Volume 1
Capítulo 17: Impiedoso
— Que dia longo foi hoje... Eu te invejo um pouco por seu horário flexível, Ti-Chaak.
— Haha! Foi você que quis trabalhar nos portões, Sak-Lu. Poderia ter escolhido o mesmo lugar que eu.
Os dois amigos conversavam descontraidamente na casa de Ti-Chaak enquanto bebiam. Havia sido um dia longo, onde Sak-Lu teve que ajudar nos reparos da arena, ao contrário de Ti-Chaak, que pôde desfrutar de seu dia com bebidas e competições.
— Como diabos eu saberia que hoje apareceria alguém capaz de destruir a arena? Quando vi aquele tal de Sariel não esperaria que fosse tão forte.
— De fato. Na verdade, todos naquele grupo são extraordinários! Hoje competi com Raymond no braço de ferro e ele me derrotou mesmo após mais de uma dúzia de doses.
— Por acaso você não trabalhou hoje? — O amigo o encarou com uma certa raiva.
— Bem... sabe como é... ficou tudo uma bagunça devido a arena, então pude escapar algumas horas, hehe.
— Você pelo menos visitou minha esposa?
— Ah, sim... Ela está bem, na medida do possível.
Ao ouvir isso, Sak-Lu suspirou e apoiou sua cabeça com uma de suas mãos. Por um azar do destino, a gravidez de sua esposa era de risco e era preciso ser vigiada para evitar que algo desse errado e ela perdesse a criança.
— Mas relaxe! Vai dar tudo certo! Sabe como os curandeiros são habilidosos.
— Apenas espero que a criança não morra... teria sido um desperdício.
— Bem... Por que não mudamos de assunto? Soube que conseguiu algo interessante, posso ver? — O tom de Ti-Chaak se tornou sério.
— Ah sim, olhe aqui. — Sak-Lu se levantou e caminhou até uma mesa, onde havia deixado um objeto assim que chegou na casa do amigo.
Tratava-se de algo longo, com quase dois metros de comprimento, enrolado em um pano.
Ti-Chaak se aproximou e deu uma espiada por baixo do pano. Os olhos brilharam ao ver do que se tratava, como se tivesse encontrado um grande tesouro.
Estava um pouco difícil de ver, já que estava de noite e Sak-Lu ainda não havia iluminado a casa, portanto a única luz vinha da lua, que adentrava o ambiente timidamente, adicionando quase nenhuma luminosidade.
— Isso é um grande achado! — exclamou animado. — Pena que nosso líder vai confiscá-lo de qualquer maneira...
— Isso é verdade, mas adoraria testá-la em alguém antes... Por que não lutamos depois?
— Apenas se me deixar usá-la também.
— Feito.
Ti-Chaak espiou novamente o objeto enquanto exclamava em admiração por aquele objeto. Sak-Lu se juntou ao amigo e também admirou o item.
— Maravilhoso né? — perguntou uma terceira voz atrás de Ti-Chaak.
— Sim... Espera, qu...
Ti-Chaak se virou rapidamente após ouvir essa voz desconhecida, contudo foi agarrado pelo pescoço por uma mão poderosa.
— Guh!
Sak-Lu se levantou imediatamente e tentou atacar aquela pessoa desconhecida, no entanto foi atingido com um chute, sendo arremessado e colidindo com um armário.
— Onde é seu local de encontro? — perguntou o homem misterioso.
Ti-Chaak cobriu as mãos com fogo e lançou as chamas no rosto do homem, entretanto elas não o feriram, apenas iluminaram o rosto dele.
Sak-Lu, ainda no chão, empalideceu no momento que viu o rosto do homem envolto em chamas.
— Sa-Sariel!?
— Não vou perguntar novamente, me responda ou eu os mato... — insistiu o viajante em um tom entediado, porém irritado.
— Por favor! Espere! Nós temos família! — implorou Sak-Lu.
