Paladino Branco Brasileira

Autor(a): Jr. Ferreira


Volume 1

Capítulo 1: A benção das estrelas

Papai nos dizia todas as noites, antes de dormir, que as escolhas e as experiências que teríamos na vida moldariam nosso caráter e definiriam quem nos tornaríamos mais tarde. 

No caso de Metternich, as experiências precoces que ele vivenciava o estavam transformando em uma pessoa insensível, mesquinha e maldosa. Tenho certeza de que nossa mãe estava ciente disso, pois as feições de seu rosto demonstravam preocupação sobre que tipo de pessoa ele estava se tornando.

— Eu... Eu não sou um fracassado! — Minha voz vacilou enquanto eu tentava retrucar as palavras do meu irmão.

Mett parecia não dar trégua. 

— Não?!... Então me prove usando a sua magia! Ah, quase me esqueci... VOCÊ NÃO PODE, HAHAHA.

Suas palavras cortantes foram como punhais no meu peito. Elas ecoaram na minha mente, trazendo à tona todas as vezes em que ele me humilhara. A raiva cresceu em mim, um filme rápido passou na minha cabeça, relembrando todas aquelas humilhações. 

Finalmente, cedi às provocações. Saltei do meu assento, pronto para confrontá-lo, apontando o dedo indicador direito para Metternich com fúria.

— QUANDO EU DESPERTAR... VOU TE MOSTRAR QUEM É O FRACASSADO!

Um silêncio pesado pairou na carruagem por alguns segundos. Então, Mett estreitou o olhar e ergueu sua mão esquerda, faíscas de eletricidade começaram a dançar ao seu redor, preparando-se para lançar seu ataque mágico. Contudo, antes que pudesse soltar seu projétil elétrico, nosso pai segurou sua mão, cancelando a magia que estava prestes a ser lançada.

— METTERNICH... CHEGA DISSO POR HOJE. — Meu pai não era de elevar a voz frequentemente, mas quando o fazia, era como se uma tempestade se anunciasse. — NATHANIEL, SENTE-SE E FIQUE QUIETO!

— Sim, senhor! — Mett e eu respondemos em uníssono.

A confusão fez Emma começar a chorar no colo do meu pai. Minha mãe a pegou para acalmá-la, mas seu olhar triste refletia a dor de ver seus filhos brigando daquela forma.

Os minutos seguintes foram de silêncio, apenas a voz de minha irmã fazia barulho, pois ela fazia perguntas curiosas sobre tudo o que via pela janela. Enquanto isso, eu me perdi em meus próprios pensamentos, contemplando a paisagem urbana ao nosso redor.

As palavras do meu irmão ainda ecoavam em minha mente. A magia era tudo em nosso mundo, e se eu não despertasse, envergonharia minha família. O filho de um nobre, é um Amaldiçoado?!... Os rumores se espalhariam rápido pelo reino, e a reputação dos Michaelson seria manchada.

Mas, após alguns minutos mergulhado em tais pensamentos, lutei para afastá-los. Isso não aconteceria comigo. Eu era filho do Marquês do Fogo, a magia fluía em nossas veias há gerações, e nunca houve um único Amaldiçoado na nossa família. Não seria agora que isso aconteceria.

 

LOUIS MICHAELSON

 

A noite já havia caído quando nossa carruagem adentrou a propriedade do Conde Ballard. Ornamentos luxuosos enfeitavam diversas carruagens que formavam uma fila, indo uma de cada vez em direção à entrada principal da mansão. 

Figuras proeminentes da nobreza desciam de seus transportes, sendo recepcionadas por um senhor de idade avançada e bem trajado — que logo julguei ser o mordomo da mansão.

Hoje não era apenas o aniversário do jovem Conde Ambrose, mas também sua Cerimônia do Grimório, então a festa prometia ser grandiosa. Segundo os rumores que circulavam pelo Reino do Fogo, a criança do Conde Ballard era um Abençoado pela magia, então era compreensível que toda a elite estivesse presente. Todos estavam curiosos para testemunhar os poderes do garoto.

Esse pensamento me fez lembrar de Nathaniel, que completou quatro anos alguns meses atrás, mas ainda não demonstrou sinais de seu despertar.

