Volume 2 – Arco 5
Capítulo 110: Trapaças
De uma forma ou de outra, após o desafio de Milene, Alícia decidiu aceitar a proposta e resolver as desavenças na quadra.
Petra, por estar no lugar errado, acompanhada da pessoa errada, acabou por ser arrastada para o meio de um conflito do qual ela nem ao menos fazia parte.
— Eu sinto muito por isso — disse Alícia enquanto terminava de vestir um short esportivo. — Eu poderia só ter recusado.
Encarando a parceira de Raizel pelas costas, pegou um par de tênis, de um dos muitos pares que havia no vestiário do ginásio.
No fim, os administradores do evento não permitiriam que as duas jogassem usando os uniformes das Academias de Batalha, mesmo que estivessem com um shortinho por baixo das saias.
Se elas iriam jogar ali, então que fizessem da forma certa e com as roupas certas.
— Ah, tá tudo bem.
Petra percebeu que por ter ficado de costas para Alícia, para que a moça não visse o estigma da Chave de Goétia em seu peito enquanto ela trocava de blusa, acabou por gerar um mal entendido.
— Eu disse que queria participar de algo, certo? — disse, virando-se com um semblante genuinamente amigável. — E eu quero te ajudar a vencer eles. Só tenho medo de acabar atrapalhando.
— Hm! Hm! — negou com um enfático balançar de cabeça para os lados. — Obrigada por ficar ao meu lado, mesmo que… mesmo que eu tenha causado problemas pra você e pro Raizel.
Tendo terminado de calçar os tênis, a tenjin pegou um segundo par com meias e se abaixou na frente de Petra, propondo calçar os pés dela como forma de agradecimento.
Ainda era um pouco estranho se ver naquela situação ao lado de Alícia, no entanto — enquanto ela calçava seus pés — Petra não conseguia parar de pensar em algo aleatório.
— Eu só não entendo uma coisa — disse, ao passo que puxava o tecido elástico do seu shortinho esportivo, o qual se retraiu e estalou contra a pele de sua coxa. — Por que essas roupas são tão curtas e justas?
Ao ouvir aquilo, a outra soltou uma risadinha discreta. De fato, tanto coxas quanto quadris ficavam bem definidas naquele uniforme.
— Ainda bem que o Raizel não saiu com você hoje. — A beleza de Petra já atraía olhares cobiçosos, mesmo em roupas casuais, naquele uniforme, então…
Alícia engoliu em seco só de imaginar aquele ginásio aos pedaços e pegando fogo. — Ele é meio ciumento, né?
— Hehe! — Petra entendeu o que a outra quis dizer e, da mesma forma, sentiu uma gota fria de suor descer pela lateral da sua testa. — Talvez um tiquinho… só.
Por sorte, o rapaz decidiu que passaria toda aquela tarde revisando as composições de um tal de Antonín Dvořák; ainda assim, em sua galeria de música, não conseguiu evitar uma certa sensação de desconforto.
Os insultos e vaias que eram lançados para a dupla de majins, por aqueles que foram humilhados por eles em quadra, cessaram no instante em que as adversárias dos infelizes entraram em cena.
Petra e Alícia caminharam até o centro, onde Luke e Milene as aguardavam. Mesmo de longe, o atrito entre os olhos de Alícia e Milene se encontrava a ponto de gerar faíscas.
— Vejo que você não fugiu com o rabinho entre as pernas — disse a majin, dando um aceno de deboche enquanto se afastava. — A disputa de bola é toda sua, querido irmão.
Da mesma forma, Petra também se afastou, e o árbitro se pôs entre Luke e Alícia, preparando-se para jogar a bola laranja para o alto.
Os olhos de ambos mantinham-se fixados na bola. Aquele que obtivesse sua posse teria a chance de abrir o placar.
Assim, quando a laranjinha abandonou as mãos do árbitro e subiu, Alícia saltou o mais alto que pôde. No entanto, quando estava para conquistá-la…
— Essa bola é pra minha irmã. — Os longos dedos de Luke alcançaram o objetivo. — Nem pense em tocar nela.
Mesmo estando de costas para Milene, e antes que seus pés tocassem o chão, Luke passou a bola com precisão para a sua irmã.
— Tsc!
Alícia sabia que não seria fácil vencer a disputa: o majin era mais alto do que ela, e ambos estavam proibidos de usar energia espiritual durante o jogo.
Porém, o que a surpreendeu foi o fato de Luke correr em direção ao seu próprio lado da quadra, em vez de se posicionar na área inimiga em busca de marcar uma cesta.
"Qual é a desses dois?" De qualquer forma, avançou contra a garota que portava a posse da bola. — Passa isso pra cá.
— Nananinanão! — Em um piscar de olhos, Milene realizou um passe cirúrgico, o qual se encaixou com feição nas mãos do irmão.
"Cê tá de brincadeira." Alícia observou, assustada, Luke realizar um pequeno salto para arremessar a bola de onde ele estava, na outra extremidade da quadra. "A distância… é muito grande".
Mesmo assim, o majin foi ousado o suficiente para realizar o arremesso dali mesmo.
