Volume 3 – Arco 4
Capítulo 233: Família Nosferatu
Passaram-se duas semanas desde que o diretor Damian aceitou o nefilim na sua Academia de Batalha. Porém, uma coisa era certa: o garoto, que estava com treze anos biológicos, deveria mostrar serviço como um membro, assim como qualquer outro.
O Raizel já era um caso incomum como membro de uma Academia de Batalha. Ele era novo demais, menor de idade. Eventualmente, o garoto teria que "arriscar" a sua vida imortal dentro de um portal, mas, mesmo para ele, treino e orientação eram necessários.
— Me pergunto como o menino está. — Caminhando para a sala de treinamento da residência Nosferatu, Míria, a esposa do diretor, já podia ver a grande porta da sala que isolava os barulhos do interior. — Os dois estão lá já fazem horas.
A mulher colocou uma mão em um retângulo vermelho no centro da porta e esperou alguns segundos até que a cor mudasse para azul, indicando que a solicitação de entrada foi ouvida e os combatentes cessaram a luta para que ela entrasse em segurança.
Pelo lado de dentro, o estado do lugar era o esperado pela senhora Nosferatu: paredes rachadas, chão destruído, buracos e crateras em todo canto; o Damian de pé, e o Raizel... O Raizel não estava em lugar nenhum.
— Minha senhora — saudou o indivíduo de cabelo cinzento, com uma reverência cortês. — Linda e radiante como o sol da manhã.
— Quantas lisonjas. — Míria pôs o braço esquerdo na frente do corpo, usando-o para apoiar o cotovelo do esquerdo. Com a mão próxima à boca e um olhar provocador, perguntou ao esposo: — Porventura, busca se redimir por algo do dia anterior?
— Ah! Como eu poderia fazer algo que lhe desagradasse, minha senhora? — O diretor se achegou à esposa. Evitou o contato físico apenas pela poeira em suas roupas, mas se certificou de abaixar o rosto o suficiente para ficar perto dela. — Antes disso, eu cortaria a minha própria mão.
— Enfim. — Míria desfez sua pose e se desviou do rosto desafiador e das palavras sagazes do esposo. A mulher passou pelo lado e sondou os arredores. — Onde está o menino? Ou vai me dizer que você passou esse tempo todo aqui sozinho?
— Ah, bem. Ele está ali. — Com um leve apontamento de cabeça, o homem indicou um dos muitos buracos que haviam no chão. — Descansando.
Como evocado por um rito sobrenatural, um braço humanoide se ergueu do lugar indicado pelo diretor. O membro tremia pela falta de força. Mesmo tendo regenerado carne e ossos, o desgaste ficou claro quando o braço do menino caiu e afundou novamente no buraco.
— Ele vai ficar bem? — perguntou a mulher, e o foco correu do menino para o indivíduo que em nada se preocupava. — Damian.
— Ele sempre fica. — O diretor tirou parte do pó das suas luvas, batendo uma na outra com movimentos verticais. — Enfim , se você está aqui, minha senhora, imagino que...
— Sim, o almoço ficará pronto em breve, e os meninos logo chegarão da escola. — Míria se virou para a saída e, de costas para o esposo, enfatizou com tom mais sério: — Certifique-se de não repetir o erro de ontem.
O treinamento intenso com o nefilim por vezes levava o Damian Stear Nosferatu a se empolgar demais. Era difícil encontrar alguém que aguentasse treinar em alta intensidade com ele durante tanto tempo.
Como o vice-diretor estava tomando conta da Academia pela manhã, Damian cometeu o grave erro de perder o almoço em família do dia anterior. E se havia algo que a Míria prezava eram aqueles momentos.
— Vamos, garoto. É hora de se levantar. — O diretor ficou na entrada do buraco e ofereceu uma mão amiga para o nefilim. — Exceto, se você deseja conhecer o terror de verdade.
O Raizel segurou o braço do homem e foi puxado para fora. O menino alongou o corpo todo, com alguns ossos estalando ou apenas retornando para os lugares certos.
— Precisa dessa pressa toda mesmo? — O já nem tão pequeno nefilim, deu uns tapas nas suas roupas rasgadas e conseguiu tirar quase nada da poeira. — É só comida.
O diretor riu do pensamento ingênuo do seu pupilo e seguiu o rumo da saída primeiro com um pensamento claro na sua cabeça: "um dia você ainda vai se casar".
Na mesa de refeições amarronzada, os cinco dividiam o espaço: Damian e Míria nas extremidades, frente à frente; Raizel em uma das laterais maiores; e Aldrich e Aldevir na outra lateral, de frente para o nefilim.
Aldrich Stear Nosferatu era o filho mais velho da família, um jovem promissor que almejava alcançar o posto de diretor da Academia de Batalha Ziz no futuro. Tinha que se esforçar bastante, uma vez que a posição desejada nunca foi hereditária.
Aldevir, a caçula, sentia pouca atração pelo combate sanguinário e mortal dos portais, embora também praticasse o combate. Porém, a área médica a chamava mais atenção, afinal alguém tinha que garantir que gente como o irmão dela iria ficar bem depois de situações de quase morte.
De modo geral, essa foi a família Nosferatu que recebeu o Raizel Stiger; na época, apenas Raizel, que se via muito mais próximo deles do que imaginava. Em parte, por causa do tamanho da mesa. Os nobres tinham um gosto peculiar por mesas grandes demais, mas Míria se recusava a mantê-los distantes na hora da refeição.