Tentei afastar essa preocupação de minha mente, mas as palavras de Mett ainda ecoavam em meus ouvidos. Embora fosse cedo para me preocupar, era um tanto estranho. Mett começou a manifestar seus poderes logo nas primeiras semanas de seu quarto ano, e em questão de semanas, sua Magia de Relâmpagos já estava causando estragos. Restava-me apenas esperar que Nathaniel não me desapontasse.

— Sua Graça, Marquês Louis Michaelson, é um prazer tê-lo aqui com sua família —  disse cordialmente o mordomo, interrompendo meus pensamentos. — Por favor, sigam em frente. Um serviçal irá mostrar-lhes seus lugares —  concluiu, fazendo uma reverência.

— Obrigado!

Posicionei Mett e Nathaniel um de cada lado, enquanto Camélia subia as escadas com nossa pequena Emma no colo, acompanhada por um de nossos empregados.

Assim que cruzamos o imenso portal cheio de ornamentos da entrada principal, nos deparamos com o serviçal mencionado pelo mordomo. Ele nos conduziu a um enorme salão de festas, decorado de forma esplêndida para o aniversário. Claritas estavam estrategicamente posicionadas, iluminando todo o ambiente. 

Um enorme lustre, adornado com cristais e outras pedras desconhecidas, pendia no centro do salão. Um tapete deslumbrante se estendia desde a entrada até uma parte elevada do salão, onde um púlpito com um livro em branco estava montado, ali ocorreria a Cerimônia do Grimório. Mesas com acentos estavam espalhadas, formando um círculo ao redor do púlpito.

O serviçal nos conduziu até nossa mesa reservada. Sobre ela, uma pequena placa com lâmina de ouro ostentava o nome "Michaelson". Alguns aperitivos, que com certeza fariam sucesso com as crianças, estavam dispostos. 

Acomodei todos em seus lugares. Entretanto, preferi manter Mett e Nathaniel afastados para evitar problemas.

— Mamãe, posso pegar um doce? —  perguntou Emma, já ansiosa para experimentar as guloseimas.

— Fique à vontade para comer o que quiser, minha criança — respondeu uma voz penetrante, que chamou nossa atenção.

Conde Ezekiel Ballard, com seus longos cabelos arroxeados e olhos dourados, se materializou diante de nós. Era um homem imponente, mas tinha uma aura de gentileza. Seus cabelos e olhos eram marcas distintivas, combinando com sua pele clara. Sua vestimenta elegante em tons de azul e branco estava perfeitamente harmonizada.

— Um dos empregados me informou que vocês haviam chegado, então vim recebê-los.

— Sua Graça, Conde Ezekiel Ballard, ficamos honrados com o convite. — Fiz uma reverência formal, que Ezekiel logo ignorou.

— Deixe essas formalidades de lado, Louis. Há quanto tempo, hein?! Uns 10 anos!? — indagou, passando o seu braço direito pelo meu pescoço.

— Faz alguns anos que não nos vemos, mas você não mudou nada. Continua o mesmo brincalhão de sempre.

— E você, o mesmo chato de sempre — retrucou em tom amigável. 

Percebi que ele havia esquecido nossa audiência e nossa postura adequada, então dei uma leve pigarreada como lembrete.

Ele rapidamente compreendeu a situação e se recompôs.

— Sua Graça, Marquês Louis Michaelson, é uma honra recebê-lo em minha humilde residência. — Reverenciou Ezekiel, mas sua expressão continha uma pitada de ironia, que eu não pude deixar de notar.

Lancei-lhe um olhar repreensivo, que também foi ignorado. Então continuei:

— Esses são: Camélia, minha esposa — apresentei-a —, e meus filhos: Metternich, Nathaniel e Emma. — Identifiquei cada um deles.

— Oh, uma linda família, com toda a certeza — elogiou Ezekiel. — Ainda bem que as crianças herdaram a beleza da Srta. Camélia.

Eu sabia que ele não perderia a chance de me alfinetar com uma dessas.

Tínhamos frequentado a Academia Real de Defesa Mágica de Tethoris juntos, nos tornando grandes amigos durante nossos estudos. No entanto, após a formatura, nossos caminhos se afastaram quando ele noivou e se casou, mudando-se para uma área mais afastada da cidade. Pouco tempo depois, casei-me com Camélia, tivemos filhos e perdemos completamente o contato. Fiquei surpreso ao receber o convite para o décimo aniversário de seu filho.

