Paladino Branco Brasileira

Autor(a): Jr. Ferreira


Volume 1

Capítulo 2: O menino do quarto escuro

O som da Orquestra Filarmônica ecoava pela torre onde meu quarto se encontrava. Além disso, os risos e conversas animadas das pessoas ressoavam pelo salão de festas, onde todos celebravam com alegria. Era o dia tão esperado da cerimônia do grimório de Metternich, o meu irmão mais velho, toda a cidade de Tethoris havia sido convidada para comemorar o aniversário dele.

Eu, por outro lado, me encontrava enclausurado em meu quarto, isolado do mundo exterior, inundado por pensamentos sombrios e uma sensação avassaladora de frustração.

Quatro longos anos tinham se passado desde o aniversário do jovem Conde Ambrose Ballard, e meu maior medo havia se tornado realidade: eu não despertei... Agora, eu era um Amaldiçoado.

Conforme a tradição do Reino do Fogo, quando um membro amaldiçoado surge na família, este é excluído dos registros e banido do lar, como se nunca tivesse existido. No entanto, devido ao nosso status na sociedade, meu pai espalhou rumores por todo o reino, alegando que eu havia contraído uma doença rara e sucumbido a ela.

Essa foi a forma "menos" vergonhosa que ele encontrou para se livrar de mim, sem manchar o prestígio do nosso nome.

Desde então, venho sendo mantido prisioneiro nesse quarto. 

De tempos em tempos, minha mãe vem me visitar, mas meu pai proibiu qualquer outra pessoa de se aproximar desse complexo, exceto alguns poucos empregados encarregados de trazer comida.

De repente, ouço o estrondo de trovões invadindo meu quarto, interrompendo meus pensamentos. Rapidamente, direciono meu olhar para a janela, mas não havia uma única nuvem no céu. Logo presumi que fosse Metternich, exibindo seu primeiro feitiço.

Aproximo-me da janela e vislumbro a enorme claraboia do salão de festas, que ganha uma tonalidade azulada a cada momento. Volto à minha cama e me recosto nela, mergulhando em meus próprios pensamentos.

Tantas coisas aconteceram nesses últimos anos. 

Fui totalmente desprezado por minha família. Até os empregados me tratavam com crueldade; vez ou outra, eles colocavam pedras na minha comida.

Maldição, lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto. Encosto minha cabeça no travesseiro, desejando adormecer logo e escapar de tudo isso em meus sonhos. Mas é inútil; o sono não vem.

Após algum tempo, a porta do quarto se abriu, e uma figura delicada começou a tomar forma: era minha mãe. Seus cabelos negros caíam suavemente sobre os ombros, contrastando com seus lindos olhos azuis que irradiavam gentileza. Sua pele clara era como a neve, e seu sorriso iluminava o ambiente, fazendo qualquer um se sentir mais feliz.

Ela trazia consigo um pequeno prato, equilibrando cuidadosamente uma fatia de bolo. Meu coração se encheu de alegria e antecipação, e eu me levantei rapidamente, sentando-me na cama, ansioso pela sua presença.

Com graça, ela se aproximou e sentou-se ao meu lado.

— Obrigado por vir me visitar, mãe.

Ela me encara por um instante e rapidamente percebeu que havia algo errado.

— Você esteve chorando?

Meus olhos inchados e minha voz embargada me denunciaram.

— É que… Mãe, eu não quero mais ficar nesse quarto.

Ela colocou uma mão gentil sobre a minha, transmitindo um conforto imediato. Seus olhos azuis se encheram de compreensão enquanto ela escutava atentamente minhas palavras.

— Meu querido, sei que deve ser terrível ficar sozinho aqui — disse ela com um suave suspiro. — Já implorei ao seu pai que o tire daqui e o leve para a casa principal, mas ele simplesmente ignora meus pedidos.

— Entendo... — Minha voz soou um pouco trêmula, mas continuei. — Vou continuar orando para que a lua amoleça o coração dele e que ele possa me odiar menos.

Com um olhar gentil, minha mãe me envolve em seus braços, trazendo conforto instantâneo. Seu toque suave e quente transmitem seu amor.

— Nathaniel, eu entendo a dor que você carrega no coração — disse ela com ternura. — Você é único e especial, não importam suas habilidades mágicas. Para mim, você será sempre meu filho precioso.

Lágrimas começaram a deslizar pelo meu rosto, misturando-se em um turbilhão de sentimentos. Naquele momento, senti-me compreendido e amado, algo que apenas minha mãe tinha o poder de fazer

Minha mãe enxugou minhas lágrimas com ternura e prosseguiu:

— Este é o bolo que preparei para o aniversário do seu irmão. — Ela segurou o prato com a fatia de bolo, pronta para me entregar. — Eu separei um pedaço para você, já que as suas refeições são regradas… Achei que você gostaria.

Segurei o prato com gratidão e tristeza. 

— Obrigado mãe…

Ela sorriu gentilmente e depositou um beijo suave em minha testa.

— Preciso ir agora. Não se esqueça de escovar os dentes e fazer suas orações antes de dormir, está bem?