O viajante olhou para ele, tirando sua atenção do guarda que segurava. O olhar sanguinário que possuía penetrou a alma de Sak-Lu, como se encarasse o seu âmago.
— Morra! — gritou Ti-Chaak cobrindo as mãos mais uma vez com fogo.
No entanto essas chamas estavam diferentes agora, pois queimavam em uma cor roxa escura, diferente de qualquer fogo existente na natureza.
Ele estava pronto para lançar aquelas chamas estranhas em Sariel, contudo ele o arremessou contra o chão com força tremenda, fazendo-o perder o ar de seus pulmões.
Em seguida, ele sacou sua espada e cortou na direção de Ti-Chaak. Sak-Lu, ao ver seu amigo prestes a morrer, se levantou imediatamente e tentou socar o viajante.
A espada de Sariel se aproximou lentamente na visão de Sak-Lu. Isso o fez se lembrar do dia em que seu amigo o salvou de um anjo, o dia em que ambos se conheceram e imediatamente se tornaram melhores amigos.
Quando estava prestes a atingir o viajante, foi chutado novamente para o local que havia caído no primeiro golpe.
Ti-Chaak tentou usar suas chamas novamente, entretanto sua cabeça foi cortada antes mesmo que pudesse pensar em se defender.
O viajante chutou a cabeça dele aonde Sak-Lu estava, fazendo-o encarar os olhos sem vida de seu amigo.
O guarda entrou em choque ao ver a cabeça de seu amigo olhando para ele com olhos arregalados e vazios. Antes que percebesse, algumas lágrimas surgiram em seus olhos e ameaçavam escapar a qualquer momento.
Em seguida, Sariel caminhou em sua direção imponentemente. Apesar da altura dele ser próxima do guarda, a figura dele era como uma sombra avançado lenta, porém initerruptamente, devorando tudo em seu caminho. O único vestígio de luz nele vinha dos olhos, azuis e gelados, como a alma dele.
— Espera! Eu tenho esposa! Não me mate!
Mas era inútil. Sariel, de maneira implacável, o chutou no estomago, fazendo-o cair no chão e vomitar seu jantar.
— Um verme como você ousou se casar? — O olhar do viajante transpareceu raiva e nojo. — Não tente me enganar, sei quem você e seu amigo eram.
Sak-Lu, percebendo que apenas morreria caso tentasse persuadi-lo, decidiu lutar. Suas mãos se cobriram em chamas roxas e as apontou na direção do viajante.
Entretanto, com um movimento único e rápido, Sariel arrancou ambos os braços do guarda, cortando a carne e osso como se fosse papel.
— AAAH! MEUS BRAÇOS! AAAAAH — Sak-Lu urrou de dor enquanto sentia seu próprio sangue encharcá-lo.
O viajante se aproximou dele e, ao invés de o finalizar, aproximou ambas as mãos do que restou dos braços de Sak-Lu e, com um brilho dourado, fechou o ferimento, parando o sangramento.
Sariel se abaixou ao lado de Sak-Lu e o encarou friamente.
— Vou perguntar novamente, para cada vez que não me responder irei arrancar outro membro seu. — O encarou profundamente nos olhos. — Onde. É. Seu. Local. De. Encontro?
— Eu não sei do que está falan...
O viajante nem o esperou terminar sua frase para cortar sua perna direita, curando-a logo em seguida para estancar o sangramento.
— AAAAAAAAAAAAAAAH!
— Me responda!
— Eu nã...
Mais uma perna fora corta.
— AAAAAAAH! SOCORRO, ALGUÉM ME AJUDA! SOCORRO! — Sem mais membros, tudo que pôde fazer foi balançar violentamente sua cabeça na tentativa de se mover.
Mas ninguém veio...
— Ninguém vai te ouvir além dele — Sariel virou o rosto de Sak-Lu na direção da cabeça decepada do amigo, que o encarava com os olhos arregalados e mortos. — Coloquei uma Magia de Ilusão para impedir o som de seus gritos de serem ouvidos. Agora, responda minha pergunta.