— Trouxemos uma pequena lembrança para o jovem Ambrose — eu disse, estalando os dedos para que um de nossos empregados entregasse o presente embrulhado em papel cetim a Ezekiel.

— Eu entregarei a ele. Tenho certeza de que ele ficará encantado. — Ezekiel pegou o presente e completou: — Bem, vou precisar me retirar agora, a cerimônia está prestes a começar. Fiquem à vontade, e se precisarem de alguma coisa, basta chamar um dos empregados da mansão.

Ezekiel fez uma reverência e se afastou rapidamente. 

Alguns minutos depois, todos os convidados estavam acomodados, e só os empregados circulavam entre as mesas com bandejas cheias. 

A orquestra filarmônica tocava uma bela melodia quando, de repente, o som cessou.

— Esta noite… — Uma voz estridente preencheu o salão. — Temos a honra de recebê-los aqui para prestigiar a bênção da mana, ao jovem Conde Ambrose Ballard.

Um senhor idoso tomou posição no púlpito, com longos cabelos e barba branca, vestido com uma túnica ricamente adornada. Reconheci-o como o Ancião dos Grimórios, responsável por conduzir as cerimônias para crianças da nobreza e realeza.

Um holofote se acendeu sobre a entrada do salão, destacando Ambrose. Não era difícil perceber que ele era filho do Ezekiel, com seus cabelos arroxeados e olhos dourados. Vestido com trajes sob medida e uma capa púrpura, ele atravessou o salão, parecendo uma estrela em um desfile. Ao alcançar o púlpito, seus pais o receberam com abraços, expressando orgulho.

— Ambrose Ballard — anunciou o Ancião com voz firme, fazendo com que todo o salão se calasse. — Hoje você está aqui para receber o Grimório, concedido pela mana.

O Ancião estendeu a mão, e Ambrose, compreendendo, ofereceu sua mão direita. O idoso usou um objeto pontiagudo para fazer um pequeno corte em seu dedo, coletando o sangue em um pequeno recipiente semelhante a um tinteiro, ao lado do livro em branco. Em seguida, ele entregou o objeto ao menino, que mergulhou a ponta no tinteiro. Ambrose abriu o livro e escreveu seu nome com seu próprio sangue.

— Papai, o que ele está fazendo? — perguntou Nathaniel.

— Ele está fazendo um pacto com a magia — respondi, acariciando seus cabelos negros.

Os momentos seguintes foram de pura admiração. 

O livro se fechou sozinho e começou a flutuar, emitindo uma luz. Sua capa antes em branco começou a ganhar vida, com tons azulados e arroxeados, adornos dourados e estrelas cintilantes. Quando o livro se abriu novamente, o nome de Ambrose se dissolveu em partículas de luz, dando lugar a uma escrita mágica que preenchia toda a página.

Em seguida, o Ancião fez uma reverência, indicando que Ezekiel se aproximasse com Ambrose para apresentar o Grimório aos espectadores. O orgulho nos olhos de Ezekiel era evidente para todos verem. Ele conduziu Ambrose à frente e, após sussurrar para o menino algumas palavras, gritou para todo o salão:

— O FILHO DAS ESTRELAS... GANHOU SEU GRIMÓRIO!

Aplausos irromperam em todo o salão. 

Com a aprovação do pai, o garoto abriu solenemente seu grimório e entoou seu primeiro encanto:

Magia do Cosmos: Dança Cintilante das Estrelas

Inúmeras estrelas cintilantes surgiram ao nosso redor, preenchendo o salão com sua luz e nos fazendo sentir como se estivéssemos sob um céu estrelado em uma noite serena. As crianças ficaram completamente encantadas com a demonstração de poder do jovem Conde. Um murmúrio de admiração se espalhou pelo ambiente, com pessoas elogiando e apreciando a magia que acabou de ser lançada.

Ezekiel ergueu sua taça de vinho e brindou:

— POR ELISORA!

Todos presentes no salão responderam em uníssono:

— POR ELISORA!

Aquela experiência só aumentou minha ansiedade pelo dia em que meus filhos passariam por cerimônias semelhantes. Levantei-me e me aproximei deles, abaixando-me para ficar à altura de seus assentos, declarei com um sorriso cheio de expectativas:

— Em alguns anos, serão vocês que participarão de cerimônias como essa.



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