Balancei a cabeça em concordância com suas palavras.

Ela fez um carinho na minha cabeça e então, se levantou lentamente e caminhou em direção à porta. Eu a segui com o olhar, desejando poder segurá-la por mais tempo.

Enquanto ela se afastava, deixando-me sozinho em meu quarto escuro mais uma vez, o silêncio pairou sobre o quarto, até que… Um som frágil e assustador preencheu o ar. Uma tosse dolorosa e incontrolável cortou o ambiente. O som da tosse era acompanhado por uma sensação metálica e quente em sua garganta.

Parei por um momento, meu coração acelerou, quando vi as manchas vermelhas que tingiam o lenço que ela usava para cobrir a boca.

—  Mãe…

— Tenha uma boa noite, Nathaniel! Com um gesto simples, ela abriu a porta e deixou o quarto, sem proferir mais palavras.

No instante em que a porta se fechou, a realidade se chocou contra mim como uma onda avassaladora. Minha mãe está doente?!

Olhei para o pedaço de bolo em meu prato, mas perdi completamente o apetite. Com um suspiro, deixei o garfo de lado e empurrei o prato com o bolo para longe. Uma sensação azeda surgiu em minha boca, e o doce já não era mais capaz de confortar meu coração.

Caminhei até a janela, e fiquei ali, contemplando o mundo lá fora. A lua, radiante e cheia, dominava o céu noturno. Sua luz banhava a paisagem em uma suave luminescência, revelando os contornos das árvores no jardim e o brilho das estrelas distantes.

Ao fundo, o som das vozes e risadas das pessoas no salão de festas da casa principal, ecoava suavemente até mim. A comemoração estava em pleno andamento, e todos celebravam o aniversário de Metternich com grande alegria.

Mas eu permaneci ali, observando a paisagem noturna e a bela lua que pairava sobre tudo. Pensamentos sombrios preenchiam minha mente, e minha preocupação mais profunda era minha mãe. 

A angústia se misturava com a culpa. Será que a doença dela era de alguma forma minha culpa? Ser um amaldiçoado era uma maldição não apenas para mim, mas para toda a minha família. Minha mãe, com sua gentileza e sorriso amoroso, não merecia passar por isso.

A voz suave dela ainda ecoava em minha mente, a maneira como tentava me consolar e oferecer palavras de encorajamento. Minha visão da lua ficou embaçada à medida que as lágrimas começaram a inundar meus olhos. 

Eu queria ser capaz de fazer alguma coisa para ajudar, mas me sentia impotente. 

Após passar algum tempo junto à janela, voltei silenciosamente para minha cama. Deitei-me e cobri-me com as cobertas, aguardando o sono que demorava a chegar, desejando que aquele dia terminasse logo.

Avistei um campo de trigo, antes dourado e sereno, agora ardia em chamas furiosas. A paisagem estava mergulhada em desespero e caos. Eu observava o cenário destruído diante de mim.

Ao meu redor, pessoas com pele acinzentada jaziam caídas no chão, parecendo exauridas e desesperançadas. A tristeza e o desespero permeavam o ar enquanto suas vozes ecoavam em lamentos.

No horizonte distante, emergiu uma figura sinistra. Uma enorme serpente de escamas negras e olhos brilhantes, movendo-se com uma elegância ameaçadora. Eu podia sentir que seu poder era avassalador, já que ela emanava uma aura de destruição.

À medida que a criatura se aproximava, aterrorizei-me com o conhecimento de que seu alvo era eu. 

Então ela lançou um raio ardente em minha direção, uma manifestação do seu poder devastador. Minhas pernas fraquejaram, meu corpo congelou diante da iminente destruição.

Mas, inesperadamente, um homem alto surgiu diante de mim, como uma muralha intransponível. Ele empunhava um escudo reluzente, capaz de desafiar o poder da serpente. Seu rosto, parcialmente oculto pela sombra de um capuz, evidenciavam seus olhos, que brilhavam com determinação.

Ele emanava uma aura protetora. Sem uma palavra, ele enfrentou o ataque da criatura, usando seu escudo para me proteger. 

O brilho intenso da energia colidiu com o escudo, criando uma onda de impacto que se espalhou pelo campo em chamas.

A força do ataque foi dissipada, e uma sensação de alívio encheu meu coração. Olhei para o homem misterioso, sentindo gratidão e uma estranha conexão com ele, como se nos conhecêssemos há muito tempo.

Antes que eu pudesse dizer uma palavra, o homem se virou para mim e disse:

Você precisa ser forte, Nathaniel. Sua voz era firme e cheia de mistério. Grandes desafios estão por vir, e você deve enfrentá-los com coragem e determinação. Não tenha medo, apenas confie.

Então, num piscar de olhos, o sonho começou a se desvanecer, levando consigo as chamas e o caos do campo. A figura do homem e a criatura sinistra desapareceram também, deixando apenas a lembrança de suas palavras.

Despertei num sobressalto, com o coração acelerado, me perguntando que tipo de sonho havia sido aquele.



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