Volume 2 – Arco 5
Capítulo 112: Lance Matador
Enquanto Petra retornava para o solo, Alícia não tinha outra escolha senão encarar a situação sozinha e manter a posse de bola até que sua companheira se posicionasse para auxiliá-la.
— Você é toda minha. — Milene se apressou em realizar um bote. Ela não deixaria que Alícia avançasse tão tranquilamente. — Você que pediu!
Logo Luke também se juntou à festa da marcação dupla. Aquilo era ruim… ou não.
— Eu já disse, não foi? — Alícia jogou a bola em uma área vazia da quadra e disparou sozinha para o ataque. — Agora é a nossa vez!
No entanto, nessa jogada, a marcação se dividiu: Luke tratou de acompanhar o seu avanço, enquanto Milene foi para cima de Petra, a qual tinha acabado de retornar com tudo para o jogo.
A divisão na marcação foi péssima para os planos de Alícia. Aquele auto-passe na verdade era para a sua parceira, a qual não chegou a pôr suas mãos na bola: Milene interceptou a jogada.
'Essa não!" No momento em que a majin saltou para arremessar, Petra pulou junto a fim de desviar a trajetória da bola, no entanto…
— Eu conto com você — disse enquanto, em pleno ar, passou a bola para trás, na direção de Luke — querido irmão.
— Sucumbam. — Saltou e arremessou para mais uma cesta de 3 pontos, mas não sem que antes que Alícia pulasse junto e, com todo o seu esforço, tocasse a ponta de um dedo na bola. — Huh?!
Aquele pequeno milímetro de desvio no ângulo de inclinação da bola foi suficiente para que ela não entrasse de vez na cesta, em vez disso, quicou e subiu um pouco no ar.
Todos pararam de respirar no momento em que, para a infelicidade de uma das duplas, a bola voltou a descer e, como um alimento engasgado na garganta, passou por dentro da cesta.
— Vitória de Luke e Milene! — Proclamou o juiz da partida. No entanto, ninguém além dos próprios vencedores comemorou o resultado.
Incrédula e ofegante, Alícia observava a cena sem saber como reagir àquilo. O plano de Petra — para bloquear o arremesso de longa distância dos seus rivais — funcionou.
Mesmo assim, justo quando a bola estava em suas mãos, ela falhou e condenou o futuro das duas na partida. Não à toa, Milene caminhou toda pomposa em sua direção.
— Que peninha, né? — falou em tom de deboche enquanto passava pelo lado direito de Alícia; Luke, por sua vez, passou pelo lado esquerdo. — Hoje, você perdeu na quadra; amanhã, vai perder na arena de combate.
Sentindo-se como um sanduíche entre os dois, a jovem tenjin engoliu em seco. Não demorou muito para que mordesse os lábios e ficasse de cabeça baixa.
Para o perdedor restava apenas a vergonha.
— Sinto muito. — Petra se aproximou devagar, o que fez a outra olhar para ela na mesma velocidade. — Se eu tivesse mais prática, a gente poderia ter vencido.
— Não é verdade — disse, forçando um sorriso em seus lábios. — Você se saiu muito bem pra uma primeira partida.
Embora dissesse aquilo com sinceridade, Alícia não conseguia fazer o gosto amargo da derrota sumir de sua garganta. Tudo bem perder para qualquer um, menos para os irmãos Lasker.
— Huh? — Do nada, Petra inclinou a cabeça para o lado, a fim de entender algo que aconteceu entre seus rivais enquanto eles saíam. — Aqueles biscoitos…
— Ah, sim. — Alícia reparou sua postura e engoliu as mágoas à força, então comentou sobre o fato. — Biscoitos Itinerantes, é comum compartilhar isso nessa época do Festival Sojourner, né?
Petra pareceu não entender bem. Como passou toda a infância presa na mansão de sua família, por causa das ambições do padrasto, ela estava por fora de alguns pormenores do evento.
— Err… — Alícia levou um dedo até o lábio inferior, pensando numa forma de resumir a história. — Tem uma lenda sobre um viajante que entregou um saquinho de biscoitos para a amada antes de partir em uma expedição em que ele perdeu a vida.
De alguma forma, ao longo do tempo, trocar biscoitos no segundo dia do Festival Sojourner se tornou uma forma de demonstrar afeto pelos outros.
— Então é algo mais romântico? — indagou Petra.
— Até que sim, mas não necessariamente. Você pode entregar os biscoitos pro pai ou pra um irmão, por exemplo. — Ao dizer aquilo, ela viu um pouco da empolgação da garota sumir. Então, Alícia entendeu o motivo de Petra ter perguntado se era algo "romântico". — Você queria entregar algo pro Raizel?
Com um balançar discreto de cabeça, a moça confirmou que sim. Mesmo que só tenha começado a namorá-lo há poucos dias, ela queria entregar algum presente, por menor que fosse.
— Eu não sei o que poderia dar pra ele. — De todas as coisas pelas quais Raizel demonstrava interesse, não parecia existir uma em que ela pudesse contribuir.
Música? Ele tinha uma variedade insana de instrumentos, fossem daquele mundo ou da Terra; além de dominar todos com maestria, embora apresentasse um interesse particular pelo piano.
Para o vinho era a mesma situação: dentro do anel de ressonância dele já havia uma quantidade considerável; na adega pessoal dele, eram garrafas pra uma vida toda.
Para o combate? Bem, se tratava do membro mais forte de uma das quatro Academias de Batalha. Tanto em poder quanto em armas, ele não aparentava ter necessidade de nada.
— Nesse caso, eu posso te ajudar a comprar alguns biscoitos. — Logo um flash passou pela mente de Alícia. — Só não espere receber algo dele em troca, tá?