— Raizel, como vão os seus estudos? — Foi Aldrich o responsável por levantar a questão. Aproveitou o momento em que tanto ele quanto o nefilim repousaram os talheres e terminaram de mastigar. — Aprender a escrita de um mundo novo parece bem difícil e desafiador.
E o que remetia a desafios animava os neurônios do primogênito dos Nosferatu. Já o nefilim, este parou para pensar um instante. Nunca lhe foi ensinado uma escrita anterior, e o Miguel se certificou de cuidar da mudança de idioma dos mundos.
— Estou indo acho que bem. — Garfo firme num pedaço de carne suculenta, a faca cortou sem dificuldade alguma. Foi fácil, se comparado a um corpo vivo e em movimento. — É só ler os livros e fazer o que diz lá. E dá pra ler muitos de uma vez só, então…
— Noss…! Nossa. — O rapaz deu uma conferida na mãe, com a sua visão periférica. Tinha que ser louco pra gritar à mesa. — Todo nefilim possui uma mente e raciocínio tão avançada assim?
Um movimento de cabeça para os lados foi tudo o que o Raizel deu como resposta. Era fato que o seu cérebro ultrapassava o humano. Na luta futura contra o Zebub, ele viria a enxergar uma quantidade infinita de possibilidades simultâneas sem fritar sua cabeça, mas era difícil dizer isso dos eliouds com quem o menino teve pouco contato; e quanto aos Gigantes, a resposta estava mais do que óbvia.
— Tenha mais bom senso — alertou a caçula ao irmão mais velho, ao reparar que o nefilim que já falava pouco ficou ainda mais pensativo, e sussurrou: — Pode ser um assunto delicado para ele.
O Raizel acabou olhando para a Aldevir, que arregalou as vistas e se inclinou um pouco para trás na mesma hora. A ideia da mãe era justamente deixá-los perto uns dos outros, e a garota inventou de cochichar, de frente para o sujeito do comentário.
O pai acabou rindo, apenas para se engasgar no processo. Antes que a situação piorasse, o Damian pôs um punho fechado na frente da boca e usou a sua Habilidade Inata para comprimir o alimento e ajustar a rota até o estômago.
— Aldrich, desenvolva mais tato sobre os assuntos os quais deseja tocar — orientou Míria, sem perder a postura, porém sem soar tão doutrinária. — Será uma habilidade de grande utilidade quando se tornar o líder da família.
— Entendo, mãe. — Após responder à progenitora, o rapaz se dirigiu ao Raizel. — Sinto muito se eu tiver falado demais, por causa da minha empolgação.
O nefilim respondeu com um balançar lento de cabeça.
— E Aldevir. — A menina travou os talheres nas mãos e olhou fixamente para mãe. Rígida igual uma estátua. — A sua intenção foi nobre. Eu sei que você vai crescer mais. — Sorriu com leveza para a filha. — Não fique tão tensa.
— Obrigada, mãe. — A menina fez o mesmo que o irmão e se desculpou com o nefilim, recebendo um breve intervalo antes do garoto reagir.
O Raizel não estava realmente ofendido ou magoado, mas muito reflexivo com a colocação do Aldrich. Desde que chegou a Calisto, o garoto nunca se encontrou com os Gigantes de novo. Talvez devesse se preparar para isso. Mas havia um grande obstáculo: a autorização para acessar o Continente Sombrio, Erebus.
Um tilintar inesperado de um talher batendo numa taça chamou a atenção tanto dos mais jovens quanto da Míria, que se voltaram para o diretor na outra extremidade da mesa. O indivíduo levantou os dois objetos e, com todos ao alcance da sua visão, se pôs a fazer um anúncio:
— Bom ver que está tudo resolvido, e como o nosso prestigiado Raizel é o centro das atenções, nada mais adequado do que anunciar que ele logo pode se tornar um membro de Rank S.
Diante do exposto, o nefilim ficou surpreso, já que parecia cedo para isso. E os outros, ficaram confusos. O Raizel não possuía um duo e ainda era novo demais para fazer um Pacto de Ressonância. Mesmo se o garoto obtivesse a classificação, ele nunca teria a permissão para entrar em um portal sozinho, ainda mais sendo um de classificação S.
— Damian… — Míria suspirou com os olhos fechados e a cabeça baixa. Ela conhecia muito bem o esposo que tinha. — O que você tem em mente?
— Temos um portal dourado na cidade de Tyrannia — explicou o diretor enquanto repousava a taça e o talher. — Estou abrindo uma exceção para que o Raizel o feche, sozinho.
— Pai. — Aldrich respirou fundo e se opôs à ideia do pai. — O perigo é grande. Realmente é necessário apressar a entrada dele em um portal? E se o pior acontecer?
O Raizel, por outro lado, estava com as pálpebras fechadas; e foi a Aldevir que parou para refletir sobre as falas anteriores dela e do irmão acerca do nefilim. A preocupação de Aldrich era compreensível, a irmã pensava o mesmo, porém o mais velho estava tratando o futuro do garoto sem considerar o que ele sentia ao ouvir as suas palavras.
— Raizel. — A menina chamou um, mas ganhou a atenção de todos os quatro. — Não quero que você se sinta pressionado, mas isso está bem pra você? Você consegue fechar um portal de Rank S?
— Independente do que tiver lá dentro. — O nefilim abriu os seus olhos e os fixou bem nos de Aldevir, atraindo também o foco do Aldrich. Então, decretou o fim da oposição entre pai e filho: — Eu com certeza vou… fechar o portal.
Nem se o Cão estivesse no interior do portal, o Raizel conseguiria imaginar algo que batesse mais pesado que os punhos do Damian.
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