Tomados por espanto, os olhos de Alícia e de Petra acompanharam o lindo e majestoso arco que a laranjinha traçou no ar, até o momento em que passou de forma fluída e magistral pela cesta.
Tal precisão no arremesso fez parecer que a bola foi de encontro à cesta como se tivesse sido guiada por um ímã. Aquela habilidade era uma verdadeira trapaça.
— Ah, não! Isso de novo, não! — Alícia ouviu alguém praguejar na arquibancada, alguém que já tinha sido destruído por aquela mesma habilidade.
"Então é isso…" A razão pela qual Luke quis realizar um arremesso de ponta a ponta da quadra, um aviso claro de que ele conseguiria marcar de qualquer lugar. "Mantenha o foco!"
Alícia começou a andar em direção à sua área, enquanto Petra se preparava para colocar a bola de volta no jogo.
— Passa pra mim — disse, recusando-se a cair na provocação dos seus rivais.
O jogo estava 3x0 por Luke ter marcado fora da área de três pontos, ainda assim aquilo estava apenas começando.
— Uhum! — Petra passou a bola direto para a companheira que, fazendo-a quicar com força, inclinou-se para a frente e disparou feito uma bala.
"Se é assim" pensou enquanto encarava os olhos atentos de Milene na iminência de um embate um contra um "então vamos!"
Quando frente a frente com a majin, realizou um giro artístico de bailarina que fez a bola sair do campo de visão de Milene.
Na verdade, tudo o que a moça percebeu foi o som da laranjinha quicando debaixo das suas pernas.
Quando olhou para trás, viu Alícia retomando o domínio da bola e avançando com tudo contra a última linha de defesa — Luke.
— Aqui é fim da linha pra você. — Com os olhos bem abertos, o majin acompanhava cada mínimo movimento da garota.
— É mesmo? — Para a surpresa de Luke, Alícia jogou a bola em direção à lateral da quadra.
O estranho no movimento da garota era o fato de que não havia ninguém ali para receber o passe — Petra ainda se encontrava na linha de defesa. Quando Luke percebeu o significado por trás daquilo, já era tarde demais.
Girando de uma forma incomum, em vez da bola quicar e sair para fora, ela pareceu quase grudar no chão e disparar em direção à área de três pontos.
— Mas que diabos…?!
Ao se aproveitar do espanto do garoto, Alícia invadiu a área, recebeu a bola e arremessou, de forma fria e calculista, marcando uma cesta de dois pontos.
— Ei, que técnica foi essa que você usou?! — Aproximando-se com passos pesados, Milene se aproximou de Alícia com olhos furiosos, pronta para avançar em seus cabelos. — Algo assim não existe! Isso é roubo!
— Acalme-se, Milene — pediu seu irmão. — Eu não senti o uso de Energia Divina.
— Mas, querido irmão… — Ficou manhosa ao não receber o apoio dele. Fez beicinho e virou o rosto para o lado. — Você tem que concordar comigo.
Enquanto isso, Alícia voltou para o seu lado da quadra e deparou-se com os olhos de administração de Petra.
— Como você fez aquilo? — indagou a moça. — Foi incrível!
Alícia esboçou um sorriso bobo. Mas não era hora de explicar que aquela técnica foi desenvolvida por Raizel.
Na época em que ninguém queria jogar com ele, o rapaz criou uma espécie de auto-passe, para que pudesse enfrentar um time inteiro sozinho.
No entanto, as garotas mal tiveram tempo para comemorar os primeiros dois pontos conquistados. Do nada, as duas ouviram o som da bola passando pelo aro da cesta delas.
— Quê?! — Na outra extremidade da quadra, ainda em posição de lançamento, Luke esboçava um olhar frio. — Isso é péssimo — falou a tenjin.
— É péssimo mesmo. — Com as mãos na cintura, Milene mantinha o queixo erguido. — O meu querido irmão é um arqueiro, caso tenha se esquecido. Ele nunca vai errar.
Mesmo que as duas conseguissem passar pela dupla de irmãos, no momento em que Luke colocasse as mãos na bola seriam três pontos para eles.
Naquele ritmo não teria como vencer.
— Alícia…? — Petra observava a garota suando frio. O gosto amargo da derrota descia pela garganta dela, quase a engasgando.
— Você realmente achou que podia vencer a ligação que há entre mim e o meu irmão? — Do outro lado, Milene provocou sem aplicar anestesia. — Logo alguém que nem sabe o que é ter o amor de uma família?
Diante daquelas palavras, Alícia tremeu. Junto ao sentimento de melancolia, a ardência pela derrota queimou em seu peito.
— Nós vamos vencer, Alícia. — Petra retomou a bola e se preparou para reiniciar o jogo. — Dessa vez, eu vou com você.
Por alguma razão, a tenjin sentiu aquele sentimento de ardência diminuir e ser substituído pelo frescor das palavras de Petra.
— Tá. — Era estranho como aquela garota, que ela mal conhecia, era capaz de acalmar seu coração e fazê-la se sentir tão em paz. — Vamos devorar eles.
Continua no Capítulo 111: Fardo
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