— Huh?
— O Raizel, bem… — disse, mas sem querer falar muita coisa. — Ele não costuma participar dessas coisas, então talvez não tenha comprado nada pra você.
Para Petra, aquilo não era problema. Desde que conseguisse tirar um sorriso daquele cara, que habitualmente carregava expressões fechadas, já se sentiria muito bem.
Além disso, ela possuía aquele ticket da loja da idosa, a qual ajudou a atravessar a rua. Seria uma boa oportunidade para ver se a senhorinha chegou segura em casa.
Já para Alícia, poderia ser uma forma de tentar esquecer o ardor da derrota pela qual acabara de passar. Ao menos, até que o próximo dia amanhecesse.
Na loja de doces, tanto Petra quanto Alícia foram muito bem recebidas por uma pequena garota, que irradiava cortesia por cada um dos poros de seu corpo: a neta da dona.
Dado o fluxo crescente de clientes, em razão do Festival Sojourner e dos visitantes — que vieram por causa do campeonato — a jovem se dispôs a ajudar nos negócios da loja.
— Vejamos — disse, ao passo que observava Petra com atenção — você ajudou a minha vozinha, não foi?
— Uhum! — concordou com um leve balançar de cabeça. — Ela tá bem?
— Ah! Pode Relaxar.
Por mais difícil que fosse acreditar, aquela velhinha era dura na queda. Não à toa continuava a trabalhar, mesmo com a idade avançada. Para ela, nada era pior do que uma vida monótona.
— Mas então, me diz aí — perguntou, esboçando uma certa curiosidade a respeito da cliente — pra quem você vai entregar esses biscoitos? É pra algum gatinho?
— Er, bem… — Petra olhou de relance para Alícia, a qual parecia meio distraída, mas que soltou uma risadinha discreta ao ver a acompanhante reagir daquela forma. — É pro meu… namorado.
Com as bochechas vermelhas, Petra encarou o chão e juntou as mãos baixas, as quais logo foram agarradas pela atendente empolgada.
— Pode deixar! — Perante o brilho de cegar, que emanava do rosto da atendente, Petra ficou inerte, sem o menor traço de reação. — Espera aqui, tá? Eu vou te trazer algo bem legal!
A moça saiu saltitante enquanto falava sobre já ter algo em mente, algo que amarraria qualquer homem pelo estômago.
Alícia, por outro lado, se encontrava bem retraída e fechada em seu próprio mundinho. Ela mal prestou atenção na conversa das outras duas.
Esquecer o gosto amargo da derrota estava se mostrando mais difícil do que ela esperava. Encarar aquele dois de novo, no dia seguinte, ia ser um porre.
— Tudo bem. — Como uma corda de resgate, Petra veio para tirá-la das correntezas violentas daquele rio de amarguras. — Eu vou torcer por você amanhã.
— Hã?
As duas eram de Academias diferentes. Não fazia o menor sentido torcer por um rival, principalmente por ela — alguém que só trazia coisas ruins por onde passava.
Nem mesmo existiam mais motivos para estar ali. O desejo de Karen já havia sido realizado. Por outro lado, a própria Alicia estava sendo apenas uma fonte de amarguras.
Se não fosse pela Longinus de Lucius, Raizel teria apagado qualquer traço da existência dela naquele corredor; e ele, provavelmente, completaria o serviço quando os dois se encontrassem de novo.
No fim, nunca houve um motivo para estar ali, tão pouco para usar o sobrenome de alguém cuja essência nem mesmo existia mais. Talvez, ela só devesse ter morrido no frio daquele mar de névoa carmesim.
— Eu só trouxe problemas. — Pela melancolia que sentia, uma pequena lágrima escorreu dos olhos marejados, em forma de autocrítica. — Pra você e pro me.. Pro Raizel também.
Petra observou aquelas palavras com um certo grau de curiosidade, a vontade de interrogar aquela garota ali mesmo era gigante.
Entretanto, ela jamais conseguiria fazer isso enquanto visse Alícia se martirizando e remoendo os erros do passado.
Aquela garota parecia não saber o que era contar com alguém na hora da dor e do desespero.
Petra conhecia essa característica muito bem; ela viu isso em seu parceiro por muito tempo: sempre buscando carregar o próprio fardo e o dela sozinho.
Foi assim quando Raizel matou seu padrasto egocêntrico e o noivo lunático — com quem queriam forçá-la a se casar — e quando escondeu o assunto da Chave de Goétia dela.
— Eu sei muito pouco sobre você. Não faço ideia de onde você veio nem quais são as suas intenções. — Respirou fundo e encarou a moça ao lado, com determinação. — Ainda assim, eu posso dizer que você, Alícia Necron, não é uma pessoa ruim.
Ao ouvir aquelas inesperadas palavras de consolo, os lábios de Alícia tremeram. Uma sensação confusa, que misturava tristeza com contentamento, se formou em seu íntimo, conforme sua garganta parecia travar.
— E… Eu… — disse, com a voz engasgada, enquanto levava as mãos até os olhos molhados. — Obrigada… de verdade.
Ver Alícia abalada daquela forma fazia nascer uma vontade genuína de abraçá-la e protegê-la em seu peito. Petra estava para fazer isso, quando a atendente retornou com o saquinho de biscoitos que prometeu.
— Err… Eu tô atrapalhando algo?
— Hm! Hm! — Alícia negou, balançando a cabeça para os lados. Ao terminar de enxugar suas lágrimas, respondeu com um sorriso tão natural quanto uma chuva de verão: — Hehe!
Continua no Capítulo 113: Retribuição Duvidosa
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