificuldade.

— Mas...

— É algo que preciso fazer — interrompeu enquanto olhava fixamente nos olhos da princesa. — Consegue entender, certo?

Luna permaneceu em silêncio por um curto tempo, quando concordou coma cabeça e se afastou devagar dos dois.

— Muito bem, há um lugar aqui perto onde poderemos batalhar — disse o Pilar do Vento. — Vamos até lá enquanto esperam por nós aqui.

— Certo...

Ambos se afastaram com a neve caindo suavemente, enquanto o resto do grupo os observava com expectativa.

A lança do Pilar do Vento flutuava graciosamente ao seu lado — assim com a glaive do viajante — enquanto caminhavam lentamente.

Se Sariel vencesse aquela batalha, teriam uma adição importantíssima no seu grupo. Feng Ping não apenas era o segundo Pilar mais forte, como também era respeitado de uma boa maneira pelas pessoas, diferente de Aegreon que muitos respeitam pelo medo.

Sem contar que se encontrassem outro Pilar, seria muito mais fácil conversar calmamente, evitando assim lutas e mortes desnecessárias.

Entretanto... Luna não podia deixar de se preocupar.

O viajante e o Pilar do Vento estavam cada vez mais distantes, e em breve não seriam capazes de ouvir nada deles. Por isso, em uma última tentativa de animar Sariel, Luna gritou suas palavras de encorajamento.

— Sariel! — gritou em meio ao vento o mais alto que pôde.

Na distância, pode ver o viajante parando e se virando lentamente enquanto aguardava suas palavras.

Apesar de Luna querer dizer algo, percebeu que não sabia o que fazer.

Por um momento, tudo que conseguiu fazer foi murmurar e gaguejar coisas incompreensíveis, quando por fim decidiu dizer a primeira coisa que veio à mente.

— Não pense na... naquilo! — gritou. — Não pense em nada!

Sariel concordou com a cabeça de longe e se virou, e ambos seguiram seu caminho, desaparecendo no meio da neve.

Agora, apenas retornariam após o vencedor ter sido decidido.

Luna permaneceu parada por um bom momento, se culpando por ter dito aquilo.

“Eu só... pude dizer isso? Era minha última chance e disse algo tão estúpido...”, lamentou-se.

Entretanto, aquelas palavras que soaram estúpidas se provariam o melhor conselho naquele momento.


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