Sak-Lu, sem ter como lutar, encarou os olhos do viajante por um bom tempo.
Finalmente, seu olhar mudou, mostrando um brilho de alguém que não havia desistido de lutar.
— Pode me matar, mas isso não vai ficar assim. Vamos te encontrar e te matar! — O desafiou confiantemente.
— Ora, finalmente mostrou sua verdadeira natureza huh? Mas não o perguntei isso, me responda logo.
— Vai se fuder.
— Você não me deixa escolha...
Sariel aproximou a mão direita, que emitia um brilho marrom, e encostou na testa de Sak-Lu.
No momento seguinte, o guarda sentiu sua mente sendo invadida pela consciência do viajante. Sua vida inteira começou a passar pela sua cabeça como um filme.
Suas memórias não seguiam nenhum tipo de ordem, ora via suas lembranças de quando era criança, ora via os acontecimentos mais recentes.
Tudo pareceu durar uma eternidade. Sak-Lu era incapaz de resistir à invasão e via forçadamente sua vida sendo repetida. Ele se viu criança, brincando pelas ruas do reino, que prosperava apesar da guerra. Se viu no dia que finalmente se tornara um guerreiro, ansioso para enfrentar os anjos. Se viu em seu casamento com sua esposa, onde ambos trocaram seus votos com um grande sorriso no rosto.
Além disso, também viu suas memórias com Ti-Chaak, cuja cabeça o olhava sem vida. Viu quando ele salvou sua vida, quando lutaram na arena e seu amigo o derrotou, de todas as vezes que ambos se divertiram juntos e disputaram o braço de ferro.
Infinitos acontecimentos passaram pela sua mente, até que Sariel finalmente encontrou o que procurava.
— Na floresta, huh? — disse enquanto afastava a mão de Sak-Lu. — Bem, agora você não me serve de mais nada.
— Heh, anda logo, me mata. — O desafiou com um sorriso cético.
— Você já estava morto há muito tempo... — O tom do viajante se tornou grave. — Que seu Deus consuma sua alma patética — disse conforme pisava na cabeça de Sak-Lu.
Sariel, aplicando uma força sobre-humana, esmagou o crânio do guarda, fazendo sua cabeça explodir em centenas de pedaços. O seu cérebro grudou no chão e na parede, tingindo-os de vermelho, e uma poça de sangue começou a aumentar cada vez mais conforme vazava pela cabeça estourada do guarda.
Seu crânio nem foi capaz de resistir a tamanha força e foi destruída completamente, como uma mera melancia sendo pisada por um elefante.
Um cheiro intenso de ferro infestou a casa, cheiro este que certamente logo atrairia insetos.
No meio de toda esta carnificina estava Sariel, com as botas cobertas de sangue e com partes do cérebro de Sak-Lu grudados na sola.
O viajante, sem mostrar o menor remorso pelo que acabara de fazer, se moveu em direção da mesa e pegou o objeto que estava coberto, depois vasculhou o cadáver de Ti-Chaak e encontrou uma pedra prateada. Em seguida, se dirigiu para a porta e deixou a casa, abandonando dois corpos sem suas cabeças e envoltos em sangue.
Em apenas algumas horas, aquele lugar todo federia a putrefação e traumatizaria o desafortunado que encontraria aquele cenário de terror pela manhã.
Ao sair da casa, o viajante foi imediatamente cumprimentado por Pagui, que pousou no ombro no momento que o viu.
Croac!
— Eu sei, eu sei... Segure-se um pouco, lhe darei quantos petiscos quiser. — Acariciou o bico da ave
Croac?
Pagui inclinou a cabeça e era quase possível ver uma interrogação flutuando ao redor dela.
— Há muitos petiscos até onde estamos indo.
Sariel, tornando-se invisível com magia de Ilusão, caminhou tranquilamente até a muralha do reino, pulou o muro e adentrou a floresta, desaparecendo nas sombras das árvores intensificadas pela noite.
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